As Histórias do Mimganço...
O Ecrã
« Dezembro 05, 2005 »
Fiquei perdido de mim. Ao chegar a casa, ontem à noite reparei que do meu altar de sacrifício tinha desaparecido o monitor.Bem, não só o monitor mas também o teclado, a torre das funções, as colunas e até a impressora que há muito deixou de ter impressões para passar a ter, numa forma superiormente evoluída, apenas vagas ideias e truismos.Fiquei possuído daquela raiva dos desenganados a quem o cônjuge, sem nada que o denunciasse, resolve desaparecer com as jóias da família, os naperons, o faqueiro de prata, os linhos do enxoval, deixando apenas para trás a prestação do carro e da casa.Nesses momentos, a cabeça lateja, o raciocínio torna-se uma enxurrada de recriminações e dentro de nós, a necessidade confunde-se com a impotência de preencher o vazio deixado pela descoberta do que nos tiraram. Tentei perceber o que se passava e reconstruir um itinerário possível de sucedências mas resvalava logo no primeiro passo.Nem as portas nem as janelas revelavam indícios de arrombamento, nenhum desalinho se registava na casa, entre a porta de entrada e o escritório, e daí que as suspeitas assentavam como luva de seda na técnica oficial superior de gestão doméstica, vulgo, mulher a dias, designação que o Código de Trabalho veio banir, dando modernidade executiva à medieva nomenclatura.Só podia ser ela, a D.Dilua. Tinha a ocasião, tinha os meios e tinha os motivos.
Há muito que pedia aumento mas eu insistia em a considerar funcionária pública e como tal congelei-lhe as intenções.Segundo o princípio da homogeneidade da natureza das funções, parece-me administrativamente correcto considerar a mulher a dias (na pregressa designação) de um funcionário público, também ela funcionária pública por beneficiar, subsidiariamente dessa qualidade.Aliás, a D. Dilua trabalhava tão pouco como eu, com tão pouca qualidade e com tantas folgas interlocutórias que não havia razão para se considerar equiparada aos bancários ou aos amanuenses da iniciativa privada, e ainda menos para ser bem paga.Sem mais razões, hoje de manhã interceptei-a e perguntei-lhe o que fizera do equipamento intergaláctico que me custara, não os olhos da cara mas apenas os olhos, e foi sem surpresa mas com estupefacção que recebi a resposta.- Deitei-o fora.Como era possível tamanha serenidade na resposta... – Mas aquilo fazia-me uma falta enorme D.Dilua. Contive eu a minha exasperação com as abas do nariz em movimentos de abrir e fechar. – Aquilo era a minha porta para o futuro, mulher de Deus!!! Gritei eu já sem me conter.- Aquilo era a dobradiça com o Mundo, estropício estafermado!!!Ela nem sequer pestanejava e olhava-me cada vez com mais atenção.- Pois descanse que lhe arranjei melhor solução.- Como lhe ocorreu deitar aquilo fora?! Protestava eu já resignado.
- Saiba o senhor que aquilo era cada vez mais difícil de limpar. Em cada manhã demorava mais tempo no écran que nas três casa de banho e gastava mais em detergente e bactericida nas tubagens do aparelho que nos ralos do lava loiça. Garanto-lhe que foi a melhor solução. E depois, do meu contrato faz parte ser eu a decidir sobre todas as matérias de limpeza e higiene da casa.Se não lhe deixo os lençóis da cama ficarem esgaçados e com nódoas permanentes sem lhes dar baixa porque haveria eu de permitir que um electrodoméstico sem condições continuasse no activo?!Pretendia eu sustentar ainda que não se tratava de um qualquer electrodoméstico mas de um poderoso meio de comunicação à distância, mais eficaz que o telefone, a auto estrada do futuro, como num momento de grande inspiração lhe chamou o ministro, mas já ela já virava as costas sem me revelar a solução que encontrara.As janelas do escritório estavam agora abertas, pela primeira vez em mais de três anos e notava que a rua ficava ali mesmo ao alcance do olhar, esquecido que estava já da última vez que a olhara.Com mais atenção observei que de forma tosca, na vidraça maior, alguém com giz de alfaiate, debruara os contornos nítidos de um rectângulo e colocara por baixo, de forma intencional, as letras do alfabeto mas de tal forma intervaladas que, se por ventura se digitassem, o movimento da mão se assemelhava a um aceno.
Cheguei-me mais perto e comecei a premir devagar aquelas letras, com ambas as mãos como se escrevesse na transparência da luz o primeiro poema do dia. Aos poucos sossegava, ouvindo lá dentro a voz de D.Dilua cantando os boleros que tanto apreciava.Quando voltei a mim, ainda de cara encostada ao vidro, e consegui olhar para fora do reflexo que a minha imagem devolvia, como se entrasse no espaço interdito que fica para lá de qualquer tela, foi com espanto que vi que da rua, toda a gente me acenava com mãos que também eram caras, que também eram olhos, estaturas e volumes, devolvendo o meu gesto, acrescido e palpado com o sabor das manhãs.
Gostei, embora, espero eu, em tom de parábola... é bem verdade que dessa janela virtual para todo o mundo, deixamos de ver os vizinhos, que sim, sempre estiveram ali, mesmo os que por ventura têm o cão que nos chateia nas noites de insónias... mas são os vizinhos, e as demais pessoas que passam na rua.
ag da silva
Sempre achei que o maior significado de violência psicológica era esse ecrã que se estabelece entre nós e os outros.Sempre senti que este ecrã que está na minha frente e, no qual, todos os dias, todas as tardes e todas as noites olho para um mundo onde nada vejo, me afasta cada vez mais desses outros.Bem me podias emprestar a tua D.Dilua para me fazer uma obra de caridade, mais do que de gestão doméstica, livrando-me do teclado e do resto do equipamento, para poder olhar de frente as gentes e até os insectos para poder, enfim, ter tempo para o tempo...
a ecran
Deveria ter adivinhado no olhar matreiro da serviçal que alguma das boas ela tinha aprontado, naquele à vontade de quem se sabe ser a mulher da casa, chegando assim a certas dimensões do encantamento que em todas as casas existem mas que apenas se revelam à propendência do olhar feminino.-Então?! Mais realizado? Perguntou ela como se me medisse a pulsação depois de me ter pregado um susto.-Que remédio... Contrapus eu, lembrando ainda a perda, que julgara ser irreparável, de todo o equipamento para contactar com o além, mas da qual me recompunha com surpreendente facilidade.D. Dilua desconhecia a ressaca em que caíra depois de que ela me havia privado do ventilador dos sonhos ilusórios e eu, por mim, não queria confidenciar a fraqueza que quase me consumira.Não tinha sentido confessar-lhe a nostalgia com que nos momentos seguintes passara a olhar para a porta envidraçada do micro ondas, carregando nas teclas de congelação, descongelação, temporizador e rodando o manómetro do relógio na ânsia de ver aparecer impresso na porta o alaranjado do portal que frequentava.Nenhum interesse conseguia encontrar em desvendar a D. Dilua que, depois do microondas, percorrera por ordem alfabética a porta do forno, também ela semelhante com o ecrã do monitor, os visores da máquina de lavar roupa, as portaletas do psiché e, até, o aquário rectangular e desactivado que arrumei há tanto tempo na despensa.
-Que remédio. Repeti eu, apenas apaziguado pela recordação da janela sobre a rua, sucedânea de um tempo em que falava com os dedos e ouvia com os olhos.-Deixe lá, que lhe há-de fazer bem descansar a vista e deixar as unhas dos dedos crescer sem estarem condicionadas pela pressão como os pés das gueixas. Acrescentava pusilânime Dilua , agora que recobrara o seu lugar de autoridade. Eu, regressava à memória da síndrome de apetência, assustado ainda com aquilo a que de mim assistira, reclamando de qualquer pedaço de vidro plano uma palavra, um arabesco aromatizado de letras, consumido na ansiedade de nenhum signo ou sinal ver aparecer.A janela estava agora aberta e a visão da rua era o antonomista mais eficaz para o estertor do físico, ventilando de luz sonhos cada vez menos ilusórios.As vozes lá de fora enchiam o ar e foi sem sobressalto que reparei que o teclado havia voltado ao seu lugar e, o fio, num nó avulso dado em torno da dobradiça da janela, convidava à escrita impossível, mais silenciosa, como quem pensa alto e espera que do lado de lá, alguém adivinhe e leia.Aprontei os dedos e fui carregando as teclas, julgando fazer o imponderável dirigir-se lá para fora, invisível e transparente, sem intromissão de qualquer vidro.D.Dilua, atrás de mim sorria com o ar de terapeuta, de vassoura na mão e lenço atada na cabeça, lendo atenta o que eu escrevia com compassadas letras.
"A virtualização, de maneira geral, é uma guerra contra a fragilidade, a dor, a usura. Em busca da segurança e do controlo, perseguimos o virtual porque nos leva a regiões ontológicas que os perigos vulgares já não atingem. A arte questiona esta tendência e virtualiza, assim, a virtualização, porque procura, a partir do mesmo momento, uma saída do aqui e do agora, e a sua exaltação sensual.Ela retoma a tentativa de evasão. Ela ata e desata a energia afectiva que nos faz superar o caos. Em ultima instância, ao denunciar o motor da virtualização, ela problematiza o esforço incansável, por vezes fecundo e sempre votado ao fracasso, que empreendemos para escapar à morte." Pierre Lévy
Penha Negra
Sempre temi este momento. O da transubstanciação da lonjura, em que a eternidade fica ali ao alcance da mão. A literatura do género era-me familiar e a Divina Comédia ou o Auto da Barca do Inferno, foram elementos fundadores da minha angústia e, por vezes paliativo, dos meus medos. Mas nenhum conhecimento lido equivale a uma conclusão vivida e, como assim, obrigava-me a descobrir a estrutura desse limiar vital. O caminho da simulação estava viciado pela petição de princípio segundo a qual está sempre demonstrado aquilo que precisamente se pretende demonstrar e, por isso evitei recorrer a essa fórmula, sem que descortinasse um sucedâneo de qualidade maior. Quase desacreditando o sucesso do esforço, foi por acaso, tanto quanto o acaso não é mais que a necessidade carregada de lucidez, que apliquei um princípio básico a esta preocupação. Se à semelhança do que se passava na caverna do Platão tudo o que existe contém e é reflexo do que pode existir de facto, então, também para tudo o que é real pode haver a suposição do que dele é imagem e, no brilhantismo da conclusão, tudo o que me mete medo viver a sério, posso vivê-lo com a dignidade do fingimento. Era afinal de contas elementar. Pressionei o botão, aguardei pelo milagre da criação renovado sempre pelo meu comando, na quadratura adivinhatória que se acende, digitei a hiperligação mais adequada aguardando a visão do portal e iniciei a experiência.
Fui carregando com os dedos as portaleiras das letras e deixei-me sair por aí, mesmo pelas falangetas, quase que esvaziado, ficando do lado de cá o corpo e do lado de lá a manifestação. Resisti à tentação de desvendar, a quem se me dirigia, o que estava eu a fazer e, passando mesmo assim por mal educado, julguei valer a pena percorrer sozinho a suplência dum silêncio bordejado de palavras. Pensei comigo, morrer deve ser assim. Estar num outro lado apenas com o peso da leveza do que me recordo e do que fiz para não recordar mas que nunca me esqueceu. Verificar a estreiteza do espaço que existe entre mim e mim mesmo, sem que nele se possa depositar nenhum álibi. Repreendo as mãos. Agora nem sequer escrevo, nem sequer leio, nem sequer sequero, como se a arte da levitação fosse o passo seguinte ao da quietude.
Mas a textura desta experiência "para mortem" foi sobressaltada. Dilua, a serviçal mais piscurente de todo o edifício, arrefinfou-me com dois lambefes bem luzidios, que me fizeram despertar e, convulsionado tanto da tosse como do engasgamento do pasmo, fiquei atónito a olhar para o despautério da dona. Ela nem bolia no destemor da sua decisão.- Acorde homem de Deus. Então não é que já não estava a respirar e já começava a perder as cores?! Nem tentei explicar a natureza mística do meu estado e menos ainda a natureza do êxtase em que me debruçara. Com as mãos agarradas às faces, senti de novo o sangue a percorrer-me as artérias e o corpo a retomar-se de ímpetos, embalado pela cantoria da correccionalista das vassouras que já refeita do seu préstimo se desanuviava no despanejamento dos móveis cantarolando numa morna melancolia: "Disse-te adeus e morri e o cais vazio de ti, aceitou novas marés Gritos de búzios perdidos levaram dos meus sentidos a gaivota que tu és..."
Genial!....Até Platão deu voltas na tumba....
Penha Negra
afinal, sonhavas com uma borboleta e ela existia no teu sonho... ou és tu que existes no sonho de uma borboleta..... e não existes tu... heheheheheh
ag da silva
Quem deu voltas na tumba foi Viriato...
Zé do lameiro
O POETA·O dono de um pequeno comércio, amigo do grande poeta Olavo Bilac, certo dia abordou-o na rua e disse:Sr. Bilac, estou precisando vender o meu sítio, que o senhor tão bem conhece. Será que poderia redigir o anúncio para o jornal? Olavo Bilac apanhou lápis e papel e escreveu:“Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo, cortado por cristalinas e merejantes águas de um lindo ribeirão. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes na varanda.” Alguns meses depois, o poeta encontra-se com o comerciante e pergunta-lhe se já havia vendido o sítio.Nem pensei mais nisso, disse o homem.Depois que li o anúncio é que percebi a maravilha que tinha!·Às vezes, não percebemos as coisas boas que temos connosco e vamos longe atrás da miragem de falsos tesouros. Devemos valorizar o que temos e que nos foi dado gratuitamente por Deus: os amigos, o emprego, o conhecimento que adquirimos, a saúde, o sorriso dos filhos e o afago do cônjuge. Estes sim, são verdadeiros tesouros.
AL
O Silva da Ima
« em: Junho 17, 2009
Em histórias velhas diz-se por vezes que o eco perdura três dias ao desaparecimento do som porque nós não somos capazes de coincidir com o ritmo das surpresas e a nossa crença, sobretudo no que se perde, é tardia e carece desse período de tempo para se convencer de que a realidade se alterou e que, como não regressa, temos nós de avançar no risco de novas surpresas ou permanecer na lembrança perene de uma memória que não queremos, nem deixamos, que nos largue.Faz um tempo que me calei porque o espaço das histórias se rendeu em homenagem de silêncio ao eco que nos deixou quem partiu e só um tolo é que se põe a gritar sobre o eco do grito que deu antes.Não durou três dias este silêncio, durou mais.As histórias velhas nem sempre têm um cálculo rigoroso e mesmo para quem ressucitou ao fim de três, essa evidência de espanto não foi suficiente para convencer quem mais próximo estava de que era tempo de entre a memória e a esperança deixar quieta a primeira e permitir-lhe ser apenas um espaço de raízes da segunda.Percebo agora porque demorei tanto tempo.Porque ao intervalo da ausência juntei a distância do lugar a que o eco se produziu e assim o prolonguei até que , tendo lá voltado, percebi que o silêncio estava de novo restabelecido e que tudo o que se queira dizer e ouvir não atropela já o murmúrio que se conserva na lembrança de uma voz que se extinguiu.Outras histórias velhas existem que dizem que as palavras dos sábios quando eles desaparecem se transforma em canto que apenas podem ouvir os que permaneceram na espera que essa transformação se desse para poderem continuar a acreditar e a perceber porque é que às ressureições se dão num dia mas o Pentecostes acontece tanto tempo depois.
Mas porque é que, a mim, me apetece gritar?
Pronto. Já gritei.Agora vou ficar à espera o tempo que for preciso para que o eco faça o efeito desejado...
P p
Sem espaço
« em: Março 18, 2009, 08:42:07 »
Oiço à minha volta gente a queixar-se de falta de tempo; da falta de um tempo onde possam caber todas as coisas que a vontade teima em ter vontade de fazer mas sem que haja já espaço onde caberem.Queixo-me do mesmo e nem mesmo por prodígios de arrumação encontro um lugarinho que seja onde possa meter mais um átomo do que desejo.Penso que a resposta possa estar em deitar fora o que, por critérios de importância, não seja já tão importante, mas desisto porque à semelhança do que acontece com a memória , depois de ter metido dentro de mim alguma coisa, que ela saia ou não para dar lugar a outras, não é decisão que dependa já só da minha vontade.Fico à beira de desistir a a contentar-me com aquilo que já tenho e com aquilo que poderia ainda ter se acaso houvesse espaço e é então que me lembro de alguma coisa que ouvi e que ganha sentido.Um perito, asssessor de uma empresa de gestão de tempo, numa comunicação feita num congresso realizado para se fixar, definitivamente, qual a porção de acontecimentos, memórias, desejos e generosidades que cabem nas 24 horas de cada um dos 365 dias do ano, colocou em cima da mesa um frasco grande de boca larga e uma bandeja com pedras do tamanho de um punho e perguntou ao auditório quantas pedras pensavam eles que caberiam no frasco.Depois que a assistência fez as suas conjecturas, começou ele a meter as pedras lá dentro até encher o frasco.Logo a seguir perguntou "Está cheio?" Toda a gente concordou que sim.Então ele colocou em coima da mesa um balde com gravilha e foi metendo esta dentro do frasco e agitou-o um pouco fazendo com que as pedritas pemetrassem os espaços entre as pedras grandes.Perguntou de novo "Está cheio?" Desta vez alguns da assist~encia disseram "Talvez não...".Colocou então em cima da mesa um saco com areia e começou a deitá-la no frasco, sendo que ela se esgueirava nos pequenos reconcâvos deixados ainda pelas pedras e pela gravilha.Perguntou de novo "Está cheio?".Desta vez toda a assist~encia disse numa só vóz "Não!".Tomou então numa jarra com água e começou a vertê-la dentro do frasco e a água ia cabendo lá dentro até ao cimo. Desta vez o gestor do tempo, conferencista, perguntou qual era a conclusão que se deveria tirar de tudo aquilo e um dos assistentes disse, resoluto, que era simples, a moral teria de ser que não interessava que uma agenda estivesse muito cheia porque se tentarmos podemos fazer qualquer coisa mais.O conferencista porém disse que não, que não era assim, a conclusão era antes que, se não colcarmos as pedras grandes em primeiro lugar, nunca mais as poderemos colocar.Penso agora eu devagar.Não vou ao Jarmelo faz já algum tempo e muitas coisas há que desejo fazer e não faço há muito também. E quanto menos as faço mais parece que menos espaço e tempo tenho para as fazer, porque me vou perdendo em outras coisas importantes mas mais pequenas.Agora que sei isto tudo num momento em que vida me adverte de que não sou ainda um frasco totalmente cheio, talvez me não reste outro caminho que não o de me esvaziar de novo, pegar em tudo aquilo que a vida já me foi concedendo e voltar a meter, depois, para dentro todas essas coisas pela ordem certa. As coisas grandes primeiro e depois , por ordem decrescente, as que forem sendo menores que entre tudo o que temos há sempre um intervalo em que cabem as imperdíveis delícias dos dias.
Bom regresso (do Jarmelo...).
Estou triste.+ 1 fim de semana e o Sr. mimganço não foi ao Jarmelo.Não foi ou não quer dizer.Diz que vai, que vai, que vai... e nada.Ou, se calhar, o Jarmelo não existe...
piu zinha
Não por acaso certamente, parei de novo os olhos por estas paragens.E, "sem espaço"...E, não fosse a falta de espaço para registar na memória dos dias as demonstrações tão frequentes de falta de espaço e teria certamente de reconhecer, a despropósito, ou talvez não, que um dos nossos mais relevantes problemas é na verdade a falta de noção do nosso verdadeiro espaço, negando tantas vezes, distraídos talvez, num juízo apressado pela ideia de falta de espaço, a nós próprios a capacidade de vermos registadas as coisas que verdadeiramente pensamos deverem ter lugar de destaque nos registos da nossa existência. Porém, ainda que assim o pareça, a mera circunstância de termos conseguido pensar sobre o assunto, é afinal já pura demonstração de que, de facto, tivemos espaço, como o teremos também para novas paragens, quando conseguimos (como o consegues Amigo Minganço) fazer paragens no espaço, procurando como a ave que cruza os céus, aparentemente em desnorte, afinal redireccionar a trajectória de voo, fugindo à tentação (enganadoramente protectora) de descer ao chão apenas porque se não sabe onde está. E, ainda nos casos em que, como a ave, fazemos círculos no espaço, aparentando como ela que estamos perdidos, é bom saber que no encontro do trajecto certo, que tantas vezes não é o mais curto, está afinal o prazer do voo, pois que é mais aquele e menos este que dá sentido ao viver.Mas, perguntar-se-á, será mesmo o Jarmelo uma verdadeira existência?Bem, em jeito de resposta direi apenas que o Jarmelo, visto lá do alto, numa trajectória de voo com destino, tem diversas cores e nomes, tantos que dificilmente se contam com números ou palavras. Porém, de uma coisa estou certo: o seu verdadeiro espaço existe. E existe precisamente quando me parece, como acontece por vezes, que estou já sem espaço e que necessito, por isso mesmo, de esvaziar o conteúdo do que sou para tentar repor depois, por ordem de importância, as coisas no seu verdadeiro lugar.Daí a importância dos círculos no espaço!
Diogoluís
Duvido que seja preciso esvaziar. Um estremação faz as coisas pequenas encontrar o caminho certo, o do fundo. Assusta menos e mesmo que sobrem algumas bolsas de ar feitas de espaço inaproveitado, não será esse o lugar do imponderável? Não é a sua existência que nos motiva verdadeiramente o voo?
caneta
Respeitado sempre as coordenadas do lugar, isto é , que temos sempre por referência o Jarmelo, real para os que o conhecem e imaginário para os que ouvem falar dele e que apenas o presentem nas palavras e nas fotografias que aqui têm acesso, não me custa muito pensar que a problemática dos "espaços" e da maneira como os preenchemos com tudo o que li a este propósito, depois de haver escritoo post incial, ganhou um sentido acrescentado.E ganhou-o por vi referidas duas palavras que resumem toda a elasticidade de que somos capazes em matéria de caber dentro de nós mais alguma coisa. E essas palavras são: memória e desejo.Para quem conhece o Jarmelo e nele já firmou os pés ou alma ele é uma memória que se exercita com provas de vida, com romarias de visitação interior que não dispensam as deslocações e a contemplação directa da terra e do céu que o distinguem e que nos expandem, porque estar perante o tamanho que ainda não fomos capazes de conseguir faz-nos saber maiores e com mais espaço.Depois, também a memória daqueles que ali estiveram e são as nossas raízes, é um suplemento a que nos reconheçamos mais que os nossos limites e os limites da nossa própria história.No Jarmelo, eu mesmo venho do tempo dos celtas, dos romanos e de uma idade medieval onde reconheço vazios que me cabe a mim preencher. Mas a quem não conhece o Jarmelo a memória é substituída pelo desejo de conhecer, ou de reconhecer na imagem do que vai construindo a verdade do que a realidade pode consentir.E se deixarmos agora o Jarmelo em paz e regressarmos às reflexões sobre o espaço que temos ou não temos, sabedores de que quer a memória quer o desejo nos aumentam o tamanho, talvez não nos reste muito mais para concluir a não ser que , quando julgamos que em nós o espaço terminou e nada mais nele cabe, só nos resta sermos mais com os outros, quer em memória quer em desejo.
É só para ver se eu tenho espaço (o anterior não teve ...). Esta do espaço dá espaço para mangas...(O anterior e que não se vê foi o ag silva)
com espaço
Tenho um recado para o Sr. mimganço.Obrigada por me ajudar a crescer.Devagar, devagarinho, eu vou lá.(Já cresci alguns quilómetros. Não cresci mais, mas a culpa não é da falta de espaço, ou. se calhar, ...)
piu zinha
Filha... aqui do céu, orbitando por terras do Jarmelo, continuo a olhar por ti! O teu problema é mesmo falta de espaço nesse cérebrozinho de noz. Para vós, caros leitores e apreciadores das belas histórias do “Sr. Minganço”, peço mil desculpas pelas insignificantes palavras que a minha rebelde filha continua a ter, mas como ela própria diz devagar devagarinho ela vai lá… ela um dia vai lá… vai ao Jarmelo!... e com os seus 5 sentidos irá saborear palavra por palavra o verdadeiro livro das histórias do Minganço. Parabéns amigo… é saboroso ler a palavra Jarmelo num texto é bem escrito.
Piu
A minha mãe (a Piu, que morreu) era outra...Essa percebia-me.(Gosto muito de estar aqui. Caso não gostasse já há muito que me tinha ido embora. Peço desculpa a quem não o percebeu.)
piu zinha
Liberdade Aqui nesta praia ondeNão há nenhum vestígio de impureza,Aqui onde há somenteOndas tombando ininterruptamente,Puro espaço e lúcida unidade,Aqui o tempo apaixonadamenteEncontra a própria liberdade.S. M. B. A.
uzé
“Ser pedra é fácil, difícil, é ser vidraça.” Provérbio Chinês
3za
Há já algum tempo que não passava por aqui...Ao ler "insignificantes palavras" lembrei-me de "A parábola dos cântaros". Bem haja, mimganço, pelas belas lições de vida.
. e ,
Há dias e dias
« em: Junho 16, 2005,
Há dias que se vestem de improvávele que me deixam ser tudo aquilo a que me afoiteser pífaro ainda dentro da canapor cortarser chuva no interior da nuvemna véspera de choverser voz mesmo sem qualquer palavra articuladasentir no esboçotoda a evidência do que é beloPorque em dias assimquando acontecemsou apenas a intuiçãode que me vistonuma irrisória distânciade que me afastosou tão sómente euum pedaço de pó e ventodo jarmelo
Há dias ...... que me deixam ser...
piu zinha
Embora o escrito do post seja meu e esteja numa das paginas deste forum, é tão longinquo que nem me lembrava dele e, para que conste, não fui eu que agora o coloquei. Nem veria agora neste momento actualidade.
Depois de várias tentativas, quase descobri a mensagem.Tenho dúvidas entre:1 - Este fórum está demasiado parado;ou2 - Quero mais.
Decifra
O FÓRUM está meio parado, mas continua aberto!! todos são bons colaboradores se quiserem
ag da silva
Enigmas
« em: Março 01, 2009, 02:51:36 »
Para quem toma este tempo, que decorre entre o Carnaval e a Páscoa, como um caminho de sobriedade, ou mesmo para quem não o faz, mas se vê obrigado, pela conjuntura, a considerar este momento como uma época de problemas, o primeiro cuidado que deve ter é o de saber a diferença que existe entre um problema e um enigma.Não se trata de coisa fácil mas da importância da distinção depende quase sempre a eficácia do resultado e a possibilidade de avançar.Com o que seja um problema não é preciso gastar muita tinta e se deixarmos de fora aqueles que nós mesmos inventamos, e que não são bem problemas mas antes a expressão da humana arte de inventar coisas para nos evadirmos do que é mesmo importante, não sofre muita contestação que problema é tudo aquilo que aparece como obstáculo no nosso caminho e que exige de nós uma decisão em que revelamos quem somos e o que queremos.Os enigmas, por sua vez, mais que problemas, ou começando por serem apenas isso, são a explicação que damos ao que nos surge como dificuldade, quando a vontade de explicar é superior à capacidade de resolver.Num tempo em que as escolhas se fazia não por eleição mas por designação dos mais capazes pelos mais sábios existia uma terra em que a administração estava repartida por um Mestre e um Guardião. Ora, como o guardião entretanto havia morrido, foi preciso substituí-lo e esse encargo cabia ao Mestre.Convocou então ele todas as pessoas do povoado para decidir quem teria a enorme distinção de trabalhar directamente ao seu lado e disse-lhes: "Vou colocar-vos um problema e o primeiro que o resolva será o novo Guardião.".Terminado o discurso colocou em cima de um banco uma jarra de porcelana caríssima e lá dentro meteu uma planta.Todas as pesoas contemplaram perplexas "o problema" tentando averiguar pelo que viam nos desenhos que decoravam a jarra e pela frescura da planta o que representaria aquilo.Passou algum tempo sem que ninguém tentasse fazer nada, excepto contemplar e maturar no problema que tinham à sua frente, transformando aos poucos pela inércia da contemplação, com tudo aquilo que iam pensando, o probelma por resolver, num enigma quase intocável.Seria que a questão estava em não deixar secar a àgua na jarra e manter a planta fresca? Seria que , pelo contrário, teriam de deixar secar a planta e esperar por ver como as folhas secas cairiam sobre o banco e revelariam alguma pista? Seria que os sofisticados e estranhos desenhos da porcelana da jarra seriam o ponto de partida da resolução?O tempo ia passando e foi então que de entre eles um se levantou e, chegando ao pé da jarra, pegou nela, atirou-a ao chão desfazendo-a em cacos perante o espanto de todos os outros.O Mestre disse então: "Finalmente, alguém resolveu o problema. Começava a duvidar que o exemplo da minha sabedoria durante todos estes anos na administração desta terra tivesse sido vã. Tu que partiste a jarra , és o novo Guardião".Quando aquele que fora investido voltou ao seu lugar, observando o Mestre ainda a estupefacção com que todos o olhavam , explicou " Eu fui muito claro. Disse-vos que estáveis perante um problema e não importa que um problema seja belo e fascinante, capaz de se transformar até num enigma que nos consome o tempo e a contemplação e nos deixa assim a viver nele. Tendo pela frente um um problema o que precisamos é eliminá-lo".Num tempo de dificuldades, e em que tudo parecem ser problemas, a tentação de os convertermos em enigmas é grande mas a consequência de assim agirmos permite que um problema não resolvido nos transforme a nós em enigmas por resolver e nos deixe à mercê de todos aqueles que não resolvendo problemas tem no entanto a habilidade de coleccionar enigmas e o poder de aproveitarem a nossa contemplação para se irem servindo da terra que nos pertence.
"Não é o problema que nos fascina mas o mistério. Porque não nos fascina o que tem resolução mas o que a não pode ter. E para o homem só o que é demais é que é bastante "E para as mulheres, Virgílio? não contaste com elas, han?
caneta
Os problemas resolvem-se; os enigmas decifram-se (se nos dermos tempo e vontade para isso) mas os mistérios vivem-se.Ainda que sejamos capazes de elevar um problema à qualidade de enigma, seja pelo fascínio que ele tem, seja pela incapacidade imediata de o resolver e de, assim, fazer deslocar da realidade para dentro de nós aquilo que num tempo foi um osbtáculo mas que com a permanência se foi constituindo como uma necessidade de decifração que já não muda a realidade mas nos mantém suspensos de um desfecho, nunca um problema ou um enigma se transforma num mistério.Se a nossa atenção descobre na aparência de um obstáculo uma questão que importa resolver de pronto ou se se afeiçoa a um problema de tal forma que passa a viver com ele sob a forma de enigma, um mistério tem natureza diferente porque descobri-los é encontrar um sentido para a vida, alguma coisa pela qual vale a pena perder todo o tempo porque num mistério, não é a solução que importa mas sim a fé de saber nele uma parte de que depende a descoberta de tudo aquilo que sabemos de maniera incompleta.
Como conceber, dentro desta prisão que é o real, um lugar para o que como tal não é e que se assume somente como dever ser, emergente de um impulso natural para um divinizar das coisas que, por definição ou por falta de conhecimento, parecem estar para além do nosso domínio, ao ultrapassarem o nosso enquadramento aparentemente natural das coisas. Talvez seja essa a razão por que, não raras vezes, nos satisfazemos com o puro racional, vergados à fácil aplicação da premissa de que «tudo o que é não pode deixar de o ser», ou não fossemos nós afinal (seremos?) os guardiões naturais dos nossos sentidos. Já outras vezes, porém, na ânsia de não pretendermos ter como todas as coisas um fim (coisa é coisa, nada mais…), procuramos então encontrar para nós outras origens, na compreensível busca de um estado em que não haja, afinal, um fim ainda que se tenha um princípio, encontrando na dispersão dos pedaços em que se transformou a porcelana e que cairam ao chão, em vez de um problema, afinal a sua solução. Esta é já, pois, matéria de reflexão e não, como aparentemente parece, coisa que foi coisa e nada mais, encontrando-se afinal uma nova resposta na mera dispersão dos pedaços que rolaram pelo chão. Assim se podem procurar respostas nos mais simples acontecimentos, no convencimento, quantas vezes bem evidente, de que nada na vida parece acontecer por acaso, mesmo o mero acaso, por ser próprio da natureza humana, por definição imperfeita e em que por essa razão as perguntas ficam muitas vezes sem resposta, a criação de um ímpeto que acaba depois por nos guiar para outras paragens, em que aqueles limites não existam e em que as respostas se conheçam, ou pelo menos em que se encontrem algumas respostas. Não se trata, reconhecidamente, de um caminho fácil, sendo muitos os casos em que, teimosos como (felizmente?) somos, vamos girando como um pião, nos confins do desconhecimento (e da cegueira?), estando por isso bem longe dos confins de um qualquer conhecimento absoluto, aquele em que não há sequer perguntas por não existirem dúvidas. Mas, como a verdade absoluta é assim para o homem matéria uma mera abstracção, na medida em que se parece assumir como o seu contrário, pode por essa razão aceitar-se como seu corolário absoluto a dúvida existencial do Homem quanto ao que é e não é? Há dúvidas? Claro que sim! Porém, o seu reconhecimento não é afinal o primeiro passo para a busca da resposta? Fiquemos, pois, com ou sem fé, na plenitude dos mistérios!
"E nós, os sem-fé?Eternamente incompletos?".Reproduzo a expressão porque dentro dela se encontra a resposta.Como é que um "sem-fé" poderia alguma vez estar insatisfeito, se a insatisfação é uma das primeiras características da fé e precisamente aquela em que reconhecemos que a temos?!A descoberta de uma inquietude, de uma insatisfação, de que há sempre alguma coisa que nos falta e que vale sempre a pena esperar pelo dia seguinte embora saibamos que nele, ainda que possamos encontrar alguma resposta, resolver algum problema ou decifrar algum enigma, haverá sempre um convite a nova insatisfação, são os sinais que denunciam a fé que depositamos em nós, nos outros ou em alguma coisa.A fé, diferentemente daqueles que vêem nela uma resposta que resolve todos os problemas, que decifra todos os enigmas e que seca a raíz todos os mistérios, é para mim a persistência com que, depois de me reconhecer eternamente incompleto, aceito viver esta minha condição como um mistério a partir do qual me organizo nas minhas dúvidas, nas minhas relações com os outros, nas certezas que vou conquistando e sobre as quais vou construindo novas e mais sólidas interrogações, sem ter a tentação de inventar uma resposta que por conveniência ou enfado ponha fim a esse insatisfação e incompletude.Um sem-fé ou é um tolo que se julga completo e satisfeito ou um preguiçoso que embora se saiba ainda pela metade não quer aquilo que julga ser o esforço de procurar o que interiormente questiona julgando que seria trabalho o que não seria mais que viver a sua condição de participante no mistério. Sim , porque se os problemas e enigmas nao precisam de nós para o serem, nenhum mistério existe sem que nós o aceitemos como tal porque é a nossa insatisfação e o sermos incompletos que vê nele um caminho seguro.Em suma, num mistério temos a certeza do caminho que fazemos e quanto mais o fazemos mais certeza dele temos, porque é a experiência que vivemos, exacta e palpável, embora não tenhamos a garantia absoluta de um resultado final a não ser pela confiança em quem já o experimentou.Para que não me afaste do Jarmelo e o invoque em defesa do que digo, a experiência da fé, assim como a xeixei entendida para mim, é uma das raízes desta terra e ela sempre foi reconhecida na persistência com que todos os anos as sementes eram deitadas á terra.Nunca há garantia de que a colheita seja boa mas nunca ninguém por achar que ela pode vir a ser má deixou de semear ou por considerar que uma geada ou granizo pode vir a tornar inútil o trabalho feito, o abandonou.Sabe-se apenas, por experiência retirada ao mistério, que quem semeia batatas colhe batatas e quem semeia centeio colhe centeio; e que semear é necessário porque é nesse acto que aderimos ao mistério de nos afirmarmos incompletos e carentes do que semeamos mas afirmamos também a nossa disposição de querer viver de maneira completa a incompletude que nos cabe viver.
Semear batatas, sei o que é ...Semear centeio, sei o que é...Mas, e o Sr. mimganço pode chamar-me tola, preguiçosa, ..., semear ventos?!... se calha, é um desafio...
piu zinha
O ar que temos dentro
« em: Fevereiro 20, 2009, 01:24:46 »
Desanuvia-se o tempo,afastam-se as nuvens e enquanto dentro da terra se desenrola o mistério das raízes, cá fora vamo-nos também nós desembrulhando na proximidade de todas as festas que se avizinham.O Outono e o Inverno dobram-nos por dentro, no segredo das reflexões mas a Primavera, e depois o Verão, convida ao encontro e à celebração e até o céu, que de cinzento parecia um tecto a limitar a altura, passa a ser um espaço de outros investimentos.Era mais ou menos por esta altura que quando era garoto me compravam os primeiros balões do ano.Num passeio ou outro ia dando conta que da mesma forma que desapareciam os vendedores de castanhas, iam aparecendo os vendedores de sorvetes e de balões, saídos do nada como os tartulhos.Recordo-me de que a magia dos balões e o seu poder de atracção era de uma simplicidade elementar.Nas mãos do vendedor, seguros por fios, eles não eram diferentes de cães que tivessem sidos levados a passear pelos seu dono mas a sabedoria do vendedor, que como todos os vendedores têm o saber das expectativas, fazia com que de vez em quando, parecendo por acaso, algum balão se soltasse e aí sim, cada garoto sentia uma vontade enorme de ter um.Demorei tempo a perceber este mecanismo interior da vontade que leva a que mais queiramos aquilo que sabemos estar sempre na iminência de nos fugir.Depois de julgar que isso se devia ao desejo de poder e de domínio sobre alguma coisa capaz de se libertar a qualquer instante encontrei na memória dos muitos vendedores de balões com que me cruzei uma explicação mais simples.Uma vez, precisamente numa tarde de vésperas de Carnaval, tarde esplêndida de luz, uma tarde de balões, o meu pai perguntou-me se queria um.Era o primeiro balão desse ano e por isso precisava de ser especial, um daqueles que me fizesse sentir na mão a força de se soltar, mas o vendedor já tinha tão poucos e estavam tão escolhidos que eu fazia aquele ar indeciso que a minha mãe fazia quando ia à praça e olhava para as couves, lamentando-se interiormente de não ter passado pelo lugar uma hora antes, porque se o resto deixado pelos outros era assim, isso deixava adivinhar a qualidade das que tinham já sido escolhidas.Assim olhava eu para os balões, invejando mais os que tinham sido escolhidos que aqueles que tinha ali para escolher.O vendedor percebeu a minha apreensão mas não disse nada e deixou-me estar ali a mirá-los até que lhe perguntei:- Os balões que já vendeu subiam melhor?O homem não se mostrou admirado com a pergunta e respondeu-me que antes tinha tido balões com mais formas e cores mas que em matéria de voar e de subir ao céu não me sabia dizer se os que vendera eram melhores ou piores que aqueles que ainda tinha ali.Ainda arranjei forças para lhe perguntar se afinal os que tinham forma de pássaros e que já estavam esgotados não subiam melhor que todos os outros mas ele respondeu-me que não. " O que faz subir os balões não é a forma nem a cor mas sim aquilo que têm dentro".Neste tempo de balões prestes a soltarem-se pergunto-me até que altura conseguirei subir e por mais que isso me interesse, por mais festas que se avizinhem e que prometa, desembrulhar-me, o que procuro com mais sentido é saber se sou um balão preso na mão de um vendedor,um vendedor preso pela mão a um balão ou um céu que espera que um balão se solte para saber medir a altura que tem.
Amigo MANEL, na sei se sabes, que no Jarmelo, andamos a lançar papagaios em algumas alturas do ano... não são balões, mas dá um jeito.um abraço, cuidado com a vacagalo!!!achas que devemos registar a marca???
ag da silva
Um céu que espera que um balão se solte...
24Fev.
As sementes
« em: Fevereiro 09, 2009, 08:20:55 »
Chove com abundância de mãos abertas e o desafogo de uma água próspera.a contradizer a penúria das expectativas o tempo liberta-se e confirma o ditado que reza que "ano abundante de pão é aquele que tem sete nevadas e um nevão".Mas nem tudo o que a natureza dá se tranforma em riqueza sem o trabalho do homem e este trabalho exige a sabedoria, a persistência e a preserverança como forma de confiança que reconhece na prodigalidade das condições um convite.Sonhei que um dia, num ano assim, deitei as sementes à terra e que alguém, a natureza decerto, depois de mim, tinha vindo ao meu campo deitar sementes bravas e más.Levantei-me, passei a noite inteira a recolher essas sementes daninhas, antes ainda de elas rebentarem, e levei-as comigo.No dia seguinte para me desenvencilhar delas deitei algumas às galinhas mas reparei que assim que as começaram a bicotear assanharam-se umas com as outras.Buscando outra forma de me livrar delas deitei um punhado no ribeiro mas assim que o fiz o efeito foi semelhante a ter deitado "embude" na água porque tudo o que nelas havia se põs doido e ás voltas com a cabeça de fora como se procurassem um ar que lhes faltava.Passado algum tempo pensei em põr-me em viagem e ir deitar o que sobrava das sementes num lugar distante mas com o decurso do tempo começaram a aparecer os primeiros rebentos da sementeira que havia feito e dei-me conta que ela seria farta e, tanto mais que nos campos vizinhos os donos se afadigavam a arrancar as ervas más.Eu por mim não tinha esse trbalho para fazer e dava-me por contente.Todas as manhãs via aumentar a minha prosperiedade e foi aí que me deixei embalar pelo contentamento e pelo ripanço do desfrute.Aproveitei para ir fazendo outras coisas e atrevi-me até a um descanso suplementar que me levou a ausentar da minha casa por uma meia dúzia de dias.No meu regresso vi desalentado que que os pássaros , nesse entretanto, tinham devastado o meu campo e quase não restava um só rebento.Dei-me conta então que os outros campos estavam intactos e reconheci a razão de ser desta diferença.Nesses campos sempre tinha havido alguém a trabalhar, mexendo-se, fazendo barulho com as alfaias e por isso os pássaros se haviam dirigido ao meu em que a quietude era um convite para o repasto.Mesmo assim tive sorte.Tudo isto era um sonho, não fiz nenhuma sementeira e por isso pude tranquilamente acordar a tempo de ver que a chuva abundante vai tornando a terra fértil e sosseguei quando reconheci que quem trabalha os campos sabe ver a fartura nos tempos de crise e sabe acrescentar com o seu trabalho aquilo que a natureza fornece.
Morri (não estrago mais sementeiras)
Piu
Num dos dias da meia dúzia em que te ausentaste da tua casa, foste até ao Jarmelo, sentaste-te nas escadas da casa que lá tens e decidiste deitar as sementes?
ac
Todos os dias contam.E mesmo os que não contam a si coisa nenhuma, contam-se nos outros. o que nos leva por vezes a afirmar, com humor ou sem ele, que "tal dia fez um ano", quando nos queremos referir ao facto de a sorte que nos foi sendo benéfica e suportando a falta de atenção, acaba por se fartar e nos deixa a nós perante a consumação de algo que não nos agrada muito mas que era previsivel desde o início.Talvez seja por isso que há dias singulares ou mesmo meia dúzia deles que dão sentido a todo o resto do ano.Dias de decisão ou mesmo só dias de revelação que resgatam todos os outros, porque neles se reserva a vitalidade do que somos e do que podemos.E no fim, na hora da contabilidade, quais valem mais?Talvez nem uns nem outros porque para lá desses ainda existem uns mais raros que são os da sabedoria, em que neles nada se decide ou se revela mas tudo se vê.Voltei a sonhar com uma sementeira mas desta vez com a experiência dos sonhos anteriores, e não me fui embora enquanto as sementes cresciam. Tratei delas o tempo todo. E as sementeiras que fazemos de cabeça nem exigem que estejamos ao pé da terra que lhe serviu de chão...Tratei das sementes mas antes tive de preparar um chão de pedras em que ninguém depositava fé,o que me deu mais trabalho, mas que valeu a pena quando os rebentos se fizeram espigas prometedoras de pão.Um dia, já com o campo de dar gosto ver, passou por lá um piedoso homem, daqueles que passam sempre nas histórias quando elas estão a correr mal, para dar alento a quem sofre, ou quando elas estão a correr bem para trazer à realidade quem se alegra de mais.Pois esse homem piedoso, por me ver na cara um ar tão esperançado, disse-me seriamente que aquele campo, outrora um território de pedras inculto, parecia um jardim e uma verdadeira benção que Deus me tinha dado.Compreendi a mensagem e também a advertência, porque a piedade muito séria geralmente pretende sufocar a alegria alheia. E então tive de lhe responder:Tens razão. Se não fosse pelo sol, pela chuva e pela terra; pelo milagre das sementes e pelas estações do ano, não teria nenhuma sementeira como esta. Mas deverias ter visto como estava este lugar antes, quando Deus o tinha só para si mesmo...
Continuação de bons sonhos, mesmo o que são provocados, seja qual for o motivo.E que nós continuemos a ouvu-los.
. e ,
Duas aves
« em: Janeiro 30, 2009, 05:12:57 »
Caminhamos a passos largos mesmo que permaneçamos parados, porque a terra gira em volta do seu eixo cada dia, e move-se em volta do sol a cada hora.Mesmo que fiquemos imóveis, movemo-nos, e ainda que fiquemos quietos, nunca estamos no mesmo sítio por sermos incapazes de parar o tempo e por sabermos que a nossa inércia é apenas uma miragem, já que no fundo estamos sempre em marcha.Estamos onde estamos e sabemos como viemos aqui parar. Talvez tomemos por seguro este lugar que nos acolhe a existência, o conforto e segurança que nele sentimos ter e, talvez, também, este conforto e segurança nos faça pensar que o que deveremos fazer é permanecer nele sem alterações.Posso ter na minha cabeça todas as viagens que não faço, todas as conquistas que não realizo e posso até alegrar-me por sentir que é a segurança e o conforto que me permitem pensar para além do lugar onde estou.Estou longe do Jarmelo mas tenho aqui melhor cama.Penso na terra onde tenho raízes, mas nesta outra onde me encontro tudo é mais prevísivel, mais adequado ao que sempre fiz e ao que tenho.Disponho de uma janela, esta mesmo neste fórum, onde posso até pensar o Jarmelo e senti-lo sem ter de ficar só com ele dentro da minha memória e isso é bom, mas sinto-me com uma das aves da história dos falcões.Um rei recebeu como presente dois pequenos falcões e entregou-os aos mestre de aves para que os treinasse.Passados uns meses o mestre informou o rei que um dos falcões estava perfeitamante mas que o outro, não sabia o que sucedia, nao se havia movido do ramo onde tinha sido deixado desde o dia em que chegara.O rei mandou chamar os curandeiros para verem esse falcão mas nada pôde fazer voar a ave, nem nenhuma doença lhe foi encontrada.O rei decidiu, então, comunicar ao povo que oferecia uma recompensa a quem fizesse voar o falcão imóvel e na manhã seguinte viu o falcão voando ágilmente no céu.Ordenou que lhe trouxessem o autor dessa proeza e veio à sua presença um camponês a quem o rei perguntou como havia feito voar o falcão inerte.O camponês respondeu que apenas tinha cortado o ramo em que ele estava parado e que, assim que o tinha feito, o falcão tinha voado, porque nesse momento tinha dado conta que tinha asas e que elas serviam para voar.Estive também eu tentado a a vir aqui prometer uma recompensa a quem me fizesse voar, a quem me explicasse que o facto de saber que caminho com o movimento do mundo, ainda que permaneça parado, não é todo o voo de que sou capaz, mas não vou prometer recompensa nenhuma.Agora que sei o tamanho do céu que me cabe cá dentro vou mas é arranjar disposição para me soltar do ramo e para distribuir a minha segurança e conforto por todos os lugares onde sei que ela existe.
MANEL... if you beleave... i can fly!!!!um abraço!!
Ag da Silva
Bom regresso, seja qual for o motivo da paragem.
Piu
Mas bom bom é voar na certeza de voltar sempre a um lugar de conforto, independentemente do ramo. Não é assim tão improvável, afinal de contas acontece a metade dos falcões.E pareceu-me bem desistires da recompensa. Não é caminho que se trilhe com a ajuda de alguém. Há-de haver um momento em que se tropeça, nem que seja na própria imobilidade. A gravidade faz o resto.Boa aterragem, a quem for de aterrar!Ps. Não sei se no Jarmelo as leis da gravidade se aplicam. Aplicam?
Caneta
Aplicar aplicam que os frutos também caem dos ramos quando estão maduros, as pedras atiradas ao céu também regressam à terra, mas quanto ao mais, quanto à gravidade do inponderável e previsível de ficarmos eternamente seguros no ramo em que temos poiso a ver o mundo girar, as leis da gravidade também existem mas a gente não as cumpre, quando não deixariamos de existir.
A parábola dos cântaros
« em: Janeiro 23, 2009, 01:10:05 »
Não havia água canalizada na aldeia nem havia nela nem poços nem fontes. Para que os seus moradores se abastecessem, sem terem de tirar tempo aos seus trabalhos que lhe ocupavam todo o dia, havia na aldeia um homem que não tendo terras para trabalhar ganhava a sua vida a ir buscar água para os outros habitantes, lá longe onde a havia ganhamdo depois o pagamento justo desse seu trabalho.Todas as manhãs repetia o mesmo ritual: colocava sobre os seus ombros uma vara que em cada ponta tinha suspenso um pedaço de corda e em cada ponta da corda tinha pendurado um cântaro de barro.Depois, saía a caminho do rio, enchia os cântaros e regressava à aldeia para entregar a água recolhida e receber o pagamento.Um dos cântaros tinha muitas fendas e deixava escapar muita água. A outra era nova e não deixava perder água nenhuma, permitindo ao seu dono ter bom rendimento com o que ela transportava sem perdas. Ao fim de algum tempo, o pobre cântaro fendido, percebendo a quantidade de água que perdia em desfavor do aguadeiro, resolveu dizer-lhe que estava consciente das suas limitações e que elas o faziam a ele deixar de ganhar o que podia porque, quando chegavam à aldeia, ela estava meia vazia. Por isso pedia-lhe desculpa e aceitava e pedia-lhe que ele comprasse outra nova, que podia susbstitui-la e fazer melhor trabalho.O aguadeiro ouviu-a e disse que conversariam sobre o assunto no dia seguinte de manhã, quando voltassem ao trabalho.No dia seguinte a caminho do rio o aguadeiro disse ao cântaro fendido que observasse bem as bermas do caminho.O cântaro, sempre tão preocupado em fazer o seu trabalho e com as preocupações que julgava causar ao seu dono, nunca tinha olhado para as bermas mas agora que o fazia dava conta que elas, as bermas do caminho, estavam coberta de flores.Quero que saibas, disse o aguadeiro,que se as bermas estão floridas é graças a ti já que és tu quem as regas, cada dia, quando regressas do rio.Há muito que dei conta que tu deixavas perder alguma água. Então comprei umas sementes de flores de todas as espécies e uma vez a caminho do rio fui-as deixando cair nas bermas e tu, ao regressar sem sabê-lo estiveste a regar a minha sementeira.Assim graças às tuas fendas, todos os dias nasceram novas plantas e graças a ti , todos os dias, pude cortar algumas , preparar um ramo, e oferecê-las a quem precisasse desse sinal de alegria, tanto quanto da água.E o homem inclinando-se sobre o caminho começou a escolher as melhores flores do dia para , mais uma vez, as oferecer a quem precisasse de se lembrar das belezas que há na terra quando se sente fendido e a perder o que em si transporta.Desta vez o cântaro regou ainda melhor o caminho com a água que se perdia das suas fendas e, também, com a que brotava agradecida dos seus olhos, transformada num dom de abundância e paz por se haver reencontrado.
Obrigada pelas flores.
Piu
A caneta e a bola
« em: Janeiro 20, 2009, 09:33:17 »
As canetas são objectos estimáveis e, ainda que em desuso, e que delas só nos lembremos quando falha a luz, o computador se apaga, sem ter bateria que supra essa falta, e seja necessário continuar a tomar nota de alguma coisa sem poder parar, elas, as canetas, continuam a persistir na sua função nobre que é a de nomearem alguma qualidade a quem as tenha nas mãos.Basta ver que não há apresentador de televisão que não tenha uma entre os dedos como se fosse o báculo a que um bispo se agarra, embora lhe não dê nenhum outro uso que não seja exibi-la.Não é por isso raro que na nossa história encontremos uma caneta que de algum modo tenha contribuído para nos elevar o estatuo ou para nos fazer entender que estávamos a crescer e que crescer é, também, ter aptidão para dominar mais objectos, como o caso de uma caneta, fazendo que ela escreva letras contidas nas linhas pela força da nossa vontade.Se isto são as canetas, as bolas são igualmente objectos de grande valor. E se prescindirmos do sentido ornamentativo das de Natal e nos ficarmos naquelas que servem mesmo para jogar, nem precisamos de pensar que elas são uma metáfora do mundo aos tombos para que a nossa memória se não desloque, também, para uma história qualquer que meta uma bola, lembrando eu uma que há mais de dois anos aqui mesmo foi escrita.As bolas de jogar ocupam hoje um imaginário mais reduzido porque se antes elas eram um princípio incompleto de jogo, embora atribuíssem importância maior a quem as tinha e fosse seu dono, hoje em dia, nos computadores, cabem equipas inteiras, com tácticas e equipamentos que dispensam o incómodo de ter de esperar pelos outros para jogar, tendo apenas como vantagem, a poupança de calçado e o asseio da roupa.Dizem-me, porque eu não me recordo dessa peripécia, que houve um determinado momento na minha vida, ainda garoto, e tão garoto que nem me lembro, que a minha história foi habitada, ao mesmo tempo, por uma caneta e por uma bola que me colocaram um problema difícil de resolver e que, os mais próximos de mim ainda hoje conservam dúvidas de ter conseguido resolver da melhor maneira.Tenho que dizer que gosto de canetas e que, a primeira de que tenho lembrança, é uma que o meu pai me emprestou para fazer as provas de exame da 3ª classe e que eu usei e devolvi com o cuidado próprio de quem tem medo de estragar ou perder, mas o que quero contar tem outro rumo.Quando era garoto levavam-me ao médico e mesmo sem estar doente era habitual nas vésperas de Verão “ir pôr os adesivos” e fazer o exame para ver se poderia ir de férias descansado, não fosse alguma reacção alérgica impedir-me de apanhar sol.Ir ao médico nestas alturas era bom porque isso queria dizer que a aldeia, onde só ia no Verão, estava já perto mas era também uma festa porque o consultório se enchia de garotos como eu.Para fazer o exame, parece que o doutor (porque disso não me lembro) para convencer os mais pequenos a deixarem por dentro da boca a espátula de madeira direitas às amígdalas, costumava perguntar à garotada se queriam uma caneta que ele tinha ali mesmo em cima da secretária ou se queríamos antes uma bola que tinha em casa e nos traria da próxima vez.É evidente que todos queriam a bola e pelo que me dizem também foi essa a minha resposta.O tempo foi passando e porque o médico nunca trazia a bola prometida, aos poucos, nas consultas, porque a pergunta do médico se repetia como se nunca a tivesse feito, foram sendo cada vez mais os que iam saindo do gabinete do médico a olhar para baixo, não porque estivessem abatidos, mas para mirarem a caneta que tinham escolhido e agora traziam nas mãos.Mas o Verão ficava perto e eu não me devia importar muito com o desânimo porque no Jarmelo para onde ia havia sempre uma bola disponível, mesmo que não fosse das mais regulamentares.O que é certo é que, quando eu deveria ser o único que não tinha ganho ainda uma caneta, a minha mãe, segundo ela me contou, pacientemente e julgando-me talvez um pouco lento de raciocínio, para me espevitar o discernimento, disse-me antes de irmos mais uma vez ao médico que se eu insistisse na bola o doutro nunca ma daria porque se haveria sempre de esquecer, mas se escolhesse a caneta, ela dar-ma-ia de imediato como o tinha feito aos outros, porque a tinha ali com ele.A caneta devia ter préstimo e seria se calhar daquelas transparentes, de tampa de pôr e tirar, com uma haste para prender no bolso e lá dentro com um tripa azul escura, semelhante à planta de anis presa nas garrafas antigas, mas isso não me terá convencido. Parece que a minha resposta terá sido “Não quero a caneta porque ela não me faz falta. E se o doutor se esquece da bola o problema é dele”.Foi assim que mo contaram, e assim o reproduzo, porque este pedacito da memória que não tenho, me serve no entanto para me encontrar comigo no poder de bálsamo apaziguador do Jarmelo, capaz de me fazer esquecer a persistência no infortúnio de não ter ganho uma bola, mas ao mesmo tempo me manter intacta a esperança.Não sei se os outros garotos, depois de terem ganho a caneta, não ficaram condenados a ter de abrir a boca sem possibilidade de queixume, quando aquele pedaço de madeira lhes entrava pela boca, mas gosto de pensar que o facto de me terem de continuar a prometer uma bola ou uma caneta, para também a mim me porem coisas na boca, me dava alguma autoridade.A autoridade daqueles que sabem que a diferença que existe entre o sonho e o pragmatismo reside na capacidade de não deixar cair o olhar do lugar onde pomos os olhos e onde vemos estar o que nos falta.Ainda bem que não escolhi a caneta. Como poderia eu olhar o pinoco se os meus olhos tivessem tombado para o horizonte das meias alturas?!
Obrigada. (Piu)
A Bola
Na página 12 deste fórum e com o título "Champion´s league" está a história que o mimganço disse que já aqui foi escrita.Fui procurar e li e tem mesmo a ver com o Jarmelo.Bem hajas por teres falado disso.
Informação
Ao tentar ir ler a história da bola a que me tinha referido seguindo a informação verifiquei que em parte nenhuma (em nenhuma folha deste forum) encontrei já essa história.A menos que seja o meu computador que escolhe as folhas que me deixa ler, fiquei com a boca a saber-me a pouco porque gostava bem de reler essas linhas que alguém aqui escreveu e que me lembro mereceram uns comentários sobre o como era entendida uma bola pela garotada do Jarmelo.Paciência...Tentarei reconstruir de memória o que me lembro, mas obrigado pela informação e, já agora, se o seu computador ainda retêm essa folha reproduza-a aqui por favor que valeria bem a pena.
Logo a seguir à "informação" eu vi. Não tive tempo de ler (finais de 2005?) e agora também não encontro.Garanto que deixei tudo direitinho.
Piu
Jarmelo, obrigado.
« em: Janeiro 15, 2009, 03:21:05 »
Não consigo nem tento revelar o bem que esta terra, este Jarmelo, me faz e o milagre que ele opera em mim nos momentos de maior aflição, nos tempos de maior desânimo e sobretudo quando a fé nos outros que me rodeiam fica comprometida por alguma daquelas circunstâncias que nos levam a afastar deles por razões de dignidade e de fidelidade a nós, reduzindo-nos com o choque a uma solidão que não queremos.Estas perdas que todos nós já experimentámos, com o seu efeito devastador imediato, são capazes de abalar o ser mais forte e se não nos derrotam é porque um milagre de evidência nesses momentos nos surge e nos revela no meio da mágoa que tem sentido permanecer na esperança, se já não nos outros pelo menos em nós.É isto que o Jarmelo me provoca como se fosse o meu território de encontro com Deus e comigo.Há lugares assim, embora eu não conheça outro, que só por pormos nele os pés nos vem à superfície toda a integridade que possuimos e toda a claridade e força para a continuarmos a possuir, talvez porque aí me entrego inteiro sem justificações para o que faço, e em que nem sequer eu acredito, e porque aí sou acolhido numa espécie de ternura de encontro com todos aqueles que ali tenho, numa familiaridade de oração que se satisfaz com um coração limpo e com a dificuldade de respirar e que dispensa quaisquer palavras e lamentos.Dando-me conta, fui aprendendo a ter o Jarmelo, este Jarmelo, dentro de mim, naquilo que ele significa de memória de tudo o que já ali celebrei e na promessa que renovo de tudo o que sou, como sou, e tenho para celebrar.Por vezes esqueço-me, é verdade.A rotina de tamanha abundância faz sempre o muito parecer pouco e coloca-nos sempre num estado de esquecimento do que temos e do que somos, deixando-nos capazes de pensar que pode ser interesante trocar este lugar por outro, mais ou menos como aqueles que na história saltavam do muro para baixo, sabendo que assim perdiam a possibilidade de ver o céu como coisa sua.Passe a inconfidência, nunca tomei em adulto uma decisão na minha vida a não ser sentado nas escadas da casa que lá tenho.Pensar as decisões não. Essas penso-as maduramente sem escolha de lugar nem tempo, mas o momento de decidir foi sempre lá, e a seguir rumar lá acima ao pinoco para encher o peito de umas golfadas de ar nesse novo tempo decidido. Ter o Jarmelo dentro de mim, permanentemente, para lá de uma conquista e uma dádiva é também uma responsabilidade que não se confunde com a obrigação. Ser responsável é ainda a maior liberdade de que somos capazes.Por vezes, quando a fartura é muita e a segurança abunda, esqueço-me do Jarmelo que tenho cá dentro e de que ele é uma presença que trago comigo sem nada regatear mas logo, logo, a fartura se revela uma penúria e a perda que permito traz à superficie o desejo imenso de me encontrar.Deixem que o diga numa história, mais uma...Num lugar que situo sempre no Jarmelo havia uma vaca a quem toda a gente queria muito.De a terem tão perto os mimos foram sendo escassos mas quando ela um dia desapareceu abateu-se uma enorme tristeza sobre o povoado e como a tristeza é contagiosa em pouco tempo todos sem excepção se congregaram para decidirem o que haviam de fazer.Já a haviam procurado por todos os lugares e não aparecera.Nessa mesma terra havia um homem a quem a vida parecia correr sempre de forma tranquila mas a quem essa tranquilidade parecia dar um ar de uma certa indiferença pelo que se passava.Pois bem, quando mais uma vez, toda a povoação se encontrava reunida para de novo decidirem que maios poderiam fazer, apareceu esse homem trazendo consigo a vaca desaparecida.A alegria foi grande e o assombro foi ainda maior, tanto que alguns se atreveram a perguntar ao homem como ele a havia encontrado."Foi fácil", disse ele. "Simplesmente me perguntei se fosse vaca para onde teria ido. Então fui ao lugar em que pensei e trouxe-a de regresso".O que quero dizer é que ter o Jarmelo dentro de mim, nesta comodidade de o entender como um território de encontro de Deus comigo, mesmo quando me perco e sinto o sofrimento dessa perda, penso um pouco e pergunto-me " se estivesses no Jarmelo para onde terias ido num momento de provação assim?"Então vou a esse lugar que me aparece e trago-me de volta.
Este teu Jarmelo dos roteiros espirituais, tem mesmo sentido!!As tuas histórias, com Jarmelo no meio, continuam brilhantes.Obrigado!
ag da silva
Jarmelo, " um espaço que nos leva ao lugar que desejamos..." e aí nos encontramos com o nosso ser.Bem haja por este texto, cheio de sabedoria e amor pela nossa terra.
Celina rebelo
Piu (porque me apetece. Não conheço o Jarmelo, Jarmelo.)
Legenda da imagem (?) que não consegui ver:SE QUERES CONHECER O JARMELO, VEM CÁ!Um fim de semana bom.
Piu
Olá!!! Cada vez que leio estes textos/poemas do minganço, fico sempre comovida! Parece que sou eu a escrever, porque sou eu a sentir... o Jarmelo, tal como ele o sente. E mais não digo...porque quando sinto as saudades, do ar ,dos barrocais, dos campos semeados,dos castanheiros, da amarela, da beca,da burrita,das casitas graníticas, escuras e pequenas (que já não há muitas...) ponho pés a caminho e quando ao longe vejo o Pinoco fico logo feliz!....Bons momentos é o que desejo a todos.
clara portas matias
e Hoje, vamos às lebres?? nos dias como hoje, de neve íamos às lebres pelo rasto. Era uma técnica de caça.um abraço!!
ag da silva
Muro e monte
« em: Janeiro 14, 2009, 02:40:15 »
Não me posso queixar.Andava eu para aqui a lamentar-me e com umas mil cerimónias em começar o ano, reclamando um grande acontecimento ou uma grande revelação que me despertasse as forças da partida e vai-se a ver, sem ter contribuído para isso, a providência encarrega-se de me satisfazer a vontade.A providência é, como muito bem sabemos, tudo aquilo que nos acontece e para o qual contribuímos, sem que no entanto o queiramos reconhecer, porque nos calha melhor atribui-lo a uma força estranha.E foi assim que, estando eu nas minhas reservas de que não fiz silêncio, sou surpreendido pela resolução de um dos mais velhos dilemas da humanidade que se calhar cada um de nós já experimentou.Para que se saiba todos ao nascer caímos do céu, lá bem de cima, cá para baixo, direitinhos ao chão que depois apontam na cédula de nascimento ou no bilhete de identidade.Só que, para que se saiba também, cá em baixo, no chão plano para o qual a força da gravidade nos empurra, existe um muro alto e estreito em cima do qual alguns poisam, ficando a viver ali e não cá em baixo.Como é bom de ver, a maior parte fica a viver cá em baixo e apenas uma escassa minoria permanece no cimo do muro num equilíbrio permanente.Em cima do muro a vida tem limitações porque, de tal modo estreito, as pessoas não podem andar a par e por isso não podem dançar, nem fazer rodas, nem sequer desviar-se dos obstáculos que lhes aparecem pela frente, estando limitados a poderem correr, desde que seja em linha recta, e a saltar.Bem, podem também olhar para baixo e quando tal acontece é certo e sabido que se apercebem do modo como aqueles outros, mais muitos, que vivem no chão, passam os dias numa total liberdade de movimentos e numa possibilidade de tomarem todas as direcções e caminhos.O dilema começa então aqui, quando quem está no cimo do muro olha para baixo e, comparando a sua vida com a deles e ambicionando viver também assim, se coloca a questão de saber se será possível saltar cá de cima lá para baixo sem se magoar.Eu, que foi um dos que ficou, por nascença, encarrapitado em cima do muro, confesso que nunca fui portador desse dilema, mas conto por muitos os casos daqueles que vi atirarem-se com maior ou menor coragem lá de cima para passarem a ter uma vida que julgaram não estar sujeita a restrições e constrangimentos. A quem se atirou, perdi-lhes o rasto, porque raramente olho lá para baixo e porque, por mais que olhe, nunca consigo encontrar nada de tão aliciante que me faça prender a atenção. Mas acredito que esses outros, que trocaram o estreito pelo largo e o alto pelo baixo, terão satisfeito todas as suas expectativas e podem agora saber o que será andar com gente ao lado, dançar, fazer rodas e poderem desviar-se dos obstáculos sem terem de os resolver, ou de saltar por cima deles, e sem terem, permanentemente, de andar acompanhados de alguém que ou vai à sua frente ou atrás de si sem um rosto sempre visível, certo e definido.Mas porque razão persisto eu em não saltar lá para baixo quando são cada vez menos os que estão em cima do muro e o custo da solidão parece uma evidência cada vez maior?Porque não me toca a mim o dilema de saltar ou permanecer, quando a escassez de gente em cima do muro se assemelha cada vez mais a um absurdo da persistência?Foi precisamente isso que descobri por esse acaso da providência.Quem está em cima do muro tem uma possibilidade única. Pode olhar para cima e para baixo que tem sempre horizonte, mas quem está cá em baixo apenas pode olhar para cima porque, se olhar para baixo, nada existe, a não ser o chão onde firma os pés, e por isso não tem outra escolha que não a de viver ali.Mas dizer isto não explica tudo.É que quem está em cima do muro se olhar para cima tem o céu mais perto e quem vê o céu e percebe nele o seu reflexo e não na terra, por força que não deseja perder esta proximidade a troco da possibilidade de poder dançar e fazer rodas ou de andar a par dos os outros, com as caras deles bem na frente mas, sabe-se se lá, se não com os rostos escondidos numa vergonha inconsciente de terem deixado cair o olhar.Eu sei. Eu sei bem que é de fraco consolo essa coisa de ter o céu mais perto e de ver nele o nosso reflexo, possibilidade negada a quem tem os pés no chão, num realismo e num pragmatismo à prova de censura mas é aqui que vos conto o que me deu forças para inaugurar formalmente este ano.É que o muro onde me encontro e que me permite olhar o céu e ver nele o meu reflexo, quando o meu olhar é tão limpo e esclarecido, tão isento de considerar injusto o lugar onde me encontro e quando sinto vejo no céu para onde olho o reflexo do rosto daqueles a quem não conheço a cara porque como eu estão equilibrados lá nas alturas, sem que ninguém cá em baixo se aperceba (e como poderiam se esses quando olham para cima vêem outro céu diferente do meu?!) o muro transforma-se por momentos em monte e nesse monte, com uma pedra bem alta que aponta a direcção do alto, fazemos nós outros, os encarrapitados, uma roda e uma dança que desfaz todos os obstáculos e que por um momento faz coincidir as nossas caras com os nossos rostos numa festa de agradecimento por termos todos, os que recusamos olhar para baixo e saltar, descoberto que tinha sentido esperar que o muro seja monte e que este seja um lugar de encontro pleno, verdadeiro e completo como nenhum outro, tendo o céu por testemunha numa alegria a que nenhum contentamento de superfície se assemelha. (Especialmente para aqueles que se sentem sós em cima dos muros)
Também podem participar em Jarmelo.net, As Histórias do Mimganço... abraço!
A.Trindade
Eu acho que ao Tó, também se lhe está a pegar a doença do Jarmelo.Cuidado que ainda alguém se contagia!!!Mais uma bela rábula ao monte do Jarmelo? um abraço!!
Ag da Silva
Vamos pois ilustrar??espero que tenham gostado desta do muro.um abraço!
Ag da Silva
"... vejo no céu para onde olho o reflexo do rosto"Bem me queria parecer que te conhecia de algum lado.
Piu
Todo o tempo é pouco
« em: Janeiro 11, 2009, 08:55:12 »
Janeiro cumpre-se no frio dos dias, no branco da neve e no numérico do calendário mas persiste-me a dificuldade de saber o que vou fazer com ele e com o resto dos meses do ano. 2009 já leva uns dias completos mas, entre a memória do que findou e a esperança intacta deste outro que começa, continua a habitar as perplexidades de sempre e as mesmas apreensões de circunstância que, de tanto me interrogarem, me atrasam o início da viagem para diante Pergunto-me se não será mais difícil a abundância, a consciência de que temos muito e de que valemos outro tanto, que a escassez e a determinação de que, se pouco nos cabe, é bom que o aproveitemos com a sofreguidão das coisas raras e escassas. No meio destas reflexões penso que talvez há muito, muito tempo, os anos não tivessem o mesmo número de dias para todos e que à semelhança da distribuição da riqueza, havia uns que tinham muito tempo seu e outros a quem era dado, apenas, viverem o tempo daqueles, servindo-os, ou tentando conseguir com uma vida de trabalho um dia que fosse, apenas seu.Decerto que uma história assim teria de se passar num reino paralelo ao nosso, e não propriamente naquele em que vivemos, embora saibamos que esses reinos onde ocorrem esses fenómenos exóticos não são outra coisa que não o nosso próprio viver quando, para entendermos ou reclamarmos o funcionamento da justiça, nos vemos na obrigação de contarmos a nós mesmos o que nos vai acontecendo, com a simplicidade com que se explica e tenta convencer os garotos a comerem a sopa que recusam.Haveria pois um reino onde a riqueza, mais do que ser medida em moedas de oiro, era contabilizada em número de dias e, por isso, quem muito era muitos tinha, sendo que quem mais possuía era justamente o rei.Acontece que este rei, que andava sempre muito triste e apreensivo, tinha um criado que andava sempre muito feliz.Todas as manhãs este criado despertava o rei e em todas elas a sua cara ostentava um enorme sorriso de bem-estar acompanhado, aqui e ali, de um assobio ou de um trauteio de melodia, numa denúncia de vida sempre alegre e despreocupada.Um dia o rei mandou-o chamar e ordenou-lhe que lhe contasse o seu segredo.Surpreendido o criado perguntava: “Mas que segredo senhor?! Não escondo nenhum segredo”.Mas o rei teimava. “Ordeno-te que me contes o segredo da tua alegria. Terás tu, por ventura, escondido algum tesouro ou ter-te-ão cabido, em sorte ou testamento, alguns dias que possas somar aos nenhuns que tens em cada ano e te tenham feito enriquecer sem que se saiba?!”O criado garantia que não, mesmo sob a ameaça do rei que dizia ter já mandado cortar cabeças por ofensas menores que uma mentira. “Então porque andas sempre contente?!”O criado explicava no entanto que não tinha razões para andar de outro modo porque tinha um emprego em que servia o rei; tinha uma casa que enquanto criado do rei podia usar; era vestido e alimentado em função da actividade que prestava e ainda para mais o rei de quando em vez obsequiava-o com uma ou outra moeda de prata o que lhe permitia satisfazer algum capricho. Não tinha pois razões para estar descontente.E acrescentava ainda que a circunstância de nenhum dia lhe pertencer, e assim ter de servir como criado os dias dos outros, não lhe causavam insatisfação porque a sua única preocupação era viver o que lhe coubera em sorte, servindo, sem ter de se gastar a dar ordens ou a administrar o tempo dos seus servidores ou a sua riqueza própria.Mas o rei não entendia o absurdo de tudo aquilo que o criado afirmava e mandou-o sair, ficando consumido, sem saber porque é que um criado que vivia de dias emprestados que mais não eram que as migalhas que caiam das suas horas, alimentando-se e vestindo-se de sobras, se podia dar ao luxo de tanta alegria, enquanto ele, dono e senhor de todos os dias do calendário e de oiro sem fim, não era capaz de retirar de dentro de si nenhum contentamento.Chamou então o homem mais sábio que conhecia nas suas terras e, explicando-lhe a conversa que tivera com o criado, pediu-lhe solução para o enigma de saber porque é que o seu criado era feliz.O sábio respondeu então que esse problema era de fácil solução. O criado era feliz “porque estava fora do círculo”.“Fora do círculo? E isso fá-lo feliz?”“Não, senhor. Isso é o que o não faz infeliz”. Respondeu o sábio.“E como foi que o meu criado saiu do círculo?” “Saiba vossa alteza que ele nunca chegou a entrar no círculo …”“Mas que círculo é esse de que falas?”. Perguntou o rei quase tão irritado com o sábio como o estivera antes com o criado.“É o círculo dos 364 dias”. Afirmou o sábio, perante a estupefacção do rei, que sabia que 365 dias era o maior número de dias que uma pessoa podia ter por ano no seu reino, sinal de enorme abundância e que estava reservada apenas ao rei e aos muito poucos que lhe eram próximos.Sabia de facto que quem tinha esse número de dias era detentor de um notável património uma vez que quem tinha menos era obrigado a viver como criado dos outros os dias que não possuía como seus. Pensando em tudo isto o rei desabafou “Não entendo nada do que dizes”.O sábio respondeu, então, que para entender, o rei, teria de o deixar fazer a demonstração com factos, permitindo ao criado entrar no círculo.“Muito bem, obriguemo-lo a entrar”. Ordenou o rei.Contestou porém o sábio: “Não, senhor. Ninguém o pode obrigar ninguém a entrar no círculo, mas se lhe dermos uma oportunidade em entrará por si mesmo”.“Mas ele não se dará conta que se transforma numa pessoa insegura e infeliz?”. Perguntou o rei.“Dará sim.” Respondeu o sábio. “ Mas não poderá evitá-lo. Dará conta que está a entrar no círculo e mesmo assim entrará nele e não poderá sair.”.E confirmado o assentimento do rei, nessa mesma noite, o sábio e o soberano dirigiram-se à casa do criado onde deixaram pendurados, numa bolsa, 364 dias, intactos e novinhos em folha, concedidos pelo rei, porque só ele tinha o poder de os distribuir como quisesse, e com a seguinte mensagem dentro da bolsa “Esta bolsa é tua. É o prémio por serem um bom homem. Desfruta o que ela contém e não digas a ninguém que a encontraste”. Quando de manhã o criado deu conta da bolsa pendurada e da mensagem que continha, ainda incrédulo, pôs-se a contar o tesouro acabado de encontrar, aquela enorme riqueza, que fazia dele um homem senhor de todo o seu tempo e de todos os seus dias.Porém, uma e outra vez contou até confirmar que faltava um, faltava um dia para que possuísse todos os dias do ano e, voltando ao exterior para ver se lhe tinha caído nalgum buraco reconheceu que de facto havia um dia que faltava, tendo tido vontade de gritar indignado que o haviam roubado, só não o fazendo para não denunciar a sua descoberta, o que lhe poderia deitar tudo a perder. Procurou de novo dentro da bolsa, debaixo da mesa, de novo no exterior e nada…“364 dias. É muito tempo”.Pensou. “Mas falta um. 364 não é um número completo. 365 é que é um número inteiro”.Do lugar onde se encontravam, o rei e o sábio, reparavam que a cara do criado já não era a mesma. Adensava-se-lhe no rosto uma ruga de preocupação, o olhar turvava-se numa indisfarçável perplexidade que denunciava um evidente descontentamento interior.O criado entrou de novo em casa, guardou a sua riqueza debaixo do colchão e, sentando-se à mesa, começou a fazer cálculos numa folha.Estava disposto a trabalhar duramente para conquistar o dia que lhe faltava para completar o ano e, quem sabe, depois deixaria de trabalhar.Recordava-se agora que o tempo, embora fosse de altíssima cotação, se podia comprar. Com 365 dias por ano seria um homem rico e completo e poderia viver tranquilamente. Terminou o seu cálculo. Se trabalhasse e poupasse as moedas que de quando em vez o rei lhe dava talvez pudesse comprar um dia mas ao preço a que estava o tempo e fazendo as contas mais optimistas, precisaria de 12 anos.Quem sabe, poderia levar consigo a comida que lhe sobrava todas as noites e mesmo alguma roupa da que lhe era entregue para seu gasto mas, mesmo assim, demoraria mais de 5 anos até economizar o suficiente para poder comprar um dia, ele que nunca tinha tido ideia de adquirir fosse o que fosse…O rei e o sábio voltaram ao palácio. O criado havia entrado no círculo dos 364… Durante os meses seguintes o criado seguiu os seus planos como os havia concebido e uma manhã entrou no quarto do rei como fazia todas as manhãs mas resmungando entre dentes alguma contrariedade.“Que se passa? Antes, não faz muito tempo, cantavas e assobiavas constantemente.” Disse-lhe o rei com boas maneiras.“Faço o meu trabalho, não é verdade?! Que quer mais o senhor? Que seja o seu bobo e jogral também?!”Não passou muito tempo o rei despediu o criado. Não era agradável ter um serviçal que estava sempre de mau humor e que fazia a tristeza do rei parecer mais triste e insuportável.Se esta é a história que me ocorre para justificar a minha inércia de princípio de ano, querendo ter a certeza e a garantia de que tenho como meus todos os dias do ano, inteiro e completo, antes de começar a viver os primeiros dias de Janeiro, acabo também a pensar que, talvez esteja na hora de passar de novo pelo Jarmelo para me relembrar que a eternidade é uma parcela de tempo efémera a que, se dermos atenção e a aceitarmos viver com esperança, sem todas as garantias antecipadas de ganho futuro, nos revelará como todo o tempo e toda a riqueza pode caber nesse presente vivido em alegria e que muitos dos meus ali viveram com a sabedoria dos simples.A raiz do medo de viver cada dia existe quando nos atribuímos as limitações de sermos incompletos e de não termos ainda tudo o que desejamos. E esse medo persiste enquanto a nossa existência se não surpreende com a evidência de que viver o dia que está aqui é o único caminho para conquistar o dia que vem a seguir.O ano já leva uns dias completos entre a memória e a esperança mas creio que é apenas no presente, e em cada presente, que a nossa memória poderá ser o festivo fundamento da esperança, se o não desperdiçarmos com o medo de não sermos capazes de mais eternidade que aquela que o nosso medo nos permite e se não permanecermos na perplexidade de acharmos que o muito que temos é sempre incompleto, ou por inveja, ou por ambição.
Um sorriso. (O que falta)
Piu
legenda do boneco:“Ordeno-te que me contes o segredo da tua alegria. Terás tu, por ventura, escondido algum tesouro ou ter-te-ão cabido, em sorte ou testamento, alguns dias que possas somar aos nenhuns que tens em cada ano e te tenham feito enriquecer sem que se saiba?!”
Se pedires com jeitinho...
Piu
Regressos, retornos e eterna esperança
« em: Janeiro 06, 2009, 06:14:58 »
Segundo uma ideia muito divulgada e que obteve a designação de "mito do eterno retorno", esta vida, assim como a vivemos, teremos de vivê-la ainda uma, e inúmeras vezes, e não haverá nela nada de novo. Cada dor, cada prazer, cada pensamento e suspiro e tudo o que existe de indivisivelmente pequeno e de grande na vida, há-de retornar-nos, e tudo na mesma ordem e sequência. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez.Talvez o calendário parta desta ideia de que o tempo se repete, e talvez seja por essa mesma razão que, depois de Dezembro, regressamos sempre a Janeiro, a que se segue Fevereiro, sempre por essa mesma ordem e com a excrucitação dos mesmo número de dias.Se existe algum conforto em acreditar que tudo na vida é uma rotina, exacta e repetitiva, ele reside na capacidade de previsão que assim conquistamos, mas que afinal não é previsão nenhuma porque prever para o futuro o que já nos aconteceu no passado não é uma forma de esperança mas tão só uma memória que ciclicamente se renova e nos condena à resignação de estarmos parados julgando que não nos podemos libertar dessa força superior a nós.Quando era pequeno o meu pai levava-me ao circo, porque era o único espectáculo em que ele acreditava não haver artifício, e onde tudo acontecia no mesmo tempo em que nós estávamos a acontecer.Recordo-me de um dia, num dos números, ter visto um elefante enorme, tanto maior quanto mais pequeno eu era então, e que fazia exibição do seu tamanho e força descomunais.Porém, depois da actuação, e enquanto aguardava de novo voltar a exibir-se, ficava preso apenas com uma corrente que lhe prendia as patas e que estava agarrada a uma pequeníssima estaca cravada no chão.A estaca não era mais que um minúsculo pedaço de madeira enterrado uns escassos centímetros na terra, e embora a corrente fosse grossa parecia-me óbvio que um animal capaz de arrancar uma árvore pela raiz com a sua própria força, poderia com facilidade arrancar a estaca e fugir.Era para mim um mistério descobrir o que, afinal, mantinha preso o elefante e como não descansei enquanto não perguntei, obtive a sábia resposta de que o elefante não fugia porque estava amestrado. Mas isso sugeriu-me outra pergunta óbvia que adensou o mistério: "se estava amestrado, então para que era necessário ter-lhe as patas presas e atadas à estaca?".A resposta ninguém ma deu e foi precisar esperar alguns anos para perceber, por acasos da leitura, que o elefante do circo não escapava porque tinha estado atado a uma estaca parecida desde muito, muito pequeno. Fechei os olhos e imaginei-me um elefante recém nascido preso a uma estaca e fiquei com a certeza de que ele deve ter forçado, puxado e empurrado para se soltar, mas que apesar de todo esse esforço não o pôde fazer. A estaca era certamente demasiado forte para ele. Juraria que dormiu estafado e que no dia seguinte voltou a tentar, e no outro dia, e ainda no seguinte, num eterno retorno de insistência... Até que um dia, terrível para a sua história, aceitou a sua impotência e resignou-se ao que julgou ser o seu destino.Esse elefante poderoso que vi no circo, não escapava porque, pobre dele, acreditava que não podia. Ele tem o registo e a recordação dos esforços que fez e de como não conseguiu romper com a sua prisão e, pior que isso, não voltou de novo a questionar-se sériamente sobre essa impossibilidade e jamais tentou pôr à prova a sua força outra vez, aceitando que o ciclo severo da sua memória consumisse toda a sua vontade de esperança. Iniciámos agora o ano e as previsões de que será duro e agreste trazem a lembrança de outros anos assim, mas sujeitamo-nos a este imponderável, crentes de que "atrás de tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir", sem darmos contas, talvez, que embora achemos ridícula esta ideia de que a vida não é mais que uma repetição sucessiva das mesmas coisas, e que nada de novo acontecerá nunca, acabamos por nos conformar com ela quando encolhemos os ombros e julgamos que andar à volta da nora é caminhar para o futuro, sem darmos contas que, permanecermos assim nos adormece a vontade de perguntar "O que faço aqui parado e preso?", quando a resposta a esta pergunta é que nos leva para diante por caminhos nunca dantes navegados.Um ano bom,para nós todos, neste Janeiro que nunca antes existiu.
Mais uma Estória/texto fantástica do nosso escritor. Este nosso tempo destas novas tecnologias é aquele que nos possibilita ao mesmo tempo ler as histórias, e também triturá-las tão rápido.os textos do Mimganço, terão que forçosamente ser passados a papel, para evitar a efemeridade deste espaço contraditório.Um abraço,
ag da silva
"O que faço aqui parado e preso?" "... nenhuma grade prende uma pena que se sabe capaz de voar." (Mas onde é que eu já li isto?)
Piu
Um Deus perdido
« em: Dezembro 29, 2008, 11:37:09 »
Recebidas as prendas, todas elas embrulhadas, separa-se o lixo dos papéis e dos laços para um lado e arrumamos, para o outro, com critério, aquilo que nos deram.Por vezes acontece, no meio de tanta fartura, que na confusão do papel de embrulho por lá fique perdida algum presente. E se a presteza de nos livrarmos da papelada for muita, não é incomum que com o lixo vá também, perdida, alguma prenda, sobretudo as mais pequenas.Agora que as festas estão meio completas e que já me livrei da tralha dos embrulhos e embalagens vem-me aquela sensação de que devo ter deitado fora alguma coisa que me deram. Embora no meu presépio ainda estejam todas as figuras, dou pela falta daquele menino, não o de barro que ainda dorme no meio de São José e de sua mãe, mas daquele outro que todos os anos me aparece, na noite de consoada, por escassos instantes, como prenda luminosa, e que serve na perfeição ao meu tamanho sem que tenha de o trocar por outro mais franco nas mangas, como acontece à maior parte da roupa que me dão.Quase como uma inevitabilidade, acabo todos os anos por esta altura, uns dias poucos depois do Natal, a perguntar-me onde terei posto esse menino e se porventura não o terei deitado fora, misturado com os papéis e os laços. Depois, ando um tempo meio despardalado a perguntar-me, a mim e aos outros, onde está esse Deus menino, às vezes com uma impaciência tal, que parece que em vez da responsabilidade de o ter perdido faço crer a quem pergunto que mo surripiaram.Eu sei que é normal a ansiedade da procura ser tanto maior quanto mais falta nos faz o que procuramos só que, se perguntar pode motivar a cumplicidade e a ajuda daqueles a quem procuramos, muitas vezes a maneira como perguntamos não só nos afasta do encontro que buscamos como também, o que é pior, acaba por amedrontar aqueles de quem nos socorremos e de quem, afinal, precisávamos ajuda.Ouvi contar, sonhei ou inventei uma história de que agora me lembro e que me desperta as cautelas para o modo como a partir de hoje perguntarei, a quem perguntar, onde está o menino Deus do meu Natal.Havia numa aldeia, que bem podia ser uma das nossas, dois meninos travessos como as coisas travessas e que quando havia alguma travessura no povo a autoria lhes era logo atribuída.Havia também nessa mesma aldeia um homem adulto, piedoso, sendo que nas aldeias mais equilibradas a proporção de um homem piedoso para dois meninos travessos nem é má de todo.Mas dizia eu que num Natal esse homem piedoso, depois de separar as prendas dos papéis que as embrulhavam, deu por si, tal como eu, a perguntar-se onde teria posto aquele outro menino, que não o de barro, e que todas as noites de consoada lhe segredava ao ouvido a confiada esperança para mais um ano.Procurou bem procuradinho mas o que é certo é que não o encontrava, e sabia bem que era escusado vasculhar no meio do lixo das embalagens do gps, da máquina de café expresso ou das outras em que vinham agasalhadas as prendas que recebera, porque esse presente nunca lhe chegava embrulhado, a não ser em claridade da alma e quentura de coração.Saiu para a rua e foi perguntando a quem sabia que não se arrelamparia com a pergunta, nem lhe chamaria tolo, se sabiam onde estava o tal menino Deus, mas o que é certo é que todos desconheciam o paradeiro.À medida que perguntava a sua paciência ia-se esgotando. E se para com aqueles que considerava como iguais, e igualmente piedosos, estava obrigado à contenção de um trato afável e obsequioso, já para todos os outros, a quem se considerava superior, não se via forçado a tamanhas cerimónias e nesses deixava escorrer a ansiedade pela impaciência.Lembrou-se, quando viu na rua, os dois meninos travessos, que sendo eles também garotos era bem provável que soubessem de algum lugar onde o outro, o procurado, se poderia ter metido.Porém , sabendo que a melhor maneira de apanhar os garotos é pela intimidação e partindo do princípio que eles sabem sempre o que nós desconhecemos e queremos saber, sem mais aquelas, chegou-se ao pé deles e perguntou-lhes: "Onde está o menino Deus do meu Natal"?Apanhados de surpresa os garotos ficaram mudos sem perceberem bem o propósito da pergunta e, como nada respondessem, o outro voltou a perguntar-lhes, agora de maneira mais grave "Onde está o menino Deus do meu Natal?". De novo, ainda sem perceberem o sentido da pergunta, os meninos nada responderam e , já sem maneiras, numa tom que bem poderia ser o de uma recriminação, o homem piedoso, apontando o dedo ao nariz do mais próximo insistiu severamente "Estou-vos a perguntar onde está o menino Deus do meu Natal?"Então os pequenos dispararam numa correria para casa e quando finalmente sossegaram disseram-se um ao outro "Agora sim é que estamos mal, temos graves problemas. Deus está perdido e julgam que somos nós que o temos...".Acabo a lembrança da história e sinto-me mais sosegado.Não é que já tenha encontrado o menino que perdi, mas à semelhança dos outros anos, se tudo se repetir como sempre, lá mais para a Páscoa, vou-o encontrar já crescido e ele vai de novo dizer-me que enquanto eu julgava tê-lo perdido, ele nunca me perdeu a mim.
Não te preocupes.Ele volta. Volta sempre
Piu
Fantástico!!! ai Manel!!! que tu tinhas dado um bom padre!!!, para quem morou nos Olivais em Lisboa... estavas lá tão perto!!!Tava a brincar!!!Tu és coração!! és uma boa alma... e um bom comapnheiro da mesma!!!Um abraço!! e as Couves??? na disseste nada!!
ag da silva
Pois não disse. Os nevões com que a natureza prodigalizou a festa do Pe. Alberto desprodigalizaram-me a mim as resistências e por isso em vez de couves andei a caldos de galinha. Agradeço na mesma as couves e ficam já prometidas para o ano.Um ano bom para todos os que comem couves.
Um 2009 com muito amor.
Piu
E por falar em festa do Pe. Alberto, não há por aí umas fotos para poder publicar?
A. Trindade
Assunto: mimganço?Iniciado por: um Deus perdido?
Piu
Os reis magos
« em: Dezembro 24, 2008, 12:22:04 »
Procuro dentro de mim algumas palavras que façam sentido.Hoje as palavras deveriam fazer sentido e o sentido delas deveria formar ,como construção, um presépio.Porém, o sentido das palavras é o que resulta delas depois de terem sido pensadas e ditas e não tenho a certeza de aquelas que queria dizer estejam já de tal modo pensadas que possam sair-me das mãos.As palavras são como os presentes. Escolhem-se segundo o nosso gosto e o gosto daquele a quem as queremos dar e , depois, fazem sempre um caminho entre nós e quem as recebe.O exemplo maior é o dos Reis Magos , esses três velhos notáveis e venerandos que se puseram a caminho com a única finalidade de darem presentes a um menino anunciado como o rei dos Reis.Não sei se foi a curiosidade que os moveu e os fez deixar o sossego das suas cortes mas o que sei, da experiência daqueles que ainda hoje se desinstalam do lugar em que se encontram, é que existe sempre nesse caminho um risco e uma crença e também uma preserverança, uma quase teimosia inexplicável, perante a lógica dos que nos recordam que a sensatez está em não dar o certo pelo duvidoso.A tradição diz que chegram três Reis , Baltazar , Gaspar e Belchior mas uma outra tradição garante em muito maior o número dos reis que partiram.Importa-me pensar de um outro modo.Gosto de acreditar em coisas simples e em vez de epopeias interssa-me perceber os caminhos comuns.Tenho por mim desta maneira que foram muitos os reis que viram nos confins do mundo a estrela de Natal e se puseram a caminho e que deve ter havido alguma razão para que só eles tenham chegado.Passaram pelos povoados e quando a história do que procuravam se foi sabendo por todo o lado acorriam pessoas às estradas e aclamavam os esforços mas como não acreditavam que o objectivo fosse razoável ou alcançável diziam em voz alta "Que pena... Reis de tamanha idade acreditaram ainda em lendas contadas por estrelas... Não vão conseguir chegar a lado algum..." Alguns desses reis foram desistindo à medida que o caminho se tornava dificil e as vozes insuportáveis mas mais ainda essas lamúrias se faziam ouvir "Coitados , tanto esforço para nada... Melhor lhes faria terem ficado nas suas cortes ... Que pena correrem atrás de quimeras sem lhe saberem o destino exacto..."Quase a chegarem a Belém apenas três, os nossos conhecidos, persistiam indiferentes a todas as adversidades e, mais ainda, a toda a incredulidade dos povoadores das bermas.Entraram, na gruta para uns, e no estábulo para outros, e já sabemos o que lhes aconteceu. Maravilharam-se, entregaram os presentes e deram por recompensado todo o tempo e esforços despendido mas foi nessa altura de júbilo que o milagare deve ter acontecido. É que foi nesse momento que os ouvidos dos três se desataram porque de todos os reis que partiram na procura do sonho de realeza intacto, apenas eles os três eram surdos... Um bom Natal.
Bom Natal.
Piu
Boas Festas! E porque as tuas palavras fazem sentido... mais do que aquilo que podes imaginar, a Associação Cultural e Desportiva do Jarmelo dedica, este Natal, um blog especial às "Histórias do Mimganço".
A.Trindade
http://ashistoriasdominganco.blogspot.com
http://www.jarmelo.net
Esta noite tive um sonho.De manhã liguei o computador e nada.Voltei a ligá-lo à tarde e... já vi.
Piu
A idade que temos
« em: Dezembro 19, 2008, 07:06:21 »
Temos consumido algum do nosso último tempo em homenagens , efemérides ou lembranças que nos recordam a idade, a nossa e a dos outros.Mesmo o Natal, que cada ano por esta altura nos bate á porta, traz sempre um carregamento franco de memórias, que outra coisa não são que o tempo que os nossos afectos coleccionam, e de que dificilemente se libertam porque as nossas memórias são toda a identidade que podemos protestar possuir.Se todo o tempo existe, nem todo o tempo vale o mesmo, e a capacidade de fazermos de alguns minutos ou horas da nossa vida momentos perduráveis deveria, quem sabe, dar-nos um pouco mais de responsabilidade pela maneira como vivemos estes tempos de festa, pré estabelecida, mas que só o será se a tornarmos uma coisa nossa, pessoal e instransmissível.Cada um aprende esta lição como pode mas recordo-me de alguém, que só poderia ser personagem de uma história, e que tendo-se na conta de um grande decifrador de enigmas, um dia sentiu que deveria conceder-se um tempo de reflexão num lugar que não conhecesse para descobrir o que não sabia e, porque havia aprendido a fazer caso destas sensações que provinham de um lugar desconhecido de si mesmo, como se estas sensações fossem a sua estrela de Natal, deixou tudo e partiu. Ao fim de dois dias de marcha, que bem poderiam ser muitos mais, porque o tempo contado em passos não se detém no limite das horas mas apenas no do cansaço, viu ao longe um monte no cimo do qual havia uma coberta de erva verde e farta com algumas árvores , delimitada de um muro pequeno de pedra alinhada e uma porta de bronze que era um convite a entrar.A tentação de descansar, embora soubesse que ainda não descobrira o que que procurava, foi mais forte e entrando nesse espaço começou a andar por entre pedras que estavam distribuídas como se alguém as tivesse alinhado de forma regular e, depois de um olhar vago, talvez porque os seus olhos fossem os de um decifrador de enigmas, reparou que sobre uma pedra havia uma inscrição que informava que alguém que se chamara "Alubio Sof vivera 8 anos, 6 meses e duas semanas e três dias".Sobressaltou-se ao dar conta que aquela pedra não era apenas uma pedra mas uma lápide e sentiu pena que alguém tão novo ali restasse como memória. Mas olhando em redor, de novo deu conta que uma outra pedra, que parecia tão irrisória como as outras, continha tamnbém a informação de que " Libak Mahar, tinha vivido 5 anos, 8 meses e quatro semanas"...Sentiu-se imensamente emocionado o decifrador ao descobrir que aquele lugar tranquilo era apenas um cemitérios e, mais, um cemitério onde todas as pedras tinham incrições semelhantes: um nome, e um tempo exacto de vida mas onde aquele que vivera mais tempo não ultrapassara os onze anos.A descoberta era perturbadora e naquele momento quase desejou não ter empreendido qualquer caminhada tendo sido neste atropelo de alma que nem deu conta que alguém se aproximara dele, o zelador do lugar, e que, vendo-o de tal forma perturbado, lhe perguntou se precisava de ajuda e se o seu estado de devia ao facto de ter ali algum familiar.Respondeu que não mas desabafou perguntando o que se passava com os lugares que eram servidos por aquele cemitério para que por alguma estranha maldição tivesem tanta crianças levadas da vida antes até de a terem sido capaz de saborear.O velho funcionário sorriu e disse:-Pode sossegar que não há maldição alguma e toda a gente nestes lugares seja pela limpeza dos ares seja pela robustez da compleição vive uma vida longa e tranquila. O que se passa é que por estes lugares temos um velho costume que lhe contarei como um segredo sem obrigatoriedade de o conservar no silêncio.E dessa forma lá foi o velho contando que naquelas terras quando um jovem cumpria 15 anos os pais davam-lhe um livro em branco que traziam sempre consigo , mostrando-lhe nessa altura o ancião o livro que também ele trazia na sacola ao dependuro.E era tradição que a partir desse momento cada vez que se disfrutasse intensamante de algum momento se anotasse no livro, na margem da esquerda o que foi disfrutado e , na margem da direita, o tempo exacto e rigoroso que durou o disfrute.E para que percebesse melhor foi-lhe dando exemplos: Conheceste alguém por quem te encantaste? Quanto tempo durou esse deleite? Soubeste que ias ser pai ou mãe? Fizeste uma viagem desejada? Quanto tempo durou a consciência e o sabor desse gosto?E , assim, concluiu o velho, que quando alguém morria era costume abrirem-lhe o livro e somarem o tempo do que havia disfrutado intensamante na vida e escrever esse tempo, e não outro, na pedra que assinalasse o seu lugar de repouso, porque era esse para eles, o único e verdadeiro tempo vivido.Não sei se o decifrador seguiu a jornada ou se voltou para trás; não sei sequer se passou a anotar em caderno ou livro o seu tempo intenso e verdadeiro mas sei que reconhecermos que neste tempo somos todos tão recém nascido como o menino do presépio, mais que uma alegria intacta de um tempo em que a memória dos Natais, com aqueles que já não temos por perto, nos conforta, é a evidência de que um tempo intenso e verdadeiro resulta da atenção com que o vivermos, em alegria e esperança, e não do modo como vamos somamos os dias numa contabilidade débil de tempo que nos envelhece mas não nos acrescenta.
Descobriste que eras amado ou amada?
Piu
Tomo a pergunta não como feita a mim, pois que se assim fosse teria apenas um sentido histórico, pessoal e de irrelavante curiosidade, mas entendo-a como aquela que poderia ser feita a alguém que decide por-se a caminho e, nesse domínio, poderia formular-se como : que te leva a sair do lugar que já te conhece as rotinas e que prémio julgas que irás ter ou encontrar no fim da jornada?A experiência histórica de todos os séculos ensina que só os cataclismos humanos ou naturais, ou os presentimentos luminosos, sejam estes de riqueza ou de felicidade mais genuína nos levam a pôr a caminho.E se para quem parte em ritmo de fuga o objectivo é apenas criar distância do lugar onde a tragédia lhe surpreendeu o viver, para quem parte com sentido de procura, o destino é sempre aquilo que, num momento de revelação ou discernimento sonhou atingir.Imaginemos que alguém, durante o sono, sonha que numa cidade longínqua, debaixo de uma ponte, existe um tesouro enterrado. Crendo na realidade dessa premonição pôs-se a caminho e de facto encontrou a cidade do seu sonho e, também, a ponte da sua demanda. Durante seis noites, para que não seja visto, escava debaixo da ponte mas nada encontra.Na sétima noite enquanto cava, uma última vez, vê em cima da ponte um outro rapaz que o observa e lhe pergunta porque esburaca naquele lugar e porque o cavador julga já nada ter para encontrar, resolve-se a dizer-lhe o sonho que teve e o modo como acreditou nele.O outro ri-se e diz, por sua vez, que também na última noite teve um sonho semelhante em que viu um enorme tesouro enterrado debaixo da cama numa barraca situada numa aldeia que não conhecia mas nas cercanias de um pasto. Só que não era tão tonto para se pôr a acreditar em sonhos.Nesta altura o cavador regressou à sua casa, uma barraca situada numa ladeia nas cercanias de um pasto e mal chegou pôs-se a escavar debaixo da sua cama onde logo encontrou um tesouro enorme que o fez rico.O sentido das descobertas quando alguém se dispôe a descobrir admite sempre que dureante a viagem o sonho que nos fez partir se vá re-construindo , porque se ujm sonho nos pode dar o pressentimento luminoso de que partir é urgente não é esse momento que nos revela ou nos garante a riqueza de qualquer descoberta.Quantas vezes o sentido do nosso sonho inicial apenas se descobre nos sonhos sonhados pelos outros, quando estes têm confiança para no lo contar e nós temos a ousadia de acreditar neles?!
Mas eu só acrescentei uma pergunta às "Conheceste alguém ...? ...? ...? ...? ...?"
Piu
Li-lhe a idade que tem e estava aqui a pensar…… esses dados numa folha de Excel permitiriam, sobrepondo layers, fazer coincidir o tempo do nosso tempo intenso, com os de outrem?Já imaginou a falta de coincidência de tempos entre pessoas próximas? Já viu se Alguém se lembra de levar isso em consideração?Melhor ficar mesmo pelos somatórios, a bem do “acrescento”.Ps.(Texto bonito, Sr. Ming!)
caneta
Questão interessante essa e tão velha como o tempo porque nela se resume a própria definição do tempo e que pode ser: a medidção que resulta de toda a comparação entre o passado e o futuro, a partir de um ponto fixo, instante e provisório, a que se chama presente.De facto, que sabemos verdadeiramente se não compararmos o que sabemos com aquilo que os outros sabem?Que qualidade tem a vida que vivemos se não a compararmos com a qualidade da vida que os outros realizam?!A coincidência ou descoincidência do nosso tempo com "os tempos" daqueles que nos são próximos, acaso nos lembremos de levar isso em consideração, acaba quase por resultar num paradoxo pela simples razão de que só nos damos ao trabalho de os comparar quando desejamos ver nessa comparação, ou confirmação de um entusiasmo que nos dê alguma esperança de futuro, ou quando pretendemos pôr fim a um logro e aceitamos, então, a coragem de descobrir que o tempo coincidente não é mais que o reflexo do meu próprio tempo e não a evidência de esse reflexo não coincidir, afinal, com o tempo daquele sobre quem a minha atenção e proximidade se detém.Dito de uma maneira simples e esclarecida, exceptuando as situações de inveja, que não vêm ao caso, só nos damos ao trabalho de comparações quando desejamos tirar a limpo se aqueles que julgamos próximos, estão tão próximos como julgamos.Eu sei que a apreensão, forma erudita de aludir ao medo mais elementar, nos pode deixar ficar pela segurança dos "somatórios" mas isso não invalida que saibamos no fundinho das nossas convicções, que o deslumbramento de sabermos que alguém tem um tempo intenso e verdadeiro tão extenso quanto o nosso, e mais ainda, coincidente até, nos revela a única prova da existência da eternidade.Se o descoincidente, desde que da mesma natureza, se pode somar, o que coincide em tempo e espaço (em história) não se soma mas celebra-se o que é bem melhor.A razão destas coisas sábias por vezes escapa aos sábios, como por exemplo escapou àquele que, querendo fazer uma exploração na outra margem, pediu a um barqueiro que o transportasse. E para fazer alarde de tanta sabedoria e ciência, ou para passar o tempo que tinha de compartir com aquele simplório foi-lhe perguntando: "Sabes astronomia?".O barqueiro respondeu que não senhor , que não sabia, e o sábio garantiu-lhe então que essa ignorância o havia feito perder uma quarta parte da sua vida.Perguntou-lhe ainda o sábio se ao menos conhecia um pouco da história deste mundo, e como o outro lhe garantisse nada saber, mais uma vez lhe rezou a ladaínha de que com esse desconhecimento , e atendendo à muiita idade que já tinha, havia perdido mais uma quarta parte da sua vida.Enquanto o sábio ia explicando ao barqueiro que, sendo aparentemente os dois da mesma idade, o tempo de ambos em tanto descoincidia e que, comparando, a qualidade do seu tempo em nada se assemelhava, em importância à do outro e que, uma vida desprovida de tanto saber era pouco mais que uma inutilidade, não deu conta que um golpe de vento abanou inesperadamente a barca fazendo com que os dois caissem à água.O barqueiro nadava com braçadas largas para atingir a margem mas o sábio esbracejava para se tentar manter à tona gritando por salvação.Então o barqueiro perguntou-lhe: "Sabes nadar amigo sábio?", e como a resposta fosse que não, que não sabia nadar, o barqueiro perguntou-lhe ainda: "Pois olha que essa ignorãncia te vai fazer perder toda a tua vida... Queres agora, talvez, que eu faça coincidir contigo este meu tempo e resgate com a minha ignorância toda a tua sabedoria?!".
Por engano, cheguei aqui.Por engano, ou por outra coisa qualquer, aqui fiquei....A resposta foi fácil, a pergunta "Descobriste que eras amado ou amada?" é que foi difícil!......Atrevo-me a deixar aqui uma curiosidade: para o mimganço, escrever é ...
18Fev.
A minha mãe (a Piu, que morreu) iria gostar de saber que a 1.ª folha onde escreveu umas coisitas ultrapassou as 1000 visitas.A minha mãe (a Piu, que morreu) disse-me que gostava muito das coisas que o Sr. mimganço ia deixando por aqui e avisou-me " algumas histórias só as vais perceber mesmo quando fores + crescida."Já sei.Vou ter de esperar uns centímetros.
piu zinha
Filha... ainda vais ter que crescer uns quilómetros...
Piu
Pai?!...Tenho tantas saudades de ti...
piu zinha
O presépio que não era
« em: Dezembro 16, 2008, 02:15:59 »
As diabruras do tempo tinham-no feito crescer e por consciência aprendida havia confirmado que esse crescimento era directamente proporcional à distância que fora cavando entre tudo aquilo que ia conseguindo ser, e tudo o que lhe tinha servido de berço.Em primeiro, ainda regressara a casa nas festas, ainda viera às ceifas e às malhas, mas lá para o depois, aqueles rituais de andar agachado sobre a terra, como se precisasse de mendigar alguma coisa, e a escassez de água na bacia com que lavava a cara, o pescoço, os sovacos e os braços despersuadiram-lhe os afectos e a cidade ganhou.Decerto que lhe agradava regressar, de quando em vez, até porque em nehum outro lugar a sua distinção académica lhe luzia sobre o pêlo como naquele lugar. Mas mal a noite assomava desorbitrava-se dali com a cumprida desobriga de ver os velhos, sem que agora alguém lhe censurasse a escassez da visita ou a fidalguia de já não poder dormir entre cobertores de papa.Uma e outra vez regressara com a intempestividade das razões fúnebres e com essas mesmas fechou o ciclo de abandono, intervalado apenas com as notícias de que, lá para os seus lados, caíra neve ou um incêndio consumira mato.Anos e anos a ver o mundo girar sobre o seu eixo e ele a espreitar, clandestino, para dentro de si como pelo buraco de uma fechadura, sem que ninguém suspeitasse que o fazia, com os filhos a enfeitarem as suas casas de árvores com bolas, luzes e fitas e atarefados já na marcação do reveillon nalguma cidade da Europa.E foi assim que, num dia em que espreitou com mais intensidade, deu por si no outro lado da fechadura, com o carro a galgar as escassas centenas de Kms e com a cabeça a percorrer cada metro do caminho tão igual e tão diferente.O frio, marcado no termómetro do carro, era intenso mas desta vez não era uma notícia de rádio ou de televisão e por isso aguentava-se perfeitamente,porque o frio das notícias, por não ter de ser suportado por quem as ouve, pode ser sempre maximizado pela imaginação até ao exagero que nos convém.Saíu da auto estrada e esta outra já tinha o sentido familiar das tabuletas avisadoras das povoações, o contorno sabido das curvas e declives e a previsão dos lugares de gelo, que foi soletrando até chegar ao entroncamento que assinalava o monte.Estava tudo branco e a visão de um nevoeiro espesso era apenas a ilusão da neve que caía em farrapos generosos enquanto ele subia, devagar, sentindo as rodas quebrar o intacto da tarde. Lá em cima parou o carro e aquilo que viu desafogou-o de comoção e quentura.Mesmo a pegar à única edificação deixada de pé por um rei desviado da sua rota, e que ainda assim se mantinha como sinal de uma história de compromisso entre a memória e o futuro, alguém se lembrara de fazer um presépio de proporções dignas e que agora, coberto de neve, podia ser apreciado em todo o seu esplendor, pois quanto menos forem visiveis as feições das imagens mais possível é colocarmos a nossa na que mais nos convier.Sim senhor, belissima ideia a de quem se tinha lembrado de aproveitar a altura monte e a cercania dos castanheiros para ali fazer semelhante presépio, com figuras de tamanho porte deixando a quem dele se aproximasse a sensação de ser mais um pastor ou rei mago.Olhava atento, de dentro do carro, cada uma das figuras mas alguma coisa começava a não fazer sentido.Que os reis magos fossem três e permanecessem de pé, batia certo. Que se tivessem omitido as figuras do burro e da vaca, não era mal que viesse ao mundo. Mas que Nossa Senhora fosse apresentada de joelhos, com um pastorito agarrado ao pescoço enquanto um outro se agarrava a São José que por sua vez segurava também num braço da Virgem, parecia-lhe uma ousadia despropositada e uma inovação sem jeito que lhe fez imprecar todos aqueles que haviam tido a ideia de recriar ao seu jeito uma coisa séria e tão tradicional como o Presépio.Sim, o presépio para o ser teria não apenas de conter todas as figuras de preceito mas também que cada uma delas ocupasse o lugar que ao longo dos anos a tradição lhe destinara e não havia meio de que os pastores se pudessem atrever a abraçar Nossa Senhora da mesma maneira que não havia motivo para que esta se apresentasse de joelhos perante os reis magos enquanto estes, de pé, ostentavam uma realeza e império que ninguém se atreveria ao pé do menino recem nascido, que pelo volume que a neve oferecia às formas parecia estar deitado no chão à direita de sua mãe.Não. Aquilo não estava nada bem.E porque uma plaqueta vertical parecesse assinalar um qualquer comentário junto do presépio, talvez exolicandio as ousadias do artista, saiu do carro e atreveu-se no frio, que já não na neve, que entretanto parara, se calhar de tanta e tão semelhante estupefacção.Leu atentamente e com a mão libertou de neve a foto que constava da tabuleta informadora confirmando em cada figura cada elemento da foto e percorrendo aquilo que por um momento julgara ser um presépio voltou para o carro e pensou esclarecidamente que quando um homem deserta de forma tão gratuita as suas memórias, deixando de procurar no lugar delas a água que lhe lave o destino, fica de tal modo carecido de um berço, que todas as imagens colocadas em cima de um monte lhe parecem um presépio capaz de o deixar menos orfão de si.
É verdade ,mimgamço,um "presepio" que afinal não era senão a evocação da trágica morte de Inês !!!! E que belo conjunto escultórico dum nosso patrício! As minhas sinceras felicitações pelo belo texto, que revela uma sensibilidade muito apurada e imaginativa! Gostei muito. Saudações da jarmelista de Alma .Clara Portas Matias
clara matias
DELICIOSO!!!!!!!muito obrigado!!!eu ando tão enfuinhado em avaliações e auto-avaliações, que quase nem me lembro que ele vem aí.Um abraço!!!os teus textos ajudam-nos a poupar tempo... pensamos por ti, e assim poupamos o nosso "pensar", com a grande vantagem de nos teus, termos bonitos pensamentos.
ag da silva
As coisas que se sabem devagar
« em: Dezembro 12, 2008, 06:27:01 »
Temos um ciclo certo de coisas que sabemos e um tempo certo e cíclico de as sabermos.Em nós, gente de pernas, a cultura é mais uma repetição, que uma sabedoria que descobre no que se repete a invulgaridade do sempre novo.Deixámos o Natal quase há uma ano e desde essa altura fomos sabendo que a Páscoa se seguiria, anunciada por um Carnaval , mais que por uma Quaresma; que a seguir à Páscoa, recomendam as boas mentes, se prepare o Verão com os ardores das viagens e as exuberâncias das praias e das festas; que se retarde até ao limite o regresso ao trabalho e fomos sabendo que a circularidade do tempo nos há-de lembrar, de novo, a proximidade do Natal.Porém, saber de cor o calendário não é, ainda, ser capaz de dar um sentido com algum sentido à vida e para que saibamos alguma coisa bem, convém que a saibamos devagar embora este paradoxo de ter de perder tempo para perceber o tempo não seja um coinvite que se aceite fácilmente e isto porque começa a ser comum que a única coisa que já conseguimos aceitar é o que se nos impõe de forma irretractável.No dia 30 de Novembro começou o Advento.Francamente, não estava à espera e até já tinha apalavrada uma outra festa de boa índole.A da homenagem ao Pe. Alberto.E se o advento serve para avisar da proximidade do Natal, bem me podia avisar com mais força no domingo seguinte que ainda chegaria a tempo.Só depois da festa é que me apercebi que afinal não tinha perdido o advento porque a festa de uma vida é a celebração de um tempo sempre renovado e a renovar-se. Afinal as mesmas coisas de sempre a saberem-se devagar e sem pressas, porque só através daquelas que estão mesmo já para acontecer é que chegaremos às outras que ainda tardam em vir.Como o Pe Alberto me faz lembrar, não vale a pena viver depressa as coisas que sabemos devagar.
Mais um delicioso testemunho de um homem que sente o Jarmelo... e que o sente devagar, degustando-Obrigado pelas tuas participações neste espaço e noutros.Um abraço!!
ag dasilva
Memória dos dias
« em: Outubro 24, 2007, 12:15:30 »
Era um dia grande e largo, de água tombada dos céus com a sem cerimónia dos dilúvios e ela caíu em cima da cabeça daqueles que, por deveres de memória ou de coração, acompanharam à cova quem durante tanto tempo andara no mundo e que, como vela, se fora deixando apagar até que nada mais restasse que uma lembrança permanente de luz que se não apaga.A água caiu ainda por mais um bom tempo mas o mistério que se lhe seguiu apareceu quando à secura do corpo tardava a secura do rosto. Foi aí, nesse mesmo instante que à agua por cima das cinzas em que cada um ficou foi formando uma papa em que cada qual se foi dissolvendo de tudo o que era acessório e supérfulo como se nos tivessem dado o dom de uma nova criação.Têm as mortes, quando lhes resta vestígio de alguma santidade, este poder regenerador de transformarem, um instante que seja, em cinza a pedra dura que somos e o de fazer cair sobre ela uma água abundante e eficaz que nos devolve a condiçao originária de sermos , de novo, barro da criação.E este poder que faz renascer das cinzas não conta, para o animar, desta vez com o sopro do criador mas apenas com a lucidez do coração de todos aqueles que nesse momento frágil sejam capazes de nos olhar e de nesse silêncio de olhos, por nos conhecerem, nos dizerem o segredo de quem somos para lá de todo o provisório e para lá de toda a segurança que o orgulho nos fornece.Sei que aqui existiu sempre esse olhar e porque também sei que nesse dia grande e largo, de água tombada dos céus com a sem cerimónia dos dilúvios alguns daqui também se deixaram transformar em cinza, regresso agora ao lugar do olhar de quem me viu e, também eu, a devolver o meu olhar àqueles que dele precisem.Já não sei bem a cor das minhas palavras nem sei se me desfiz nelas de tantas ter dito mas o lugar onde pertencemos é sempre um colo de mãe.mimganço
De entre os dias, esquecidos entre os enganos da memória dos Homens que se sabem vivos, pelo menos um haverá em que, seja por apelo que brota da essência do próprio Ser que se é ou por mero acaso vindo de um simples reencontro com a verdade primeira, se dará o decisivo significado de vida aos muitos actos passados, numa redefinição final do seu verdadeiro peso, como se só nesse momento fosse possível calibrar finalmente os pesos e medidas das coisas, dando-lhes assim o seu verdadeiro conteúdo e apagando registos passados que, por descuido ou por cegueira, fomos escrevendo no livro da vida. Aparentemente envolta em estranheza, por se assumir em contradição, é a propensão fácil para que se fale, aí, em morte, como se esta representasse assim o mero apagar de uma vela, com o findar da sua luz. Desconhecendo eu, por meu defeito assumido, tantos segredos do meu Ser, vejo-me também, como tu Mimganço, apesar de tão mais atrapalhado com as palavras, numa busca sentida na redefinição do que verdadeiramente sei que é ou não é. E, se muitas vezes me pergunto se sei mesmo o que digo (ou melhor, porque razão o digo...), outras há em que, num apelo à simplicidade que de outras vezes esqueço, acordo de novo e sempre num lugar específico, aquele onde um dia fixei as minhas raízes e que, ao longo dos dias, quantas vezes sem o perceber, fui esticando, cada vez mais, como se assim pudesse voar mais longe. Puro engano, reconheço, por o sentir nessas horas, com a mágoa de saber que o não poderia ter esquecido, pois que, de verdade, só fui tendo vida lá longe porque, apesar de forçar permanentemente as minhas raízes, elas se mantiveram ainda assim com alguma firmeza, trazendo no seu interior o mesmo líquido que, no amassar do barro, um dia me deu forma de vida e que, ainda agora, porque aí corre, ao ter ele em si mesmo a capacidade inata de não findar, espero que me amoleça ainda, dia após dia. Um abraço.
DiogoLuís
O gosto de saber que as nossas palavras mais silenciosas, porque escritas, têm eco é prazer bastante para que releia com mais atenção o que escrevi a ver se lhe noto alguma novidade que me surpreenda.Acredito mesmo que o lugar onde pertencemos é sempre um colo de mãe e acredito em igual medida que momentos há em que é o olhar silencioso dos outros, animado apenas da lucidez do coração, que nos é capaz de contar, por nos conhecerem, o segredo mais vital de quem somos, para lá de todo o provisório e para lá de toda a segurança que o orgulho nos fornece.Não se trata de fazer repousar na mãos de terceiros uma confiança que devemos ter em nós mas sim aceitarmos que a vida põe no nosso caminho momentos em que toda a nossa força reside na fragilidade de confiar e de nos subtermos ao escrutínio de quem nos ama.É uma repetição dizer que o Jarmelo e o pedaço de jarmelo que me perrtence, enquanto espaço físico, é um olhar imenso e um convite desmesurado de confiança que nunca me foi negado e já nem é segredo que ir apanhar as castanhas e vergar-me para o chão é uma humildade ritual na qual repito o mesmo gesto de tantos que foram meus, que nem conheci pelo nome, mas que me deixaram assim, silencioso, também, um olhar de igual confiança ao qual eu me sinto ligado pela responsabilidade de ser tâo verdadeiro e idêntico como fidelidade têm aqueles castanheiros que todos os anos repetem o fruto.O nosso lugar é aquele onde está a raíz do olhar que nos olha e que confia em nós e esse não é outro que não aquele onde colocamos o nosso coração.O que posso dizer, por disso me sentir capaz, é que não deixarei de olhar e de me deixar olhar e, sobretudo, de habitar o lugar onde estão as raízes dos castanheiros que me pertencem porque aí está, imperecido, o colo da minha mãe e o olhar de todos os meus.
Quando leio e releio as palavras de antes, na busca de uma compreensão para todos os seus sentidos possíveis, não raras vezes descubro terem elas o dom de nos fazer descobrir coisas que na hora em que foram escritas não fizeram assento na nossa vontade. O estranho, ou talvez não, é que também estes sentidos ali estavam, como fazendo delas parte integrante. Não tendo eu raízes nessa terra física que se chama Jarlelo, aí não encontro também castanheiros da minha infância, nem sequer um palmo de terra a que chame minha. Porém, mas não por acaso certamente, encontro no seu sentido uma terra que verdadeiramente também é minha, na similitude do que representa um outro berço, de seu nome “Mesquitela”, e que, apesar de esquecida no tempo, com o Jarmelo, em boa verdade, rivaliza em anos passados, muito para lá do seu pelourinho quinhentista ou da ponte romana que ainda hoje dá caminho a quem atravessa a sua ribeira. É certamente essa a razão por que, a espaços, aí continuo a voltar, não apenas para olhar o passado e sim, por vontade, para também eu me reencontrar, no toque singelo das suas árvores, da sua terra, das suas gentes, estas que são também e sempre as minhas, tal como um colo de mãe.
DiogoLuís
Foi ao seu lado que andei po caminhos de tera e musgo, entre casas de pedra, vinhas antigas e campos de milho crescido. Caminhos onde o campo tinha o cheiro de uvas maduras e de terra molhada.No silêncio dos soutos, o barulho furtivo de bichos no tronco das àrvores, o som descombinado dos pássaros, ganhava uma nitidez que conseguia ver muito mais além da linha do horizonte, distinguindo as vozes mais íntimas e remotas.Sei que nada de essencial me separa do colo de avó onde aprendi a sabedoria do que me fez gente, e que a substância daquilo que nos une vai permanecer intacta, hoje, amanhã e para sempre. Mas os violinos calaram-se e o àcer deixou de me olhar. Sombra com sombra a mais...Minha tristeza é esta -A das coisas reais.A outra, a que pertenceAos sonhos que perdi,Nesta hora não me vence,Se a há, não a há aqui.Mas esta, a do arvoredoQue o céu sem luz invade,Faz-me receio e medo...Quem foi minha saudade?(F. Pessoa)
Sura
A vós bradamos os regressados
« em: Maio 27, 2007, 05:39:44 »
É um bom dia para regresso.A água cai do céu com a mesma convicção que num tempo ido cairam também lá de cima linguas de fogo que soltaram a lingua a medrosos e encheram de ar puro o peito dos crentes.Depois de tamanho silêncio não sei já se sei falar como quem mexe os dedos para se exprimir, mas para que me não alongue em dizeres de sensaboria aqui fica expresso que:O tempo em certas noites é um fardo pesado que só o silêncio sustenta Há gente pronta a começar qualquer destino a qualquer hora por qualquer palavra, por qualquer história ou forma que a natureza se disponha a acolher O destino assim começado é com uma flecha que propaga no bosque desconhecido uma palavra novafrente ao perigo extenso Um medo de ficar demasiado por aquie o aqui ser demasiado pertoPorque a gloria de um destino é uma dor que por vezes a doçura esconde.Mimgamço
Cansei os braçosa pendurar estrelas no céu.Destino dos fados lassos.Tudo termina em cansaçosbraçose estrelase eu.António GedeãoQue o Consolo, o Conforto, nos faça saber leveza no centro da tempestade apurando os nossos ouvidos na música que presenças amigas nos tocam e que seja, então, possível dizermos que tempo não é o que passa, antes o que fica. Embora a obesidade não seja recomendável, desejo que pesemos o dobro com o perfume dos frutos.
Sura
Saudações jarmelistas pra todos os que aos poucos vindes regressando!!Estareis alguns no dia 3 no Jarmeo??As vossa reflexões, continuam em alta!!
ag da silva
A doçura de um simples momento tem, por ironia, em si mesma, as primeiras sementes que dão ao momento seguinte a sua primeira vantagem, no querer vingar de uma germinação que há-de, quando se quer, fazer nascer raízes fortes capazes de sustentar o contentamento. Quem descobriu a capacidade inata de assim recomeçar, encontrou já também um dos maiores tesouros que possui, capaz de se multiplicar em novos talentos, fazendo nascer de terra aparentemente árida árvores de frutos apetitosos. É na glória de um destino assim traçado, em que as flores são capazes de vigar entre os espinhos, que se encontra a maior doçura, como o mel que as abelhas transformam. Um abraço, Amigo.
DiogoLuís
Dia 3 está para lá das minhas posses porque nessa altura se as pernas aguentarem e a coragem não vacilar estarei a chegar a Santiago de Compostela mas não esquecerei quem estiver no monte porque em qualquer lugar onde os homens estejam em festa o olhar encurta a distância e a altura da alegria deixa ver mais longe.
Cinzas
« em: Fevereiro 23, 2007, 05:35:33 »
No fim do grito existe o eco da mesma forma que depois da caminhada existe o cansaço dos membros que nos deixa quietos.Explodido o Carnaval, entramos num tempo novo trazido no silêncio, que ocorre um dia depois da terça-feira gorda.A quarta-feira de cinzas é o primeiro dia da Quaresma no calendário cristão ocidental (a Igreja Ortodoxa não observa a quarta-feira de cinzas, começando a quaresma já na segunda-feira anterior a ela).E quarta feira de cinzas porque os cristãos católicos Apostólico Romano recebem-nas nesse dia como símbolo para a reflexão sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passageira, transitória, efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte. Ela ocorre quarenta dias antes da Páscoa sem contar os domingos ( que não são incluídos na Quaresma) e quarenta e quatro dias antes da Sexta-feira Santa contando os domingos. O uso litúrgico das cinzas tem sua origem no Antigo Testamento. As cinzas simbolizam dor, morte e penitência. Por isso existem referências a um tal Mardoqueu que se veste de saco e se cobre de cinzas quando soube do decreto do Rei Asuer I (Xerxes, 485-464 antes de Cristo) da Pérsia que condenou à morte todos os judeus de seu império ou mesmo a Job que mostra o seu arrependimento vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas.No século V antes de Cristo,(depois da intervenção de Jonas ) o povo de Nínive proclamou um jejum a todos e se vestiram de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou-se sobre cinzas.A prática estabelecida de utilizar cinzas como símbolo arrependimento persistiu em Romaonde os penitentes começavam sua penitênica pública no primeiro dia de Quaresma, sendo salpicados de cinzas, vestidos com um saco e obrigados a manter-se longe até que se reoconciliassem com a Igreja na Quinta-feira Santa ou a Quinta-feira antes da Páscoa.Quando estas práticas caíram em desuso (do século VIII ao X) o início da temporada penitencial da Quaresma foi simbolizada colocando cinzas nas cabeças de toda a congregação.Se a história faz presentir o tempo, a recordação das origens dos usos pode ter o efeito de lembrar os contornos de um pensamento que se mantém constante e que desvenda na nosa finitude uma grandeza capaz de aceitar as cinzas porque se sabe que entre elas e o barro que criou o homem existe o intervalo de uma combustão que deixa nítida a memória da luz que produziu.
(PO) E (MAS)! Cria a palavra, Renasce do pó, Evita o nada Da vida que não é! Hoje, Como ontem, O ausente presente, Que se dá sem mas... Meras palavras! Evidências dadas, Que o vento levou E o poema juntou.
DiogoLuís
Só vos conhece, amor, quem se conhece;Só vos entende bem quem bem se entende;Só quem se ofende a si, não vos ofende,E só vos pode amar quem se aborrece.Só quem se mortifica em vós floresce;Só é senhor de si quem se vos rende;Só sabe pretender quem vos pretende,E só sobe por vós quem por vós desce.Quem tudo por vós perde, tudo ganha,Pois tudo quanto há, tudo em vós cabe.Ditoso quem no vosso amor se inflama,Pois faz troca tão alta e tão estranha.Mas só vos pode amar o que vos sabe,Só vos pode saber o que vos ama.Jerónimo Baia
Sura
Suboe a subida cansa.Desato as correias dos sapatosliberto as cilhas do bornale mergulho sózinho numa dançaque por ser assim tão segredada tão nas alturas e alheia aos outros que não veêmnem a eles nem a mim me fará mal.Ao caminho regresso, depois,que ele não foge nem a minha vontade desertados meus pés.e se os membros que me membramestão já lassos,e quase fora do limite dos meus passospouco importa e continuoque lá no alto,mesmo que a mim não me encontrassehaveria horizontes ventos soltos e espaços.
Tábuas e buracos
« em: Fevereiro 15, 2007, 03:26:37 »
O meu avô José António era sábio e posso afirmá-lo com tanta justiça porque ninguém me tira dos meus mais sólidos entendimentos que sábios são aqueles a quem, de tanto o serem, atribuímos à sua autoria coisas que dizemos, fazemos e pensamos por sabermos que, embora nossas, é neles que está a raíz delas e por isso lhes pertencem. Enfim, uma espécie de pelágio mas ao contrário.O meu avô morreu quando eu tinha 5 anos mas teve tempo de me mostrar a grandeza que tinha em coisas pequenas e simples que retenho até hoje e que, de quando em vez me surpreendem pela actualidade.Um dia, ia eu nos meus quatro anos, apareceu-me com uma tábua pequena , como uma lousa de escola, pintada de um azul vivo e estendeu-ma num gesto que era de oferta.Devo ter estranhado aquele estranho brinquedo, sem rodas, sabendo eu que todos os brinquedos para o serem de verdade tinham de ter rodas, de chiar e de ter um nagalho por onde lhe puxar, e aquele não tinha dada daquilo. Disse-me então que iamos fazer, só nós dois, uma combina, e que mais ningém teria de a saber. E a coisa era assim, sempre que eu fizesse alguma coisa de errado, chegando ao fim do dia, colocariamos um prego por cada maldade e aceite o trato a coisa lá foi andando alegremente comigo a ver, antes de me deitar, o meu avô a colocar na tábua os pregos que eu lhe dava , sem que ele fizesse pergunta alguma e sem que eu lhe desse justificações.Ao fim de um tempo já não havia muito espaço para colocar mais pregos (ou havia e ele me disse que não por saber que o tempo dos garotpos tem o tamanho da sua impaciência) e então ele disse-me que não havia mais lugar.Sugeri-lhe que arranjássemos outra tábua porque pregos não faltavam mas ele disse que não podia ser, que não conseguiria encontrat mais nenhuma tábua mágica como aquela e a alusão às propriedades daquela madeira avivaram a minha preocupação mas nada havia a fazer.Ele deixou-me andar uns dias sabendo pela minha expressão e pela dele, que eu não me esquecera e um dia propôs-me : "Olha e se tu fosses capaz de pedir desculpa ou fazer alguma coisa boa às pessoas a quem fizeste as maldades? Se calhar assim poderiamos ir tirando os pregos..." .Nem precisei de ouvir mais nada porque todos esses estavam mesmo ali dentro de casa, de onde quase não saía e sem que esses mesmo dessem conta lá os ìa ajudando com a obediência, com o ir buscar os guardanapos para pôr a mesa, com o dizer obrigado a tudo, com o pedir as coisas com um "se faz favor no fim" e com tantas outras nu«inharias que me permitiram ao fim de algum tempo que a tábua já não tivesse pregos.Fiquei feliz pois então.E confiando nas habilidades do meu avô julguei que ele uria remendar o madeiro de forma a que ele voltasse á ntiga forma , com pintura retocada e tudo mas quando lhe entreguei a tábua para ele a arranjar ele respondeu-me que não podiaa ser. Que reparasse bem. Que mesmo que a pintasse os buracos estariam lá sempre."Mas avô não se notam", disse eu."Pois não, mas estão lá e a gente sabe.".Era duro e tão duro que fiquei desolado."Então não há nada a fazer, não é ?!"E a sabedoria do meu avô salvou-me colocando de novo na minha mão a solução do problema."Sabes Manuel, a gente consegue pôr os pregos e tirá-los de onde os pôs mas os buracos só Deus é que o pode fazer".Volveram-se os anos e os meus foram duplicando e triplicando num milagre de multiplicação do tempo.Nunca mais voltei a ter uma tábua visível mas um dia lembrando-me da tábua que engoli com aquela idade, uma tábua novinha em folha e de um azul vivo e intacto dei com ela careegada de pregos e achei por bem despregá-los. A coisa resultava de novo e ao fim de um tempo tinha-a de novo sem pregos mas com buracos. Só que agora sou um homem esclarecido e de mais saberes e por isso, pelas minhas próprias posses, resolvi-me a tirar os buracos.Com uma faca fui esgravatando neles de forma a que as marcas primitavas desaparecessem mas á medida que o fui fazendo desapareceram as marcas finais dos pregos e ficaram outras, bem maiores, porque a minha tentativa de os tapar com a própria madeira que ia fazendo ceder dos rebordos apenas os alastrava e foi aí que desisti.Bem, não foi própriamewnte aí, foi quando dentro de mim ouvi a voz do meu avô que me dizia "Sabes Manuel, a gente consegue pôr os pregos e tirá-los de onde os pôs, mas os buracos só Deus é que o pode fazer".Desde então enchi os buracos de uma água de olhos e sei que um dia eles irão desaparecer , não porque deles me tenha esquecido, mas porque esse é um milagre a que tenho direito se tiver a capacidade de me lembrar deles.Um abraço.
MAIS UMA FANTÁSTICA HISTÓRIA DE ENCANTAR !!!!!
agdasilva
Chego hoje, onde na minha cidade a tarde se apresenta cinzenta (cor de pombo, como se diz por aqui) e de grandes descargas eléctricas, cumprimentando os presentes.Lendo esta admirável história e revendo-me também um pouco nela, como qualquer mortal pecadora, não posso deixar de lhe fazer um pequeno reparo. Não na história e na sua “moral”, que eu não sou sábia ao ponto de lhe fazer reparos, mas na interpretação que o autor faz dela.Não me parece que o ensinamento de Deus seja o de “tapar os buracos com água de olhos e ficar a lembrar-me deles” na esperança do milagre.Isto mais parece uma postura de autocomiseração onde nos rompemos nos nossos braços e nos dilaceramos na inevitabilidade da condenação dos nossos pecados, esperando que desta atitude sejamos merecedores do milagre de Deus.Tendo lido nos últimos dias algo sobre a “fé”, entendo que esta é a certeza das coisas que se esperam e a prova daquelas que não se vêem. Isto porque na nossa vida temos inúmeros desafios, dos quais alguns deles nos afastam de Deus e nos levam ao egoísmo e ao vazio. Creio que é aqui que entra a fé. Quando somos chamados a identificar com clareza os nossos pecados (chamar-lhe deslumbramento, em vez de lhe chamar de amor; chamar-lhe vaca jarmelista em vez de lhe chamar mirandesa…por ex.), a entregar a nossa fraqueza, para que possamos afirmar o êxito sobre as adversidades e a tenacidade para vencer obstáculos.Os nossos pecados não podem produzir em nós o endurecimento gradual da nossa vontade nem a consumação da força e vida da alma (quase como a lepra que vai consumindo o corpo), porque isto, a única coisa que provoca é uma maior separação de Deus.E assim me calo, reiterando os cumprimentos iniciais e esperando que com a humildade que se nos impõe, possamos tirar lições de vida das nossas tábuas e dos nossos pregos.
Alexa
Pássaros de água
« em: Fevereiro 10, 2007, 05:15:52 »
Está um tempo de água caprichosa. Ora cai abundante ora mingua e desaparece por uns dias bastos, mesmo sendo a época de ela ser constante e moderada nas medidas.As previsões do Borda D'água perderam a certeza e o mais que podem agora é por-se a adivinhar que o sol apareça entre um cântaro e outro cântaro tombado dos céus com a surpresa irregular que não respeita as estações do ano.Querem alguns ver nisto os sinais das mudanças de clima por força do aquecimento global do planeta mas insisto em desvendar para o fenómeno uma causa que me satisfaça mais.Quis o criador quando fez a terra e todos os seres que nele habitam que apenas os pássaros voassem mas para que todos os vissem em qualquer parte do mundo, quis ele também que as aves se deslocassem pelos céus empurradas pelas estações mais agrestes fugindo do frio e da chuva e levando consigo o tempo bom e desanuviado para as paragens para onde rumavam.Se a liberdade não está tanto na descoberta da vontade mas mais na vontade de descobrir o que nos cabe realizar eram os pássaros as criaturas mais livres até que os homens acharam por bem desviar-lhes o destino e, com medo que depois da partida um dia não regressassem, começaram a prende-los em grades obrigando-os a permanecer contra o desejo das asas e julgando assim que poderiam ter mais tempo a quentura do sol e a claridade dos dias.Porque nem todos podiam ser presos os que abalavam conseguiam ainda fazer andar a roldana das estações que embora mais perra rodava no mesmo sentido. Mas os que ficavam, sem que ninguem se desse conta disso, iam-se enchendo, por dentro, da água que não caía por fora, transformados em mata borrões abundantes das chuvas de cada inverno.Quando a seca, muito tempo depois, chamou a atenção dos homens para necessidade de regarem os campos e encherem os tanques, lembraram-se então de soltar todos os pássaros que tinham feito cativos, julgando assim que pela sua vontade tudo voltaria ao bom rumo, até que de novo pudessem aprisionar as aves num domínio do tempo em seu proveito.Porém, porque em toda a terra todos os homens tinham pensado igual, quer no tempo das presas quer no tempo da seca, todos ao mesmo tempo soltaram os bichos que quando se viram soltos, numa memória de voos antigos, bateram as asas e abalaram na direcção de um lugar já só adivinhado.Estavam no entanto carregados da água de tantos invernos que à medida que iam voando se iam desfazendo em bátegas de água que caiam sobre as terras num dilúvio inesperado, fosse Primavera, Verão, Inverno ou Outono.O resto já o sabemos, o tempo nunca mais voltou a ser o mesmo e a inconstância caprichosa com que a chuva hoje cai lembra a todos que quem é desviado do seu destino comprometendo a sua liberdade, mais tarde ou mais cedo transforma-se em pássaro de água que se desfaz a meio do voo inundando o lugar onde se prendeu.
Estranhem o que não for estranho.Tomem por inexplicável o habitual.Sintam-se perplexos ante o quotidiano.Tratem de achar um remédio para o abusoMas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.Bertolt Brecht
Sura
Sigo, atento ao sentido dos ventos, cada uma das linhas, alinhando no meu pensamento cada uma das palavras de significados cruzados, mas todas elas persistentes no seu caminho, voltando, aqui e ali, para não me perder, de novo atrás, por não querer privar-me de cada um dos rastos que me vão ficando nos sentidos.Sem estranheza, encontro sinais conhecidos, tão evidentes como o podem ser as reticências...Na imagem das aves que ainda cruzam os céus, persisto então em juntar bem as mãos para segurar, por mais ou pouco, algumas das águas que deles vão caindo.Gota a gota, para as sentir de verdade.Um abraço
DiogoLuís
Referendum
« em: Fevereiro 11, 2007, 01:34:30 »
Na sua origem referendum (como no latim surgiu) era a comunicação que um agente diplomático expedia ao seu governo para lhe pedir novas instruções mas daqui evolui o termo para designar o direito dos cidadãos emitirem directamnente a sua opinião em assuntos de grande interesse nacional.Se tivermos um pouco de atenção a esta evolução da palavra descobrimos nela um paradoxo que o tempo desfez.Antes, o poder dependia de uma entidade central (o rei ou o governo) e o referendo era a forma de os representantes dessa autoridade solicitarem informações sobre o comportamento e as posições concretas que no estrangeiro deveriam adoptar de forma a fazerem a afirmação solene e pública que sobre essas matéria tinha o Estado que representavam.Com a fragmentação do poder e com um novo sentido de representatividade fundada no direito igual de todos perante a lei, o referendo sofreu uma inversão. Já não é a maneira do poder Central dar instruções aos seus reprsentantes no estrangeiro mas passou a ser o modo como esse mesmo Poder pede instruções , dentro das suas fronteiras, aos seus cidadãos, no sentido de saber que posições e decisões deve tomar.Numa primeira visão parece inteiramente correcta esta nova forma de o referendo se afirmar, apresentando-se como dizem os politógos como uma manifestaçãpo de "democracia directa" mas ela tem a virtualidade de uma outra reflexão.Habitualmente, do poder representativo de uma lei, sabemos pouco porque ela está sempre sufragada pelas eleições legislativas que determinaram a composição do parlamento e fazem supor que , até se realizarem outras, esse poder se mantem intacto.Porém, com o referendo sabemos a percentagem de adesão de um povo a uma lei e este desvendamento nos casos em que a abstenção é grande e em que as posições em disputa se resolvem num conflito de margem de resultado próximo, denuncia a fragilidade que a sustentará mas também constitui um verdadeiro alibi de consciência para o poder central que descarta o ónus de legislar e a responsabilidade para quem foi investido.A invocação de razões de consciência ou de interesse nacional para referendar uma matéria, se tem a aparência de uma uma fundamentação irrepreensível não inviabiliza a evidência de que a consciência não se referenda e na génese as leis são mais resultado da vontade e da conveniência política que da consciência dos povos.A consciência, é uma lição da história, é aquilo que pode tornar justas todas as leis quer pela sua obediência, se forem justas, quer pela forma como a generosidade se organiza para evitar as consequências criadas por essas leis, se injustas.Por isso, em dia de referendo, a consciência vai para lá do voto e mobiliza a cidadania de cada um para um momento posterior. Para quando esta lei ou qualquer outra criar uma injustiça e cada um for chamado, em consciência, a intervir na realidade com os seus gestos sem ter de pedir informações prévias ao Poder Central.
Muito bem!!! qualquer dia, não só hisdtórias de encantar, como também uma UNIVER(salidade)SIDADE ABERTA!!!O bom que tem este espaço, que pode colocar em comum, saberes e experiências de diferentes pontos de vista.
agdasilva
Reassunto
« em: Janeiro 30, 2007, 05:05:26 »
Há um assunto em que penso e repenso tanta vez que à força disso se tornou numa matriz de reflexão na qual se cola quase toda a actividade interior num fenómeno semelhante ao da planta de aniz metida nas garrafas de "escarchado" e onde, com o tempo, à volta dela, se vão formando pequenos cristais até a cobrirem por completo de uma filigrana açucarada e transparente.Esse assunto, que versa a matéria dos príncípios e convicções, quando da nossa relação conosco e com os outros, e que mede o seu significado útil e o seu sentido prático, ocorre-me das mais diversas formas e acabo por me dirigir sempre para lá, talvez persuadido que é aí que reside alguma verdade do que somos.No rasto ainda aberto da memória deixada pelos recém partidos recordei uma história antiga de uma raposa e de um lobo que a minha mãe me contava e que sempre tomei por ser oriunda da respiração dos barrocos mas que um escritor italiano assegura ter origem em Nápoles.Recordei-a não só para a não deixar perder mas porque me lembrou, outra vez,que num mundo de gente a distãncia ou a proximidade a que estamos de nós mede-se sempre por aquela a que estão os outros que nos rodeiam.Conta-se assim:Era um vez um lobo e uma raposa que, mais que o serem, se diziam compadre e comadre.O lobo, sentindo com o seu faro um cheiro de ovelha e disse à raposa que ia dar uma volta pelos campos no fito de algum rebanho que lhes aliviasse as fomes.Foi, descobriu um rebanho e tinha acabado de apanhar um cordeiro quando teve de fugir com ele presoa nos dentes, mas não tão rápido que se tivesse livrado de apanhas umas valentes pauladas que o deixaram de cama uma semana.Na reflexão da convalescença pensou para si que ficaria só para si com o cordeiro e que tal era inteiramente justo porque tanto lhe tinha custado a obter.E assim o guardou e o comeu nos entrementes em que, a raposa, desavinda de fome lhe perguntava se tinha tido sorte na caçada, respondendo o lobo que essa era empresa impossível e que melhor era fiarem-se noutro meio de ganhar sustento.A raposa percebeu que a oração do medo e da penúria que o lobo intentava não correspondia ao resfolegar das tripas numa digestão farta do finório, e resolveu logo ali para si tratar de uma respostá à altura.Descobriu ela, a raposa, nas suas voltas pelos montes, um esconderijo cheio de mel que tinha sido enterrado pelos contrabandistas e foi logo contar ao compadre a descoberta dizendo-lhe que um dia daqueles teriam de lá ir para se satisfazerem. Porém, não esperando por essa hora, voltou ao lugar do mel e lambuzou-se até se fartar.O lobo ainda meio estropiado perguntava à comadre quando iriam ver daquele mel apetecido mas ela respondia que era lugar distante e que por isso melhor fora que ele recuperasse de vez.O lobo ainda perguntava por onde tinha andado a raposa que tanto tempo estivera fora mas ela , com ar de grande solenidade apenas respondia que tivera de ir ser madrinha a um baptizado e que o afilhado se chamava "Comecei-te".Não muito tempo depois, já terminado o cordeiro, o lobo voltou a perguntar à raposa quando iriam ver do mel, mas ela que tinha andado arredada nesse tempo reconfortando-se na doçura do mel, respondia de novo que o lugar do esconderijo era longe. E questionada sobre por onde andara, desculpava-se com a responsabilidade de um outro baptizado numa outra terra e em que o afilhado se chamava "Ameei-te".Acabada a paciência do lobo, da mesma forma que entretanto a raposa acabara o mel, perguntou de novo aquele a esta quando iriam ver do mel e , então, teve a resposta esperada de que a jornada se faria no dia seguinte.A curiosidade do lobo que sentia a raposa arredia ainda fez com que se interessasse por saber por onde ela tinha andado ultimamente, fazendo notar com a pergunta que não engolia a desculpa de um outro baptizado, mas a resposta veio com a justificação de uma viagem necessária a uma terra de nome "Acabei-te".No dia seguinte lá partiram e à medida que o caminho se alongava com as lamúrias do lobo, a raposa lá ia explicando que era lugar distante.Chegados ao alto de um monte a raposa exclamou que era ali e que aquela terra se chamava "Acabei-te" sem que de nada suspeitasse o lobo que naquele momento apenas pensava no mel.A raposa disse-lhe então que fosse ele à frente que ela ficaria a vigiar , não fosse caso de virem os contrabandista o o desgraçado lá foi não futurando que os donos do mel,que o tinham visto desaparecer, estavam por ali emboscados.Chegado o lobo, encontra os cacos sujos de mel e esfomeado que estava, ainda teve tempo de dar umas lambidelas, antes de lhe cairem em cima uma chuva de paus que o moeram da cabeça ás patas.Quando o lobo conseguiu escapar e se escapuliu para o lugar onde a raposa se encontrava, para ambos se porem em fuga, esta, que a tudo assitira, fingindo ter deslocado uma pata gania a cada passo dizendo-se incapaz de continuar a menos que o lobo carregasse com ela no lombo.Olhando a lentidão da raposa e temendo que fossem apanhados e levasse mais pancada, o lobo anuiu, mesmo assim, em levá-la às costas.E assim foram indo enquanto a raposa cantarolava "ramerã ramerã o coxo leva a sã".O lobo perguntava porque é que ela cantava aquilo mas a raposa respondia que a canção era assim e que a cantava para lhe alegrar, a ele, o caminho.Chegados a casa o lobo que tantas tinha levado e outro tanto se esforçara para carregar a raposa no lombo, caiu como morto e morto ficou no mesmo momento em que a raposa saía pelos campos, reconfirmada de uma esperteza que lhe permitiria, em breve, uma outra cumplicidade com um bicho mais tolo que ela, mas falha da sabedoria que lhe permitisse descobrir que o gosto e a substância do que nos alimenta não está naquilo que comemos mas naqueles com quem o comemos.
a minha história, ouvida na infância, era também de um lobo e uma raposa, em que ela dizia: rão, rão, o doente leva o são.... mas em tudo com a mesma intenção.Mais uma das histórias de encantar. Um abraço!!!
agdasilva
Reavivando a memória a expressão que a minha dizia era "rã rã rã rã o doente leva a sã".E assim fica a minha memória restaurada mais fielmente.Um abraço Agostinho.
Mais que uma história de encantar é um boa lição pra cada um de nós. Pensamos que carregamos os fracos, mas somos nós quem está doente. Lembrei-me da passagem de S. João, capítulo 9, em que narra a cura do cego de nascença. Ele era cego, mas Jesus deu-lhe ñ só a cura física como tb a a cura espiritual, "Eu creio Senhor!". Um bom dia prós cibernautas jarmelenses.
Marco Alex. Pereira
Só te posso ler aqui embora te «leia» noutras paragens e sobre assuntos que cada vez mais se tornam desinteressantes (é o factor idade...).Todas as quintas-feiras te recordamos em grupo e és falado, anotado e comentado, daí a importância da tua fábula, não porque andemos a comer às escondidas uns dos outros, mas porque gostamos de comer todos juntos, uma vez por semana, como sabes, preservando assim os velhos hábitos de uma secção da Confraria que teima em manter-se firme e queda, embora lhe falte uma parte da Alma que se lhe escapou, mas que queremos que volte, esperamos que volte...aliás, precisamos que volte...Um grande abraço e, já agora, não demores...
Sepia
O Farol e a âncora
« em: Janeiro 22, 2007, 04:41:30 »
Gente como os demais , nascidos de gente.No portilhão da entrada, nos primeiros momentos de vida, deram-lhes, por um instante breve, o escasso poder de serem logo grandes e crescidos, de uma transparência nítida feita de sabedoria e que lhes permitiria responder a uma pergunta que o guardião da porta está incumbido de fazer e cuja resposta seria, depois, gravada numa núvem e deixada pelo tempo fora ao sabor dos ventos.Âncora ou farol? Era esta a pergunta a que cada recém nado respondia distintamente sem engasgo e sem entrave, embora, depois de dada a resposta, regressasse ao seu estado de insoletrado e de original ignorância.O tempo voou por cima das portas que se foram abrindo e fechando com a cadência das aprendizagens e quanto mais sabia, agora homem feito, mais sentia no alto da cabeça , por de dentro, uma luz intermitente que ora alumiava ora escurecia um horizonte, por vezes visto com a nitidez dos sentidos, outras tantas adivinhado pela intuição que só uma insatisfação carregada de esperança ou de atrevimento é capaz de elaborar.Do mesmo jeito, se a cabeça incandescia de luz e de penumbra intervalada, os pés sentiam crescentemente um peso que tolhia os passos e que fazia da reflexão uma imobilidade dorida quando não angustiada.Aprendeu a viver com isso e já o fazia com tão grande habilidade que conseguia despensar nos pés quando a cebeça era mais cintilante e alhear-se da cabeça quando os pés se lhe afundavam no chão.Os custos eram evidentes.Fazia aproximar na mesma medida em que não se aproximava.A solidão crescia e com ela o desconforto de saber que ia crescendo mais e mais numa miragem de olhar distante que trocou o perto pelo longínquo.Um dia, de desgaste ou desencanto adormeceu e quando voltou a si, era apenas uma pedra sobre um monte sem luz de feitiço e sem pés que se afundassem vendo apenas passar sossegada à sua frente uma núvem branca e inescrita, reconhecendo por um instante breve naquela transparência nítida a sabedoria de uma resposta que nunca dera a nenhum guardião de portas.O silêncio do vento trazia de longe murmúrios.O som cavo do aço afundando-se pela terra e que em vez de se prender a ela, deslizava para diante abrindo-a como quem revela segredos ou corta o pão.Sossegou-se na núvem e com a força de quem a agarra, colheu dentro de si os cacos das palavras que ainda lhe sobravam lhe sobravam e ditou para que uma mão invisível escrevesse " Nem farol , nem âncora, apenas arado".Mais tempo passou por cima das portas e a pedra lá continuou em cima do monte , mas já não era ele que a habitava pois que nessa altura um caminho fundo e semeado mostrava distintamente o rasto , partindo lá do alto , encostadinho ao pinoco e perdendo-se num horizonte imenso, por detrás das nuvens, por dentro de nós.
Lá terei eu, qual peregrino que tem já alguma dificuldade em contar os passos que deu, mas que os tenta reconhecer apesar disso pelas marcas que em mim deixaram, de ir aí, subir o monte e sentar-me, sentar-me apenas, ainda que por alguns instantes, junto a essa sábia pedra. Terei, naturalmente, de contar com um guia, para não me perder nas encruzilhadas... Vai-te preparando Amigo.
DiogoLuís
Rezo, dobrado, aos Anjos da manhã.O céu é fosco e o coração sonoroComo a chuva que cai na telha vãE o verbo com que imploro.Terra de lume implantaO meu corpo de velhoEnrolado na manta.As minhas mãos estão postas ou podadas?Sou gente ou vide?O chão, com minhas folhas amontoadas,Do Inferno me divide. Mas rezo sempre, como o fio da fonteTeima na rocha viva ao mar viradaNa esperança de que um cântaro desponteE o apare ainda - ou a covinha breveQue, tremendo o queimor da água salgada,Ele próprio em pedra abriuComo na terra leve,Ajudado dos álamos, o rio.Vitorino Nemésio
Sura
A minha prece é um rioem que me prantoporque de dentro vem a água onde me lavoe é de lá que vem a vozcom que me ouçona hora decisiva que divideo que deixo para tráse o que trago.E a prece sobre o prantoé um soluçosaindo da raízteimando o medo, sabendo que tudo o que foiagora é tardemas esperando que o tarde seja cedo.
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Para!Ganha raízes,Sendo outro constantemente,Na alma constróis países.Porque procuras no vento,A razão de ser ou pensar?Como a vida se dá no olhar,Quando olhas e não vês,Não sabes que somos já três...Vê!Não são só marcas do destino,Feitas pelos pés no caminho, Que se estendem pelos montes,Em direcção às águas das fontes.Há também sulcos no chão,Apenas deixados pela mão,De alguém que na pedra parou,Se sentou e meditou,Para encontrar seu sentido.Por isso desenhou, por vontade,Com sua mão, sem idade,Uma nova seta a prumo, Que indica um outro rumo.Também desenhou outros montes, Que via existirem lá longe,Para além dos horizontes.Por isso, tu sabe-lo bem,Se deixam as marcas que tem, Para o vento que as traz !
DiogoLuís
Sinto-as secas, às palavras.Sinto-as secas, àsperas.Mas quentes.O silêncio, esse,É húmido,Secreto.E frio.É frio: o silêncio, e a Lua.É fria, gélida, a minha mão. É fria a vossa.É fria a borda da cama,A ponta do lençolE as pontas dos dedos roxos da madrugada.É fria a parede, frio o chão,Fria a pele nua do orvalho onde se banham.São frios estes silêncios de água e pedra.Frio o silêncio de quem esperaE não encontra.Frio o quarto onde as palavras se gritamE, gélidas, se condensam em gotasSobre a fria superfície central dos olhosOnde afluem os quentes afluentes do Aqueronte.Frias são as mais quentes das minhas palavras,Porque são secas,Ásperas.Como elas são,Sem a suave humidade dos lábios que se molhamNo sacro cálice do segredo.Palavras, como elas sãoAntes de serem ditas:Quentes, secas, ásperas.MalditasPor serem quentes.AbençoadasPor serem friasComo o silêncio.
Sura
O regresso do MIMGANÇO, é sempre motivo de mais e mais leituras no Fórum !!! As reflexões dele, sempre muito ao seu jeito: BOAS.Um dia destes, damos com ele e com os seus amigos da zona sul, a fazer um ensaio sobre a VERDADEIRA HISTÓRIA DE INÊS DE CASTRO.....Um abraço!
agdasilva
A casa
« em: Janeiro 05, 2007, 04:36:58 »
Era uma vez um homem que não tinha nada e sonhou ter uma casa onde pudesse abrigar aqueles, poucos, que o visitavam.Porque a finalidade faz o objecto e ser barraca ou catedral, o segredo da obra está tanto na mão do construtor como na daquele que precisa de abrigo para dormir ou para rezar,pondo palavras alinhadas sobre outras tantas, vindas daqui e de nenhures, aos poucos, no cimo do monte (porque tudo o que acontece de importante a um homem se passa no cimo de um monte) foi surgindo uma construção que a chuva foi tornando estanque e o vento foi cobrindo de quentura e que passou a ser um abrigo seguro para os que ali passavam.Era pequena, numa lição de que a casa de alguém deve ser menor que o coração do dono, e nessa exiguidade coube sempre mais que o desejo de a aumentar, a evidência que todos nela cabiam.Sabe-se lá porque razões tamanhas, as palavras que faziam de tábuas foram substituídas por tábuas que não tiveram o poder de palavras e nem mesmo o aquecimento instalado e a fofura dos assentos mandados vir de fora por um preço muito em conta persuadiram a entrar todos quantos ali tinham feito a sua morada.As razões eram muitas, desde a facilidade de acesso, agora que a porta tinha campainha inglesa e era preciso limpar os pés à entrada; até à humildade própria de outros que que viam no palacete uma restrição e não um convite.Diferentes foram as minhas razões porque deixei de encontrar em mim palavras que tivessem a generosidade dos abrigos e que por isso pudessem ser ditas em voz alta e, também, porque o meu edifício foi atingido por um meteorito que criou um buraco por onde entrou um dilúvio e por onde, só agora, começa a entrar uma claridade transparente que me deixa ver no cimo do monte uma outra casa no lugar onde estava o meu presbitério de afectos.Olho para ela.Não gosto de campainhas nas portas...Não gosto de tapetes na entrada porque a limpeza está nos passos que aqui me trazem e não nos pés que os percorreram...Não gosto sobretudo de saber que lá de dentro retiraram os móveis que eu já conhecia e onde guardava as côdeas que dias mais tarde ia roer com a alegria dos banquetes...Olho para ela com a nostalgia de saber que um lugar onde já morei e era abrigo de montanha para pastores e caminhantes foi convertido num pavilhão multiusos mas de onde naem saem ecos de vozes que reconheceria mesmo nas noites mais absurdas de silêncio.Quase tenho vontade de passar adiante e de ficar ao relento encostado ao pinoco tendo na sombra dele a presença daqueles que agora não sei onde param, mas decido-me de um outro jeito.Assim não entro que não posso. Porém, vou buscar aos povoados do vale e arrebanhar nos lameiros tantas vacas quantas as que encontrar e meto-as dentro daquela construção e parto depois.Se porventura na distância a que andar ouvir o barulho dos chocalhos a chamar-me hei-de voltar e saberei que o bafo dos animais restitui de novo a humanidade dos estábulos e o cheiro do feno aos vernizes dos lacados das portas e dos soalhos do chão e então, não terei medo de trazer de novo a única oferta que o rei mago que sou sabe possuir: palavras que são a expressão do que sou e do que me falta e que entregarei a todos aqueles que sei que aqui hão-de regressar, não pela curiosidade dos turistas mas pela humildade de peregrinos.Um abraço.Mimgamço
Quando comecei a leitura, quiz ver o que no final concluí: o MIMGANÇO está de volta.Como estava o texto apresentado com o nome de Eu, provavelmente, porque não pôde entrar com nome Mimganço por causa da tec deste site....Logo que fui avançando na leitura, mesmo pensando que poderia não ser do Mimganço, esta também deveria ir para o canto das histórias de encantar.Obrigado por seres assim, estares aí !!! um grande abraço!!!
agdasilva
Não sei porque vim aqui hoje, nem sei se irei voltar, mas de certeza que não coincidência não foi não...Há coisas que nos fazem pensar, outras que nos fazem sonhar, e, outras, que nos fazem apenas acreditar que ainda é possivel acreditar...Para todos um bom ano e para ti mimganço, aquele eterno abraço e obrigada por estares sempre aí.
Sepia
Ele diz: creio na poesia, creio no amor, creio na morte,exactamente porque creio na imortalidade. Escrevoum verso, escrevo o mundo; existo; o mundo existe.Da extremidade do meu dedo mínimo corre um rio.O azul do céu é azul sete vezes. Esta purezaé de novo a primeira verdade, a última das minhasvontades.Yannis Ritsos
Sura
Ao longe, para lá das pedras enegrecidas do caminho, escondido entre a falta de verde do arvoredo desta época e oscilando com as rajadas do vento, viu-se de novo o letreiro que anunciava uma chegada ao destino.Quem será? - Ouvi eu perguntar repetidamente, na voz dos mais desatentos.Será de fora? - Disseram ainda outros ainda menos atentos.Mas porque voltou a fazer ouvir a sua voz, agora que reinava o silêncio? - Comentaram uns poucos, os guardadores das pedras caladas que cobriam com o seu manto a luz do horizonte.Eu nem quero saber! – Disseram, por fim, os mais esclarecidos do Templo.É Ele! – Concluíram, depois, outros tantos que seguiam como ele, pisando com os pés a linha do horizonte, alheios às setas dos caminhos.Pois que bem-vindo seja, sempre, quem nunca saiu de verdade.Bom ano para ti Mimganço.Um abraço.
DiogoLuís
Olha ele costumava eu escrever quando ele entrava e ele respondia-me: olha eu. Bom ler-te de novo "meu" contador de histórias. Um sereno 2007 para ti.Um abraço.
tsel1
eu já desconfiava !!! este que nos escreve estórias, é muito querido. Bastou ele voltar, para i site se animar ao nível das participações. Até parece que o interregno do site, coíncidiu com alguma pausa do MIMGANÇO.Cento e tal leituras, e isto ainda é o começo. A tranparência da alma que te habita, transmite um bem estar à volta, continua connosco, que penso estarmos todos contigo.Um Abraço!!!
agdasilva
Sta. Eufémia
« em: Setembro 06, 2006, 01:00:00 »
Santa Eufémia(da Calcedónia) celebra-se a 16 de Setembro e esta santa grega, precisamnte da calcedónia nasceu na Bítinia e aí terá sido matirizada no ano 310.Condenada por ser cristã, enfrentou torturassem renunciar o credo.Lançada aos leões, foi poupada por estes e os algozes acabaram por a matar de golpe de espada.Aparece representada com uma espada cravada no peito, dois leões aos seus pés, deitados, e ainda um lírio , uma palma de martírio e uma roda , numa alusão a um dos seus tormentos.E mais não diz a literatura, por isso podemos nós recriar com a actualidade devida o facto de ser esta santa de tão longe venerada nestas paragens onde os leõs nunca abundaram mas onde a fé nas convicções sempre foi sujeita a tanta tortura, onde os lírios do martírio bem poderiam ser substituídos pelos ramos dos castanheiros que também têm picos e onde a roda da sofrença é tão semelhante à das noras que por mais que rodem apenas mendigam um esforço de água que regue os campos e faça sair da secura do chão algum centeio que nos alimente a nossa fome de ser gente preseverante.
(...) Hás-de querer socorrer também: mas sejam apenas aqueles de quem compreendes a miséria porque só têm contigo uma mesma alegria, uma mesma esperança... que sejam os teus amigos; e somente da maneira como vens em ajuda a ti mesmo.""A Gaia Ciência" (Friederich Nietzsche)
Sura
O Restelo aqui tão perto
« em: Setembro 06, 2006, 01:00:00 »
O vento levou-me , como me leva todos os verões, surpreendendo e decidindo a minha hesitação quando chega o momento de saber o que hei-de fazer quando os deveres me largam e eu fico devoluto de vontades e de tempo.Então deixo-me ir julgando que as coisas que me custam a decisão são antes imprevistos de acontecer não anunciado a que chamo férias.Depois, acabam, e eu volto amim e ver-me no exacto lugar de onde parti , cumprindo a viagem e retomando as vestes.Também aqui regresso, satisfeito o interregno e o último ritual que é o de todas as férias acabarem no meio das pedras do Jarmelo, num silêncio que se prolonga até à frescura da noite, deixando a luz das estrelas bater nas folhas da cferejiera fronteiriça, e sem cuidar que em vez de escrever aquele momento é ele que me escreve a mim.E nessa luz e aragem são as vozes dos que foram meus que me visitam , é com elas que comunico e é dessa presença que me alimento, por
porque a terra que deu batata e pão e se apresta para dar as uvas, me dá também o eco inexaurido da sabedoria que no silêncio da memória se transmite.Agora regressei e o único chão dpo Jarmelo a que tenho acesso é este feito das palavras que leio e daquelas que sou capaz de escrever mas, no intervalo que ficou desde que parti apenas vejo impressa a preocupação genuína de realizar a quadratura do círculo como se um sonho tivesse contornos geográficos e organizativos que os divide em freguesias.Não gosto.Se o Jarmelo é mais S. Miguel ou S.Pedro, S. Gregório ou S. Serafim é questão de pouca altura e penso que na viagem que acabei de fazer e que me levou até aí e me trouxe, existe alguma semelhança com as empresas das caravelas quinhentistas.Só que nessas os velhos do Restelo falaram na partida mas não estavam lá à chegada , ou porque haviam morrido ou se haviam escondido de vergonha e, nesta viagem que faço , os do Restelo estão lá quando parto mas também quando chego , no cocuruto do mesmo monte, a zurzir as mesmas impotências embrulhadas em vaidade, desconhecendo que apenas podem dizer o que dizem porque falam daquilo que apenas se materializa no coração e na alma limpa de quem vê o que olha: o sonho.
Percebamos de uma vez uma coisa, se S. Miguel quer água , ruas e progresso e se S.Pedro quer outro tanto é inteiramente justo, mas o Jarmelo é mais que isso, é uma realidade que vive sobre a realidade sem se tornar num delírio de doidos.O Jarmelo é o que une para lá de tudo o que possa dividir.Nenhuma terra se chama Jarmelo, nenhum habitante tem e apenas pelo poder de nos entendermos gente de alma, capaz de mito e metafísica , de matemática e de sonho, poderemos alguma vez subir o monte e celebrar o que esse monte tem de único e que está acima de S.Miguel e S.Pedro.Percebamos uma coisa, quando subimos ao monte do Jarmelo mais acima que S.Miguel e que S.Pedro está o pinoco que não é um simples marco geodésico, é o padrão do descobrimento da alma de nós todos e o lugar onde naufragam todos os velhos do restelo.Se não percebermos isto, nunca perceberemos nada é é justo que o Jarmelo pereça , porque deixou de ter gente que seja capaz de um olhar lavado e de uma visão sincera, não sobre os outros mas sobre si próprio.Enfim, agora que daí parti...estou de regresso.
Não sei o que tenho, não entendo o que vi, nem sequer vejo transparentes as lembranças no que toco.São outras, eu sei, as palmas das mãos e de outros serão, também o sei, as marcas que deixaram, gravadas em cada pedra, em cada palmo de chão, em cada sombra das árvores.Mas, pergunto, se cada um teve o ensejo de construir aí os seus quadros, um a um, não será afinal a mesma a luz de que foram feitos?Alguns dirão que não sei do que falo.Que seja!Mas como brilham…E como reconheço em mim outras tantas lembranças. Mostrem-me então de novo os Vossos pergaminhos do tempo, sacudam-lhes o pó que fez neles marcas de penumbra e exibam-nos bem alto, lá no cimo do Vosso monte das venerações.Deixem que o vento leve para longe as poeiras que os cobrem, que enegrecem algumas páginas e lustrem-nas de novo, uma a uma, para que todas elas valham apenas pelo que são, iguais, sempre, mesmo nas suas diferenças, sem olhares furtivos nem pretensões vãs.É, não sei eu do que falo, dirão alguns. De novo...Que seja, então!Mas deixem então que outros o digam por mim…O mesmo abraço, como sempre Mimganço, agora que voltámos, novamente, às páginas que nos trazem outros…
Diogo Luís
Também não sei do que falo, nem sei sequer se quererei saber...Para quê saber, pergunto-me repetidamente, se a ignorância nos faz muito mais felizes que o conhecimento? A sabedoria é sempre uma fonte de mal entendidos...Perdi-me então nas palavras que polulavam no meu ecrã, procurando, sem êxito, descobrir o significado, por falta de tempo e também por falta de interesse, porque as palavras também dão azo a confusões e eu prefiro ter uma vida tranquila.Depois de me ter perdido completamente, fiquei arrependida, devia ter seguido o meu instinto ignorante, porque o Restelo, afinal, é mesmo aqui tão perto, lamentavelmente...
Sepia
Sépia,O entendimento - ver tb conhecimento - é uma vereda de via única, tão estreita que para por ela passarmos devemos despojarmo-nos de todo o acessório e futilidade. E sei que os teus pés por ela caminham...até porque dessa vereda sem fim não há retorno.
Mimganço, Questiono-me por vezes se a humanidade seria humanidade se não houvesse Restelos...
Snuf
Snuf,Também não sabes do que falas, e ainda bem, digo eu...ps: um abraço, gostei de te reler
Sepia
Identidade
« em: Julho 04, 2006, 01:00:00 »
Uma sombra sobre a superfície e esse sou eu.Ás vezes maior , ás vezes menor, consoante os caprichos da altura do sol, outras vezes dependendo dos caprichos daquele que o sol projecta.Se a identidade é a qualidade ou o carácter do que é igual, ou pelo menos semelhante, esse conjunto de características que nos torna autênticos e únicos, diferenciados e irrepetíveis, por vezes foge-nos sem que o saibamos e pior que tornarmo-nos iguais ao que não somos ou àquilo que outros são, é ficarmos reduzidos a um intervalo em que não somos coisa nenhuma , em que nos apagamos do registo das existências e passamos a habitar uma terra neutra sem que possamos certicar que somos quem somos.Cheguei ao carro, tinha o vidro partido, e por essa abertura estilhaçada tinha desaparecido a minha carteira com todos os meus documentos de identificação mais o telemóvel, que é por assim dizer a nossa actual memória de relação.O terem-me levado a carta de condução não me retirou a capacidade de conduzir e o facto de ter ficado desprovido de cartão profissional não me abrandou o trabalho nem me concedeu uma moratória nos deveres, contudo o despojo de tudo isto para lá de me ter convertido numa identidade de segunda via certificada em papeis sem valor que apenas atestam a espera resignada de que os outros, os verdadeiros, me sejam renovados, fez-me pensar que a nossa identidade vive de tal forma acomodada numa imensidade de cartões e documentos que aquelas características que fazem a nossa afirmação mais nobre e justa foram ultrapassadas ou, pelo menos, reduzidas a uma insignificância triste e contrita.
Para retomar o contacto com o mundo , onde o perdi, solicitei um novo cartão do telemóvel com o mesmo número e lá mo deram, mas quando pedi o bloqueio do equipamento pediram-me que provasse quem era. Disse quem era mas que o Bilhete de Identidade tardaria um pouco. Responderam-me que esperarariam até que eu voltasse a ser alguém.Não me fiquei e perguntei para que queriam uma exibição de um documento se eu continuava a ser o mesmo, e a resposta foi que precisavam de comprovar a minha assinatura.Pois bem, eu faria a assinatura, mas para tédio de quem me atendia e que começava a supôr que eu era um indescernido incapaz de perceber coisa tão simples, reafirmou-me que o que valia era a assinatura que constava no Bilhete de Identidade e nem se demoveu quando lhe disse que eu continuava a ter as mesmas mãos que fizeram aquela e outras assinaturas e que esta fonte não se havia secado.Pois que sim, que voltasse a ter o Bilhete Identificativo e que depois tratasse do assunto como o fazem todas as pessoas normais.
Quase que já me convencia de que o melhor era não sair à rua enquanto não tivesse de novo na posse de todas as provas que demosntrem a minha existência, numerada e registada nos arquivos do reino, mas ao vir aqui, e vendo o meu reflexo projectado no monitor,lembrei-me também da minha sombra andando no caminho em direcção do barrocal e como sempre achei que esse que ali via era a minha identidade mais genuina e então resolvi-me a quebrar este interregno de escrita porque, afinal, também aqui poderiam exigir a minha assinatura , tombada sobre a direita semelhante a um electrocardiograma curto mas de batida longa.Resolvi-me e bem, pela simples razão que não tenho nenhum cartão que atesta que sou mimgamço e isto, na contabilidade da minha existência, é ainda o mais que eu sou e aquilo em que me acho mais igual a mim...
Na insubsistência da sombrahabita o gesto largodo que fui e souespreguiçado no equilibrio dos enigmas.E a sombra procura a terraem que a raíz se firmepara dizer por dentro o que ninguem ouve.
Sem outra luz nem guiaexcepto a que no coração ardia.Mas esta me guiava, mais certeira que a luz do meio dia, aonde me esperava quem bem me conhecia.Citando de cor João da Cruz. Ele me perdoará alguma inexactidão pelo bem que é recordar-lhe, mimgamço, a sua autêntica identidade.
Sura
Decerto S. Joâo da Cruz , lá em Ávila, nos idos de 1542 em que nasceu nunca foi portador de um cartão de crédito ou de débito; nunca lhe atestaram a identidade num boletim e a maior maldade que lhe fizeram foi pô-lo na prisão, em segredo, para que não mais se soubesse da sua existência.Se foi preciso partirem-me o vidro do carro para que eu tivesse de me lembrar que é o coração ardendo que alumia o pouquinho que somos, já não dou por prejuízo toda a reflexão que tive de fazer em torno do que é essencial e provisório, para que o desconforto se não convertesse em abatimento nem o despojamento em carência . "Nessa noite ditosasecretamente que ninguem me viade nada curiosasem outra luz nem guiasenão que no coração me ardia.Só esta me guiava mais segura que a luz do meio diaaonde me esperavaquem eu já bem sabiaem parte alguma ninguem aparecia"Noite escura de S. João da Cruz
Ditosa alma aquela que mais não sabe de identidades do que de presunções, abdicando de sermões e água benta...Prefiro que não saibam quem sou a querer que saibam eu ser quem não sou.
Snuf
Uma luz no fundo do poço
« em: Julho 06, 2006, 01:00:00 »
Era uma vez um reino no meio das areias que tinha entre outros, um poço fundo, ao fundo do qual nenhuma corda chegava. Por cima das areias corria sempre um vento quente como guardião da lisura e escultor das formas, fazendo que permanecessem nas tendas os habitantes desse reino. A pobreza do lugar tinha como contrapartida a paz que aí se respirava e essa paz era geradora de sabedoria. Nesse reino todos eram sábios e, como sábios, nada faziam, alimentando-se dos clarões de luz e da suspendência da ventania e de nada mais precisavam. Diziam que no poço se guardava o segredo da criação e por isso mesmo, desde os confins do tempo, em todas as famílias se guardava um pedaço de corda que se afirmava ser um fragmento daquela que servira, então, para retirar do fundo do poço o segredo de poder viver em paz naquele lugar mas que fora partida e distribuída para que ninguém por si só pudesse obter outro sortilégio em prejuízo dos seus semelhantes. Mas a curiosidade que é mãe de toda a sabedoria é ao mesmo tempo madrasta de todo o atrevimento e fonte de toda a ambição. Achmed, sabendo que em cada família se guardava esse pedaço de corda que junto a todos os outros poderia atingir a fundura do poço, urdiu um plano para se apropriar de todos eles. Fingiu-se profeta e portador da revelação e foi -lhe por aí fácil de realizar os seus intentos. Ao fim de uns poucos de dias, a troco de curas de males, a prazo, e de espantamento de espíritos, a termo incerto, Achmed tornou-se senhor de um cordame tão longo que nenhuma estrada rivalizaria com ele e, desta forma munido, aproveitou a escuridão da noite para descer por ele até ás profundezas da sua cobiça.
Descia travado pelos nós que o sisal grosso formava como patamares e ofegava tanto de esforço como de sobressalto. Sonhava com fortunas em pedrarias e ouro como aquelas que via nos baús dos mercadores que de quando em vez passavam pelo deserto nas suas rotas e já se via, também ele, a bambolear sobre um camelo percorrendo os mesmos trilhos. Olhava para cima onde um ponto minúsculo de luz da lua indicava a abertura e, por baixo, nada se lhe desvendava . Pareceu-lhe ouvir uma voz e, de repente, ficou sem saber se haveria de continuar a descida ou se, respondendo ao apelo do seu temor, se deveria empreender a subida. Estava ele nesta dilemência quando, audível , decifrou o chamamento do seu nome sem saber se vinha de cima ou de baixo: - Achmed , Achmed. Atarantado e zonzo, pendurado como um cometa paralítico num céu oblíquo, apenas conseguiu forças para responder: - Dizei, sejais vós quem fordes. As palavras de Achmed separaram-se em duas partes, metade subindo e a outra descendo como que da mais pesada se desprendesse a leveza flutuante de uma outra que se esgueirava até à superfície. Retesou os músculos e iniciou o regresso à superfície onde era esperado pela curiosidade dos que havendo dado pela sua falta e tendo reparado na corda que se afundava pela boca do poço, ali tinham feito vigília e gritado o seu nome.
Mal a cabeça de Achmed surgiu na embocadura foi saudado com o silêncio mais profundo e a atenção mais reverente. - Trago-vos notícias do poder que revolve a terra . -Trago-vos o espanto de um segredo esquecido há séculos. E assim continuou Achmed, pelo dia todo, aquela jaculatória de dizeres tão pródigos. E quando chegou a noite, sobre aquele reino das areias , havia já um califa vestido de seda e enturbado de riquezas seguido por uma multidão que o adorava, olhando no fundo dos poços a luz que lhe prometiam ver se fechassem os olhos e assim cegos, deixassem as suas tendas.
O monte cheio de vozes
« em: Junho 07, 2006, 01:00:00 »
Na sóbria sobranceria que se conquista quando se está a uma altura a que o silêncio chega depurado de tudo o que o entope e o reflexo do que somos se pranta aos nossos olhos sem artíficios ou desculpações, aquele monte entalado entre o nada e o nenhures, resitira séculos a um vento erosivo que o deserdara de festejos, e adormecera num sono profundo, mais forçado que apetecido.Ninguem se atrevera a acordá-lo, porque bem se sabe que para acordar um monte não chega o som dos passos de quem o ame por cima dos caminhos nem a memória das pedras das casas que nele tombaram, por dentro delas não haver alma que as sustenha de pé.Adormecem os montes e secam as fontes; crescem as ervas nos carreiros e até os animais esquecem que aquilo é chão de pasto mas as histórias não têm que por força terminar deste jeito , fazendo mais pequeno o mundo só porque o espaço da nossa memória se vai virando para ps lugares de multidão.É a voz da gente, que gritada no alto dos penedos tem o dom de acordar tudo o que dorme e se retesa numa preguiça sem regresso. E se a esse grito se juntar o daquele que ouve e se põe a caminho acaba por existir um momento em que o monte se enche de vozes e em que nós acreditamos que é a eternidade que a terra guarda que nos dá sentido e nos deixa ver o lugar a que pertencemos.Estive na festa. Vi vacas, bichos e gente, mas o mais que eu vi foi um monte cheio de vozes numa festa que o coração agora repete, pedindo mais, pedindo-me muito mais...
A vida é feita de nadas.De grandes serras paradas(/)À espera de movimento;De serras onduladas(~~)pelo vento;De casas de moradiaCaídas e com sinaisDe ninhos que outrora havia nos beirais;(»»)De poeira;De sombras de uma figueira;De ver esta maravilha:Meu pai a erguer uma videiraComo uma mãe que faz a trança (§§) à filha.Miguel Torga Buarcos 1937
neófito
«(...) Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos.(...)».Antoine de Saint-Exupéry, O principezinho
Sepia
Somos nós os culpados do que somos.´E é de mim que me queixo.Tão intensa foi sempre a minha voz,Que ninguém a entendeu.por isso quanto mais água pedi,Mais distante me viDe cada fonte que me apeteceuE agora é tarde, já nem sede tenho.Ou tenho-a como os cactos:Eriçada de espinhos.Olho de longe a bica tentadora,Adivinho-lhe e a frescura,E é de borco na areia abrasadoraQue refresco a secura.Miguel Torga
néofito
Texto mimganço, não corrigido
« em: Maio 20, 2006, 01:00:00 »
" Hoje tombo será festaporque toda a alegria, será chãoporque toda a palavra, será vozporque todo o som atingirá o seu destino... Todo o corpo será território de abundânciaporque todo o gesto será conquista de outra terraporque toda a espera será o tempo de uma história porque todas as sombras serãoo outro lado da imagemporque toda a luz se devolverá sem um reflexo Hoje, apenas hoje,Tudo o que existe, existiráporque acreditar no futuro é toda a forçaque existe no presente."
O primeiro verso é mais : "Hoje todo o tombo será festa..."
A festa
« em: Maio 23, 2006, 01:00:00 »
De véspera sabiamos que era sempre assim...Ninguem se oferecia para mordomo das sortes mas para escachar uns granelos de pedra na moleirinha daqueles em quem viesse a recair a obrigação de botar os foguetes, havia sempre uma mão cheia de voluntários, esboroados de vontades em meter o cisco no olho alheio para não terem de ver o alqueire escarapachado no seu.Não havia novidades nessas matérias como também as não havia na artrite crónica do gesto generoso sempre que se aproximava o tempo de prantar no terreiro as grades dos animais ou de colorir de festivo traje a alameda que levava ao terreiro da romaria.Era grande a fé daqueles que julgavam que os duendes das histórias da criançada estão sempre disponíveis para, na noite que antecede os arraiais, fazerem de bom grado o que a preguiça dos graúdos omite e talvez por essa razão ninguem suspeitaria que era já ali, ao virar do calendário, que uma vez mais se repetiria a teimosia dos cantos, dos tambores e dos encontros, tudo numa fervura destilada de bons ventos.Mas com razão ou sem ela , certo é que que os duendes, ou lá como chamam a esses criaturos de barretina de guizos, existiam mesmo e todos os anos, com o sincronismo de um badalo de campanário, acabavam por se render e preparavam , eles e só eles, o adro da Feira, que depois se enchia das vozes de outros mafarricos até o pôr do sol desfazer em cacos e ecos mais uma jorna de convívio largo, retemperador de todas as moléstias.
Porém, da mesma forma que tudo o que é constante é berço de incertezas por rebentar, naquele ano, a duendagem, prevendo a lenga lenga do " ora faz-se assim ora fazei vós", antes de se pôr a caminho, carregou nos fundilhos dos bolsos cascas da árvore da verosimelhança, apenas existente lá nos bosques de onde vinham, dispostos a venderem a preço justo os favores dos seus ofícios.Na véspera dos festejos, porque é sempre na véspera que acontecem todas as coisas que não esquecemos, como sempre, limparam os gnomos as silvas dos caminhos; pintaram as grades de cerro dos animais; enfeitaram de papelagem os ramos das árvores mas, antes de cairem no mesmo sono de cansaço que sempre os impedia de ver a festa, desceram eles pelos povoados e foram deitando a esmo, no feno dos animais que no dia seguinte estariam na mostra para impo dos donos, os pedaços de casca que haviam trazido.Depois sim, baldadinhos de todo, agachados em cacho como as uvas, deixaram-se dormir na fofura de um lameiro, longe dos olhares, sabendo que quando acordassem estariam de novo na sua terra.Amanheceu.O terreiro foi-se encenhendo de vozes, de balidos e muaços e o movimento das vacas , das ovelhas e das cabras , foi ganhando a cadência da tagarelice ronfeira dos donos, fazendo questão de confirmar que o que de mais humano existe num homem
Porém, da mesma forma que tudo o que é constante é berço de incertezas por rebentar, naquele ano, a duendagem, prevendo a lenga lenga do " ora faz-se assim ora fazei vós", antes de se pôr a caminho, carregou nos fundilhos dos bolsos cascas da árvore da verosimelhança, apenas existente lá nos bosques de onde vinham, dispostos a venderem a preço justo os favores dos seus ofícios.Na véspera dos festejos, porque é sempre na véspera que acontecem todas as coisas que não esquecemos, como sempre, limparam os gnomos as silvas dos caminhos; pintaram as grades de cerro dos animais; enfeitaram de papelagem os ramos das árvores mas, antes de cairem no mesmo sono de cansaço que sempre os impedia de ver a festa, desceram eles pelos povoados e foram deitando a esmo, no feno dos animais que no dia seguinte estariam na mostra para impo dos donos, os pedaços de casca que haviam trazido.Depois sim, baldadinhos de todo, agachados em cacho como as uvas, deixaram-se dormir na fofura de um lameiro, longe dos olhares, sabendo que quando acordassem estariam de novo na sua terra.Amanheceu.O terreiro foi-se encenhendo de vozes, de balidos e muaços e o movimento das vacas , das ovelhas e das cabras , foi ganhando a cadência da tagarelice ronfeira dos donos, fazendo questão de confirmar que o que de mais humano existe num homem reside no animal que lhe dá o ganho.
À hora aprazada, mais coisa menos coisa, desenfastiado o estomâgo e destemperada a língua, começou então o cortejo da visitação ao gado e aí é que foram elas...Mansos como sempre, os olhitos dos animais fixavam-se em quem os olhava e o poder desse simples olhar, retribuído ou pela inveja ou pelo pasmo, começou a causar em quem os via uma urticária tão fina e uma transformação tão subtil que, não tardou um sopro de boca, toda a gente que era gente se haviar verosimilhado e em vez de voz, agora, balia e muava, enxotando as moscas com a cauda ou caganicando de nervos o chão de laje.Por sua vez, os que antes estavam nas grades dando aos badalos, ostentavam orgulhosos as fatiotas de gala dos que haviam sido seus donos e então é que se ficou a saber que nunva houvera havido uma festa tão rija como aquela.Pela primeira vez todos cantavam,dançavam, se saudavam e, pasme-se, todos se mostravam agradecidos a um punhado de duendes que lhes haviam aberto num dia no ano uma fenda colorida na cinzentura do horizonte.Ao pôr do sol , o efeito das cascas da árvore da verosimelhança desapareceu, mas nada ficou como dantes.Claro que quem era animal voltou a ser animal e que quem era gente voltou a ser gente mas a partir desse dia estes últos passaram a ter mais tento na língua, sabedores que eram agora que quem vê nos outros aquilo que inveja, pode bem transformar-se naquilo em que sempre foi...
Estava convicta de que o que de mais humano existe no homem seria o riso...A inveja é uma das paixões humanas mais universais e com raízes mais profundas. Todos passamos por ela, mais tarde ou mais cedo, todos temos de lutar para que ela não se instale em nós, porque ela afasta o ser humano de fins nobres e torna-o profundamente desgraçado.A inveja acontece porque somos incompletos, ao invés, porque não é mais positivo realçando a emulação?Crê que a imitação de quem reconhecemos ter uma maior riqueza espiritual, p.e., é inveja ou emulação? Gostei de "A festa" com música, vozes e cores!
Sura
ah !ah! ah !Ninguém diz melhor dito que Mimganço...Fizessem as suas sábias palavras caminho por entre as menos elevadas atitudes de todos nós e seríamos exemplos de santidade desempoeirada.À Sura: Creio que a IMITAÇÃO de qualquer riqueza espiritual alheia nunca passará de uma réplica melhor ou pior conseguida, ao género da contrafação. Enquanto a aparência não passar a essência, nada feito. Quando se chegar à essência, não é imitação, não há emulação e a inveja saltou para o outro lado da cerca onde apenas é satisfação pelo êxito do semelhante.Porém, concordo plenamente quando refere que a inveja torna o homem profundamente desgraçado. Não tanto por afastá-lo de fins nobres, apenas por não saber valorizar o que tem, detem e o que É. E por levá-lo cada vez mais pelo caminho do que quer PARECER...
Snuff
o homem... pode não descender do macaco... mas que alguns ou parecem ou mereciam. hehehehehUm abraço pó minganço !!! e cá te esperamos !!!
ag da silva
Antes de mais , lá estarei. E de véspera como os duendes...Em segundo lugar e a propósito da inveja, creio eu , no despropósitos dos meus pensares , que o riso é o que mais humaniza o homem mas depende sempre de quem se ri e de como se ri.Quando referi que " quem vê nos outros aquilo que inveja, pode bem transformar-se naquilo em que sempre foi... " mais não pretendia significar que muita gente existe que faz da cegueira um exercicio da existência tão completo que apenas já só consegue ver aquilo que os outros são, não para lhes seguir o exemplo mas antes para fazer do que veêm objecto de escárnio.A árvore da verosimelhança, semeada na história, queria eu que fosse um anelo de ironia , funcionando como reflexo de espelho e não desejava o entendimento segundo o qual aqueles que miravam os bichos os pretendessem emular.Em suma, se de manhã, em vez de papas Nestlé começarmos a comer casca daquela mesma árvore talvez consigamos devolver com o nosso olhar, aos outros, não o que eles invejam mas sim o que eles poderão imitar.
essa da Nestlé.... publicidade subliminar !!!! TSEL !! hehheheheh
ag da silva
Bem haja.Embora a emulação na fidelidade em certas espécies animais não fosse de todo desprositada, parece-me... Que a vossa festa seja recheada de árvores/espelho podendo devolver-vos a Alegria com que os duendes a preparam.Bem haja.
Sura
O silêncio das estações
« em: Maio 07, 2006, 01:00:00 »
O Inverno rendeu-se, debotando em chuva os últimos suspiros de se saber no fim e a Primavera veio depois chapinhar nas poças um início promissor fazendo as giestas e as estevas desvendar as cores de que são feitas para lá da sobriedade do verde em que sempre teimam.Tanto o Inverno como a Primavera nos lembrarm porém que estamos vivos e que viver pouco mais é que transcender o tempo e que esta superação existe quer na fé que temos no presente que vemos e palpamos, quer no passado que se vai acrescentando daqueles que ficaram para nós como memória e que são o silêncio que habita o intervalo das nossas palavras.Em cada nova estação, no exacto dia em que ela começa, podemos, por um poder prodigioso que se vive mas que se não explica, nascer de novo na forma do primeiro daquele que encontrarmos.Gente há que com o medo de se cruzar nos alvores dessas manhãs com quem não quer e assim ter de viver a estação inteira, prefereestar fechado em casa, futurando a melhor hora de sair e daí que , geralmente, quando se afoita , é de noite e apenas herda as sombras da lua.Outros, de tão descautelados, levantam-se ainda pela madrugada e precipitam-se para a rua com a mesma impaciência com que o fazem os garotos para a chaminé em dia de Natal, e ao contrário destes, a esses outros cai-lhes em sorte viver toda a temporada com cara e alma de pegada em caminho deserto.
Desta vez ignorando o que sabia quando saí à rua o sol ia alto e apenas pude ver no chão a minha sombra e por isso, até ao Verão que aí vem, terei de ser igual a mim só que de tamanho tão variável quanto a incidência do sol, mas invariavelmente silencioso como ele.Quem me dera que estivesse aí, no Jarmelo, nesse momento. Poderia ter saído de casa sem me preocupar com quem ir ser, porque de tão escassa gente, nesse ermo do mundo ainda existe , no fundo, em todos, por mais que uns queiram e outros não, alguma coisa que nos torna iguais, num tempo próximo em que o silêncio dos dias escuro se desanuvia e se converte em festa, que começando lá no cimo do monte escorre até quem está longe.
Canto.Mas o meu canto é triste.não sou capaz de nenhum outro, agora.Em cada verso chora uma ilusão,tolhida na amplidãoque lhe sonhei...Felizmente que seicantar sem pressa.Que sei recomeçar...Que sei que há uma promessano acto de cantar.A. Rocha
Sura
Avé Minganço!!! atão no Domingo vens ao passeio btt ?? um abraço!!!
ag da silva
Porque a forma das coisas lhe fugia,O poeta deitou-se e teve sono.Mais nenhuam ilusão lhe apetecia,Mais nenhum coração era seu dono.Cada fruto maduro apodrecia;Cada ninho morria de abandono;Nada lutava e nada resistia,Porque na cor de tudo havia outono.Só a razão da vida via mais:Terra, sementes, caules, animaisDescansavam apenas um momento.E o vencido poeta despertouVivo como a certeza de um rebentoNa seiva do poema que sonhou.Miguel TorgaP.s.: a natureza é sábia...
neófito
ARTE POÉTICAQue o poema tenha carneossos vísceras destinoque seja pedra e alarmeou mãos sujas de menino.Que venha corpo e amantee de amante seja irmãoque seja urgente e instantecomo um instante de pão.Só assim será poemasó assim terá razãosó assim te vale a penapassá-lo de mão em mão.Que seja rua ou ternuratempestade ou manhã claraseja arado e aventurafábrica terra e seara.Que traga rugas e vinhoberços máquinas luarque faça um barco de pinhoe deite as armas ao mar.Só assim será poemasó assim terá razãosó assim te vale a penapassá-lo de mão em mão.(Hélia Correia)
Ginja
A marcha do tempo
« em: Abril 16, 2006, 01:00:00 »
O tempo não se desembrulha em horas , nem em minutos , nem em segundos e tão pouco tem a forma circular que de forma enganosa quase todos os relógios (com excepção dos solares) sugerem.São os nascimentos e as mortes que dão ao tempo aquilo que ele tem de significado e de intervalo, pois ele é apenas feito disso mesmo: de ocorrências e intervalos, numa linha recta que se prolonga na direcção, ou do infinito ou da eternidade.Do Natal à Páscoa vai um intervalo tão grande como aquele que sempre existe entre o nascimento e a morte mas cada um destes acontecimentos vem carregado de uma memória tão podrigiosa que nos convida a viver cada momento do presente como uma janela na direcção do passado e do futuro.O sabor do folar que hoje comemos já não é trazido pela fidelidade a uma receita mas esta transformou-se já numa espécie de oração em que a farinha , o azeite e os ovos produzem o milagre de nos fazer reviver as mãos que ao longo do tempo mantiveram a integridade desse ritual.Ontem foram as mãos da minha avó, depois as da minha mãe e agora fico eu a olhar para as minhas e a censurar-me o facto de ainda não ter aprendido a receita nem as ladainhas de fermentação da massa, a súplica mais elementar que apenas pede que o pão cresça.Entre os nascimento e a morte , o tempo é o intervalo onde o Homem produz o pão e onde pode ganhar a sabedoria de saber que nenhuma receita está completa se , depois de concluida, não se transforma em oferta.Que a Páscoa seja para nós a celebração merecida de um tempo que nos apanha, ainda, num intervalo, e que no pão que hoje comemos sejamos capazes de ver as outras mãos que foram o início do nosso tempo numa receita que cada terra guarda como monumento de memória, com a gratidão de quem não esquece.
Igual idade tem a mãe e o filhoque idade igual existe sempreem qualquer dorE no regaçoembalçado pela mágoaapenas de morte adormecidorevolve-se o mistérioque sendo por ela acreditadosustem, rasgado ao meioo gesto prometido.Teme nada mais poder esperarde quem está mortode morte confirmadae verdadeira,que não ser que dure palpávelmais um tempoenquanto a quentura do corpo a desfazer-senão o leve para longee o deixe mais distante.Vê-lo assim nos seus braçossuspendido,a mão esquerda dela pede um outro fimmas tudo o que lhe pesaestá doridode uma dor imensade um pranto enoremeirrevelado.Não sabe se pode acreditarno poder que transfiguraa morte em vidae o mal em cura...Muito se pedea quem tudo lhe foi ditosob a forma de confiança no futuro...Mas mnais que issoé ter nos braços um filho mortoquerendo que ele de novo se levanteque respire e faleponde de novo luzonde tudo estava escuro.
O que é a vida e o que é a morteNinguém sabe ou saberáAqui onde a vida e a sorteMovem as cousas que háMas seja o que for o enigmaDe haver qualquer coisa aquiTerá de mim próprio o estigmada sombra em que eu o viviFernando Pessoa, Poesias Inéditas
Porque esqueci quem fui quando criança?Porque deslembra quem então era eu?Porque não há nenhuma semlhançaEntre quem sou e fui?A criança que fui vive ou morr...eu?Sou outro? Veio um outro em mim viver?A vida que em mim fluuuui... em que é que flui?Houve em mim várias almas sucessivasOu sou um Só Inconsciente ser?Adaptação de forma de escrita livre de um poema de Fernando Pessoa
néofito
Triudo
« em: Abril 10, 2006, 01:00:00 »
Na semana chamada de maior , lá mais para diante, o tempo ensombrece e adensa-se de mistérios sem que seja necessário rebuscar nos medos de estimação que conservamos para nosso disfrute, razão ou motivo para que os passos fiquem mais cautelosos ou carregados de uma lentidão que os torna mais dignos.Lá mais para a frente, quando o entardecer de quinta feira anunciar como indesmentido um feriado que terminará no escurecer do domingo que se lhe segue, a memória vai avivar os gestos, os rituais que ficaram cá dentro como filmes de exibição periódica e eu vou acabar por saber como o ano passou por mim desde a última vez que a tensão entre um Inverrno a findar e uma primavera a querer ter início, se encontraram numa Páscoa que dura sempre três dias, se porventura não acabarmos nós por desistir dela logo no primeiro, quando a festa ainda está à mesa e nos fornos os folares ainda ganham côr.
Sombrios profetas do exílio abandonai vosso vestido de cinzaPois o Filho do Homem na véspera da sua morteSe sentou à mesa entre os homensE abençoou o pão e o vinho e os repartiuE aquele que pôs com ele a mão no prato o traiuE uma noite inteira no horto agonizou sózinho Pois os seus amigos tinham adormecidoE no tribunal esteve só como todos os acusados da terraE muitos o renegaramE à hora do suplício ouviu o silêncio do PaiPorém ao terceiro dia ergueu-se do túmuloE partilhou a sua ressureição com todos os homens.Sophia de M. BreynerQue este "novo" ano o acrescente, são os meus votos de uma Passagem vivida.
Sura
Quiseram pregar-te num madeiroe fazer de ti um exemplo encomendadocomo se o medo, expostoaté à morte,num espectáculo doridoe verdadeiropudesse, por ser visto,ser mais forteque a força de uma leiou a lança de um soldado.E tu, pendurado nesse mastro,como vela aberta de navio por partirconvidaste todos a entrarem no convés bastando para isso pagar o preço da viagemque é ser capaz de olhar o horizonte e de lavar com humildadeoutros pés.
Nenhum buraco é fundo, nenhum olhar é curto.
« em: Março 29, 2006, 01:00:00 »
Era uma vez um garoto deseperado de fome e que nada ter que comer por nesse tempo a penúria ter a sua hora , resolveu ir para a beira do caminho para ver se conseguia alguma coisa que lhe matasse o jejum indesejado.Ao fim de um bom tempo ali sentado passouu por ele uma águia que poisou numa ramada de sabugueiro e lhe perguntou o que tinha.Quase sem forças para falar o catraio lá conseguiu dizer que morria de fome e que não tinha que comer nem esperanças de o ter.A águia segredou-lhe então da sorte que ele tinha de ela ter passado por ali pois que sabia de um lugar de fartura e abundância onde tudo o que se dejava se obtinha sem esforço, bastando para que ele o pudesse encontrar a feitura de um trato pelo qual ele deveria servi-la uma vez por ano.Sem pensar, porque a fome a a abundância têm em comum dispensarem a necessidade de raciocínios, o garoto concordou e lá foi seguindo a águia pelos caminhos que a sombra dela, lá no alto, cá em baixo ia ditando.Chegou então a um prado onde as pedras de demarcação eram feitas de um pão doce e fofo e onde os arames das portaleiras eram de ouro e por ali foi ficando reconfortado de bucho e desougado de penúrias.Passado muito tempo sem nada ter que fazer a águia chegou perto dele e ordenou-lhe que a seguisse o que ele fez até se dar na beira de um monte.Mandou-lhe então a ave que trepasse até ao cimo da montanha e que , uma vez lá em cima, atirasse cá para baixo todas as pedras soltas que encontrasse.E de nada valeu o moço ter argumentado que ela que era águia de bom bico e boas garras faria o serviço bem melhor que ele ou que pedras se monte de pouco servem, pois o bicho lembrou-lhe o que haviam combinado e que nisso não estavam incluidas arguências ou negações.
Subiu sem mais reservas até ao cimo do monte e uma vez lá em cima ficou-se a olhar em volta a espantar o cansaço mas quando olhou as pedras o pasmo foi maior que a obediência pois reparou que elas eram brilhantes grossos que nem troncos de árvore e quando a águia cá em baixo, parecendo uma formiga, lhe gritou que lhe atirasse as pedras o catraio pensou que se lhas mandasse o mais certo seria ficar naquele ermo do mundo, sem rasto de caminho de regresso ao prado da fartura e rwolveu fazer ouvidos de mercador e pensar maneira de se safar daqueles sarilhos sózinho.Deteve-se na observação do cimo da montanha , enquanto a águia cá em baixo, sem tentar o voo, deseperava numa fúria de penas, e descobriu que uma laje bamba escondia um buraco escuro por onde ele se atrreveu até se encontrar num palácio de moura encantada onde a dita dormia numa cama de dossel, no meio de uma sala enorme como um lameiro, rodeada de doze cavalos brancos.Um dos cavalos disse-lhe então que teria de os bordoar doze vezes a cada um para que a moura acordasse e para que ele não ficasse tão encantado e adormecido como ela mas, ao mesmo tempo suplicava que lhes não batesse pois também eles eram gente que se haviam transformado em animais por até ali terem descido para se libertarem da pobreza e terem feito um trato,que não haviam cumprido, com uma águia que por razões que desconheciam não podia voar até ao cimo da montanha e os havia forçado a treparem eles e a atirarem de lá do cimo pedras que eram brilhantes.
Confuso por tanta revelação e temeroso por adivinhar naquelas palavras o seu destino o garoto perguntou então como sabia a montanha que ele lhes batia ou não e conhecedor de que era pelo som das pancadas , começou a bater no chão , com quanta força tinha, com a varola de freixo destinada aquele trabalho pedindo aos cavalos que a cada pancada eles relinchassem de rijo como se estivessem a ser sovados, e assim se livrou da maldição de se tornar ele num sacrifício de despertar alheio à custa do seu próprio sono.Reconhecidos com o modo como os poupara a eles de uma malha grossa e a ele de uma maldição certa resolveram os cavalos constar-lhe o segredo de que aquele monte não podia ser voado por aves cobiçosas e que apenas quando por ali chegasse algum pardal milharuco se podia saber o modo de tudo voltar ao seu lugar e cada um voltar a ser o que era no sítio onde o tinha sido.Com saudades de uma terra que não tinha começou o catraio a subir à superficie do buraco, todas as manhãs, que é a hora dos pássaros, pelo mesmo caminho que ali tinha levado, para ver se arranjava maneira de se livrar de todos os sarilhos que em vez de passarem pareciam ter aumentado.Pois certo dia estando ele acobertado de uma giesta a observar a chegada de algum pardal, reparou que numa poça de água no côncavo de uma pedra um deles se banhava e rápido com um raio deitou-lhe a mão perante os protesto da ave que prometia revelar tudo o que sabia se ele o libertasse.
Consentido o desejo do pardal se ele antes contasse todas essas novas, ficou então o garoto a saber que em todasas montanhas e montes foi colocado no príncipio do mundo um pedaço de brilhantes e pedras preciosas mas , do mesmo jeito, a impossibilidade de alguém, quer bichos quer gente, lhes subir sem se transformarem os bichos em gente e as gentes em bicho por se agradarem mais das riquezas do alto que das belezas do longe, fazendo cair , uns e outros no mesmo buraco.Perguntando ao pardal como é que ele, o moço, ainda não se tinha transformado e a razão pela qual lá no fundo uma moira encantada dormia obteve então a resposta de que a não transformação se devia a ele ainda não ter escolhido se havia de ficar com os brilhantes se havia de escolher lá do cimo um horizonte que fosse só seu e que a moira era apenas a pedra mais preciosa que existia no monte e que por isso não era posta à vista de ninguém, o rapaz, não havendo mais nada que saber libertou o pardal que não era outro que não a águia e que por sua desdita para poder subir até ali perdia a possibilidade de de lá tirar o que desejava.O dia estava limpo e o garoto olhando mais uma vez os brilhantes por debaixo dos seus pés deixou que os olhos lhe luzissem até à lonjura de uma distância superior à capacidade das suas pernas.Resolvido a dar temo a tudo aquilo começou a deitar os brilhantes e as pedras preciosas para dentro do buraco ouvindo lá em baixo relinchos que se iam convertendo em vozes agradecidas, á medida que a fundura daquela cova ia sendo tapada.Quando estava completa a tapagem foram surgindo doze homens que não não eram gente nem viam luz desde que eram garotos e que olhando para longe e apenas para longe foram descendo o monte e seguindo diferentes caminhos.
O garoto de tão assarapantado com tudo aquilo a que assistira nem deu conta que atrás de si a moira entretanto desadormecida contempava tudo em redor e quando deu por ela com ar muto entendido perguntou-lhe se já escolhera o seu caminho.Ela porém respondeu que por gostar tanto de todos aqueles que dali via acabara de descobrir não estava no ponto de partida mas no de chegada e , adormecendo de novo foi-se transformando numa pedra branca e enorme, do tamanho de um tronco largo e alto, um marco de todas as partidas e chegadas, um sinal revelador de todas as riquezas que se escondem debaixo da terra mas que à luz do dia só os olhos veêm e o desejo de alcançar as alcança.Desceu então o rapaz do cimo do monte na direcção que para si tomara vendo que agora tanta gente seguia caminho inverso, subindo por veredas e atalhos que por debaixo do pedrume haviam aparecido.Cá em baixo a águia, conformada em ser o que era definitivamente mas por poder enfim voar todas as alturas, perguntou ao garoto que caminho levava, e porque ele lhe referia um lugar inalcançável apressou-se a dizer-lhe que escolhera o impossível e que melhor seria tomar um rumo mais curto e mais certo, quem sabe o destino de um prado onde as paredes fossem de pão doce e os arames das portaleiras foseem de ouro fino.Respondeu-lhe então o catraio que não se importava e que nenhum caminho é mais curto que o tamanho do olhar que vê, da mesmissima forma que nenhum buraco é mais fundo que o tamanho da força que dele se quer libertar.
"Espremo o sol num poema, e bebo o sumo.Pode muito esta humana fantasia!Navegava a direito, no meu rumo,Quando nisto,A monçãoDesvia-me das velas a ilusãoE atola-me num mar de calmaria!Mas resisto,Embebedo-me assim assim na solidãoE aguardo que renasça a ventania...Esperança, Miguel Torga
néofito
" A recordação é uma forma de reencontro.O esquecimento é uma forma de liberdade."K. Gibran
Sura
Se na recordação te reencontras e se no esquecimento te libertas, nunca te recordarás de que foste livre ...
Mas esquecendo o reencontro, liberta-se a recordação...
...o que nos dá outro tipo de pescadinha de rabo na boca.
Snuf
A liberdade não reside na recordação.A liberdade é acção, mesmo não agindo(esquecendo).Note que a expressão é "uma forma de liberdade". As generalizações..."Ama e faz o que quiseres"
Sura
Os biombos do coração
« em: Março 23, 2006, 01:00:00 »
Têm os seres que se dizem humanos, e nisso cobram a importância de o serem,a tentação de inventarem estranhas histórias a respeito daqueles outros que parecem menos humanos ou porque a natureza os dotou de uma originalidade inconfundível ou porque essa mesma natureza se encarregou de trocar os lugares que nos outros muitos são certos e noutros escassos são raros.Assim era o caso de Bicárdio, um homem que vivia nos pés das montanhas mais sombrias de Galzin e que suportava uma enorme corcunda como um fardo pesado que o dobrava para a frente parecendo que parte lateral do seu corpo fora enrolado e colocado sobre os ombros e a sua cabeça fora esticada do eixo e deixada pendida de forma a apioar o queixo nos joelhos quando se sentava.As pessoas do povoado apavoraravm-se de o encontrar em algum lugar ermo pois apesar do pobre craturo ser de uma docilidade de criança a sua deformidade era tal que quase parecia uma assombração decalcada das sombras dos bosques quando a lua lhes desvenda os movimentos.Dele se contavam malvadezas e solipampos, criados por aqueles a quem o medo é sempre exorcizado na maledicência fazendo da mentira que atemoriza os outros a única forma de coragem que conhecem.Mas a corcunda de Bicárdio tinha uma origem mais bizarra.Desde criança que ele fora colecionando no seu coração sem distinção e critério todas as pessoas que encontrara no seu caminho e por isso mesmo esse músculo de batimento fora engrossando , tanto e tanto , que por ficar cada vez mais pesado lhe subira para as costas e se encarrapitara nos ombros dando-lhe o ar de matrafono a desfazer-se.
Sabemos nós que não somos dessa terra longínqua e vivemos numa outra onde os corações são calibrados a preceito e não arredam pé do lugar que lhe pertence, que em todo o lado existe o bom e o mau e por assim ser, nesse mundo distante em que Bicárdio foi destinado a viver, muita gente boa existia e também essa fora guardada no coração do pobre mono. Para que se não confundissem e misturassem no interior daquele orgão, Bicárdio, a quem estava vedado distinguir o que colhia , conhecia, porém, na perfeição a distinção e, para seu governo ou melhor armazenamento, sem deitar nada fora, estabelecera pelo poder que todos nós temos de criar mais divisões em coisas já de si partidas, uma linha íntima separadora , um biombo, deixando que de cada lado se fossem arrumando pelo critério da bondade ou da injustiça cada uns e cada outros.A corcunda pesava cada vez mais a Bicárdio que apenas saía da sua toca durante o dia pelo tempo necessário a colher gente , fazendo o resto da sua vida á noite , nas proximidades das montanhas de Galzin onde existiam raízes frescas de que se alimentava.Aconteceu uma noite que regressando ele do seu passeio pelos montes, como caminhava devagar suportando o peso da sua corcunda, ficando cansado sentou-se perto de um silvado e deixou-se ficar a olhar para a lua num desolamento comprrensível por saber que o astro , em muito semelhante à sua corcunda, tinha a leveza de subir no ar todas as noites aliviando do seu peso o dono a que pertencia e dando-lhe descanso pelo menos durante a noite.
Olhando o ribeiro ali perto viu nele reflectida a lua e pensando que a observação do reflexo lhe custava menos que a observação do objecto luminoso acercou-se da água e sentado, de queixo enfiado nos joelhos, acabou por adormecer sonhando que se debruçava sobre a água, que toda a sua imagem reflectida se inundava e confundia com a da lua e que nesta confusão todos aqueles que se recolhiam na parte pesada do seu coração, julgando ser a lua um espaço acrescida da corcunda de Bicárdio, se passavam para esse lugar, deixando-o a ele leve como o vento da madrugada sobre as telhas , enquanto o coração sem divisões ou biombo descia ao seu lugar de origem , tendo dentro apenas aqueles que lhe abriam o sorriso e e o haviam reconhecido para lá das sombras de um corpo desconjuntado.O sono foi curto mas a surpresa foi grande e quando acordou ele era um homem de coração leve num peito aberto distinguindo o bom e o injusto e colhendo no seu coração, a partir desse dia, apenas aqueles cujo rosto via reflectido na planura da sua mansidão tal como a lua se reflectira numa noite na superficie de um ribeiro para que pudesse ser olhada por todos aqueles que de coração pesado já deixaram de poder ver as estrelas.
Se me pesarem os olhose a meia a luz que deles se desprenderse esgueirar furtivaa pendurar-se no perfume de uma luade Verão...Desse subido lugar onde ficou,o cansaço da asaserá a fronteira do que sou e me divide,o ágil abandono de um sossego acesoou o murmúrio audazde um tempo brevea esvair-se capaz de voar num círculo redondoque seja a terra toda ou um coração que bate pelo mundosem sair do seu lugar.
"Ergue" me disse, " a mim as finas luzesdo intelecto e o erro manifestodos cegos feitos guias já deuzes.A alma, criada pronta a amar de resto,se move a toda a cousa já que apraz,quando o prazer em acto e acorda lesto.Vossa apreensiva de um ente veraz tira a intenção e em vosso imo a declinae a alma assim voltar-se-lhe já faz;e se, voltada, a ela já se enclina,é amor esse inclinar, essa é a naturaque em prazer de novo em vós se atina.Depois, e como o fogo pela alturaTem forma que nasceu para subir,onde em sua matéria lá mais dura,a alma presa desejo entra a sentir,que é moto espiritual, e não repousaaté que a cousa amada a faz fruir.Ora verá o quanto ocultar-se ousaessa verdade à gente que asseveracada amor ser em si louvável cousa,pois talvez a matéria parecerasempre ser boa; mas por bom não tenhoo selo, por melhor que seha a cera.""Tuas palavras segue o meu engenho",lhe respondi, " e amor me hão descoberto,o que me fez de dúvidas mais prenho;que se amor é de fora a nós ofertoe se a alma não vai com outro pé,direita ou torta, vá, não é decerto mérito seu." "´Quanto a razão cá vê", diz, "sei dizer; daí té lá o expectasó de Beatriz, por ser obra de fé.(...)Divina Comédia, Purgatório, Canto XVIII
néofito
"(...) Pois, que homem conhece o designio de Deus?Quem pode conceber a vontade do Senhor?Os pensamentos dos mortais são tímidose falíveis os nossos raciocínios;um corpo corruptível pesa sobre a almae-tenda de argila-oprime a mente pensativa.A custo conjecturamos o terrestre,com trabalho encontramos o que está à mão:mas quem rastreará o que há nos céus?Quem conhecerá a tua vontade,se não lhe dás Sabedoriaenviando dos céus teu santo espírito?Somente assim foram rectos os caminhos dos terrestres,e os homens aprenderam o que te agrada,e a Sabedoria os salvou."Sabedoria 9
Sura
O dilúvio
« em: Março 06, 2006, 01:00:00 »
Depois da secura de anos a chuva caiu abundante e bençorosa,água atirada a cântaros pelas caleiras das nuvens que ao atingir a terra fazia dela uma papa lameirenta e escorrediça.Tomada como dom de grato proveito, a continuidade daquela precipitação constante e grossa depressa se transformou em preocupação lamiriante que, passados escassos dias, deu lugar à blafesmisse de uns quantos para quem a água, em seu critério, deveria cair ao ritmo das suas necessidades.No cimo do monte Noé, represtinando a sua fé, regimentara todos os madeiros e fazia com eles uma arca de fundo côncavo perante a troça dos muitos que, conhecendo a distância a que estava o mar, viam naquela construção a expressão de um medo risível e não a a possibilidade flutuante de um augúrio de salvação.Certo é que a água não parava de cair, engrossando as fontes, inundando os campos, reduzindo à planura de um lago os relevos e funduras outrora visíveis.Terminada a arca, pela muita bondade de uma solidão solidária, Noé fez as proclamas de a mostrar disponível a todos mas ninguém aceitou o obséquio daquela solicitude, calculando decerto que a chuva em breve pararia e tudo regressaria à paz habitual de um viver complacente.Perante a recusa das gentes abriu Noé o préstimo da sua barca aos animais que finórios entenderam também recusar, convictos de que tudo o que se move sobre as águas , ou se afunda ou encalha.Como as águas, descendo dos céus mas subindo pelo monte, deram em pôr em movimento a arca sem que nela houvesse mais gente que Noé e os seus, resolveu este em prenhar de lastro fundeiro toda a terra que conseguiu meter dentro dela e deixou-se ir, numa navegação guiada pela corrente.(para continuar...ou continuarem...)
O horizonte de quem navega balança quase sempre entre a miragem de esperança do náufrago ou a infinitude da evasão atribulada do fugitivo, e Noé passava os dias consumido na perplexidade de que a terra, em vez de lhe aparecer pela frente , lhe surgisse de baixo, sendo isto que distingue os pescadores dos camponeses que se aventuram no mar ou a ele são atirados pelos imponderáveis do destino.Enfadado de tanta contemplação ocorreu-lhea ideia de que a terra que metera na barca, para ajuste da quilha, poderia servir-lhe para desagravo do tédio e começou, então, a fazer com ela pequenas figuras de bichos e gente , de tal forma que em pouco tempo a amurada do convés, ficou coberta dessa traquitagem a que o sol,enrijecendo, ia dando vida.Não tardou que a arca fosse habitada por toda a espécie de animais e gente aos quais Noé ia ensinando as histórias de um mundo desaparecido pela força das águas.No princípio as narrativas tinham o poder encantatório e delicado das lendas que vestem de véus de fantasia a realidade mais dura mas, como sempre, a consciência de as histórias se reportarem a um passado que não tinha deixado vestígios de presente, foi fomentando em todos os que as ouviam a revolta de terem sido despertados do silêncio da terra para um destino desvalido de esperança.E o previsivel aconteceu.
Mas, com o passar dos dias, Noé notou que as gentes e os bichos criados tinham uma cor diferente, como se perdessem, com o mero toque do sopro saído das suas bocas, a sua consistência.E deixou-se, por isso, vencer pelo desespero, em cada grão de terra que via cair das suas formas, voltando de novo à terra. Os trovões pareciam, ainda, querer fazer daquele dia o último dos tempos…E aquela luz tão intensa que, trazida em forma de raios, a espaços, rasgava o negrume dos céus e da terra…E a lembrança, atroz, da imagem das águas que engoliram as formas das últimas gentes e bichos, diferentes das suas, que viu nos morros mais altos das montanhas...Foi então que, de olhar prostrado no alto, dia após dia, noite após noite, escolheu o cultivo dos seus silêncios, por não saber entender, deixando-se conduzir apenas pela mágoa do queixume daqueles que não sabem acreditar.
Encostou o seu corpo, dorido, e abriu os braços, sentindo o toque áspero da madeira da sua arca, que reconheceu dominadora, por ser mais forte que as águas revoltas que contra ela embatiam e que a faziam bailar como a casca de noz que desce a corrente das águas do rio mais forte. Depois, num movimento mais característico do cair de um corpo cansado, vergado, tolhido pelo cansaço, deixou que a força da gravidade fizesse jus à sua lei, arrebatando-o contra o solo. E abriu as suas mãos, agora de novo em contacto com a terra seca que enchia quase toda a arca, deixando que os seus dedos afagassem de novo aquele chão.Tinham passado já trinta e nove longos dias…Olhou, então, de novo a sombra de dúvida que brotava dos olhos dos seus, que tremiam assustados num canto da arca, por verem caídas as suas esperanças entre um monte de terra árida.Só então viu o significado de não poder ter pressa, de saber esperar…Levou as mãos aos bolsos e sentiu o toque suave das sementes que, lá no fundo, se tinham mantido juntas, unidas, ao contrário dele, apenas á espera do seu momento. E deu conta do seu erro, da sua falta, ao tentar substituir o Criador…Agarrou-as e lançou-as para a terra, arrastando depois os seus dedos por aquele chão, sulcando-o com as unhas, sentindo o contacto de cada grão que arrastava, misturando-o com esperança, e fechou os olhos, esperando, aguardando apenas…(o desafio mantém-se...)
Pois é, meu amigo. Admito que a minha apressada "continuação" tenha ficado prejudicada pelo teu (inconfundível) toque subsequente.Mas, como fizeste o desafio...
Diogo Luís
Têm as noites a desdita sorte de nos soletrarem os medos e de darem forma animada aos mais fundos temimentos, aquilo a que alguns teimam em chamar sonhos, mas possuem elas também o sortilégio de nos abrandarem a vertigem, quando o sono nos vence, concedendo-nos , se não a paz, pelo menos uma trégua na tribulação e algum sossego.E foi nesta forma de esgotado agastamento que Noé adormeceu. Quando o dia veio e a claridade desombrancelhou o rosto do velho, assomavam do chão da barca os primeiros sinais de uma sementeira de crença e contrição, um folhelho tenro que se desprendia da terra numa aspiração de altura, aceitando o embalo do batimento da brisa.Um e outro dia veio e cada semente era já o esboço daquilo que prometia ser, perante a incredulidade dos habitantes da arca que desconheciam onde o plantio ganhava a firmeza das raízes para medrar daquele jeito.Mas um dia , quando a memória da terra de onde tinham partido se tinha diluido de todo na vastidão de um mar sem horizonte, a arca parou, o nível das águas foi descendo deixando ver , distintamente, que como uma âncora, as sementes deitadas na terra e crescidas na forma de árvores de elevado porte, haviam minado o chão da barca e procurado , lá nas profundezas um solo onde se suster. E fora isso que parara a arca e fizera desaparecer a água.
De novo em terra firme , salvo de um dilúvio que a história havia de celebrar como um castigo, mas que no seu íntimo entendia como redenção, Noé palpava o chão e via , espantado, sairem agora da Arca toda a espécie de gente e animais, aqueles mesmos que num tempo de agitada solidão ele tinha suposto poder criar com as suas mãos, e que agora se dispersavam pela terra inteira para a habitarem e a fazerem dar frutos.Noé que tudo isto via no esbugalhado deslumbramento da sua simplicidade, percebeu então o recado que naquele momento lhe era dado pelo Criador.Cada memória guardada com o cuidado de um tesouro, se transforma em semente de esperança à espera de um chão onde crescer, que nenhum dilúvio afoga, porque debaixo da água existe sempre alguma terra onde se podem firmar raízes
Depois de ter caído a chuvaque açoitou, oblíqua, a terra inteiracabe-te a ti ou a alguémque tenha férevolver a terra para nova sementeira.Mas se a esperançaficou retida numa barcaonde sonhou a secocom frutos de rama de futuro,acabada tempestadeterão de se inventar raízespor onde a seiva subaaté à altura da tua mão atenta,para que o fruto sonhado seja agora o dom de uma frescura anunciadaquando a água caíafazendo-nos saber que toda a entrega é lenta.
Chove uma grossa chuva inesperadaQue a tarde não pediu mas agradece.Chove na rua, já de si molhadaDuma vida que é chuva e não parece.Chove, grossa e constante,Uma paz que há-de serUma gota invisível e distanteNa janela, a escorrer...Miguel Torga, 1943
neófito
Noé quis, naquela hora, saber fazer rimas com palavras, alinhando-as ao sabor dos pensamentos cheios, até com vidas de chuva em mistura…Afagou, então, as suas barbas esbranquiçadas pelo tempo, num movimento sincrónico, repetido, como se aí, no entrelaçar de cada simples pelo, estivesse guardado cada um dos segredos do tempo, o seu e o dos outros, como as gotas da manhã que trazem a força nova que, dia após dia, fazem germinar as sementes de vida.Mas, ao deixar cair o olhar para as suas mãos enegrecidas pela terra, notou também que em cada calo feito, no uso apressado do machado que desbravou florestas e da enxada que revolveu a terra, estavam as marcas de outros versos, tão profundos como outros que alguém depois, um dia, há-de escrever…Por isso se manteve assim, apenas na simplicidade do que aprendera a ser, deixando para outros o questionar das complexidades da origem da luz, das curvas das montanhas, da velocidade dos ventos ou da profundidade das águas dos mares que se esconde por baixo das
Não que quisesse, em si, o atrevimento do negar aos outros tal direito…Nem que visse, aí, qualquer defeito inato…Ou sequer que, a sua arca, lhe tivesse dado todo o melhor saber… Queria apenas, para ele, um destino mais simples, na mera vontade pensada de fazer as melhores escolhas, como a das sementes, estas que encontram a sua utilidade não tanto na sua aptidão para germinar e sim, depois, na resistência que querem manter às ervas daninhas que as enlaçam e às próprias dificuldades da terra, crescendo e tornando-se árvores, para florirem de novo, na perplexidade de uma cor que, na sua efemeridade, se transforma afinal nos melhores frutos.Depois, como agricultor que em cada um dos dias se não contenta apenas com a sabedoria do simples olhar da colheita feita, por saber que dela também faz parte, talvez já não tenha razão para temer, na volta da vida, as chuvas intensas, nem os fortes ventos, nem as tempestades…
Diogo Luís
As cinzas
« em: Março 01, 2006, 01:00:00 »
Dia póstumo, feito das cinzas de uma alegria inconfessa e aziaga que dura pouco e se mascara da identidade dos outros.Aliás, a máscara é apenas uma identidade trocada ou usurpada ao seu verdadeiro dono, mais que a caricatura do nosso próprio rosto.Mas para falar das cinzas teremos sempre , primeiro de referir o fogo de onde elas provêm.No princípio do Mundo, quando ele foi feito, o Criador no seu altíssimo critério, legou como oferta à humanidade o fogo e o forno em que havia moldado os astros, para que, enquanto ele se não apagasse , tudo aquilo que era daninho e ruim pudesse ser queimado num exorcismo de quentura redentora.Conta-se que durante séculos e séculos esse fogo foi alimentado e mantido vivo com restos de caudas de cometa, desperdicios de luz dos solstícios e relâmpagos de tempestades tropicais, tudo colectado por uma raça de gente particular que fez da atenção ao mundo a causa da sua vida.Porém, como em todas as coisas, a rotina tomou conta dos actos incomuns e um ano houve em que os folguedos da festa da Primavera consumiu tanto e tanto a atenção de todas as gentes que por falta de trato o fogo se apagou, deixando reduzido a um montão de cinzas as brasas que mantinham intacta a esperança de que tudo o que era mesquinho e perverso era combustido pela chama originária.Porque a partir desse momento o homem sentiu a orfandade de ter quebrado esse elo que mantinha com o Criador julgou então que, como penitência contrita, se limpasse de vez o forno de toda a cinza acumulada durante séculos , talvez a misericórdia do altissimo se dignasse devolver , de novo, o fogo libertador.
Dois problemas surgiram então.Nenhum pá era capaz de retirar uma partícula que fosse dessas cinzas que, apenas na quantidade conseguida com o polegar e om indicador , em pinça, se deixavam desprender; nenhum lugar encontraram onde elas pudessem ser depositadas pois em nenhum deles se desprendiam dos dedos, a não ser na testa de cada um. E mais, a transfega apenas se conseguia realizar um único dia no ano, precisamente o subsequente aquele em que o fogo se havia apagado.Por isso, ainda hoje , volvidos tantos, nesta quarta feira, dita de cinzas, uns tantos existem que acreditam que lhes cabe a missão de carregar na testa com as cinzas de um fogo extinto para que uma outra chama venha de novo aquecer a existência e dar claridade às sombras em que que por desatenção deixámos consumir a originalidade irrpetível do sonho que tinhamos ao nascer.
Pois é Minganço, parece que basta querer apenas, com os olhos bem abertos, para se conseguir sentir o ter do toque inconfundível do saber do Universo. Mas pergunto: Se é assim tão simples, porque razão há tanta míngua de querer nas mentes das gentes? Serão cinzas em excesso que turvam o olhar? Ou apenas o condão de se verem aprisionadas por tantas máscaras, todos os anos, numa terça-feira de Fevereiro? O mesmo abraço de sempre.
Diogo Luís
Tempo...Invisível tecido que nos veste.Inconsúteis, os dias vão cobrindoDe translúcidas túnicas de nadaA nudez do começo.Até que envoltos nesse espessoMantoSem espessura,Múmias do desncantoEnfaixadas de transparência,Povoamos o túmulo da vida.Arlequins da existência,Que a morte há-de despir, deusa despida...Carnaval, Miguel Torga
Desejoso de quebrar os inconsúteis dias nas assaduras de um cabrito ou carneiro pascal lá para os lados do Jarmelo onde, segundo ouvi dizer, se faz como ninguém...
neófito
O tempo
« em: Fevereiro 22, 2006, 01:00:00 »
Se a necessidade aguça o engenho, como muitos parecem acreditar, a urgência desperta o génio e afunda os idiotas com a mesma rapidez.Tendo vivido despreocupado os trinta primeiros anos da sua vida, Opmet foi súbitamente acometido pela revelação de um orago que lhe confidenciou que não duraria mais que outros dez.Crente da verdade do que ficara a saber, não perdeu mais tempo e afadigou-se a cuidar de garantir que a partir desse momento todas as noites fossem alumiadas de archotes, velas e lanternas para que das noites se fizessem outros tantos dias e , assim, se multiplicassem em vinte os escassos dez anos que lhe restavam.Perguntado do porquê da sua voluntária e festiva insónia Opmet respondeu apenas que todo o poeta é inimigo da lei da necessidade e a única coisa que resta a estes é o poder de transformar as noites em dias e as trevas em luz. Enfim, manter em vida o que a vida nos prometeu em vão, fazendo-nos colocar os pés naquela parte da estrada da qual já se não pode sair só pelo desejo de retornar.Como a Opmet, se nos tocassem as campaínhas do sobresalto, decerto fariamos render em dobro o tempo que saberiamos restar , em vez de esbanjarmos numa crença de espera desguarnecida a eternidade a que nos julgamos ter direito.Depois de um jejum de vários dias volto a este lugar onde o tempo é uma insónia de pedra bicuda, o promontório de uma memória que nos duplica a idade e onde a escolha entre o génio ou o idiotia reside tão só na capacidade de ouvir a voz da terra juntando-lhe a nossa, numa sobreposição sem eco, fazendo cada dia valer dois.
Olha que já tinha saudades de te ler, coisa que só posso fazer aqui...
Sepia
Se Sepia der licença, assino por baixo do que disse.O Fórum - que me perdoem todos os participantes esforçados e cheios de boa vontade - ficou em banho-maria durante o teu "jejum de vários dias" . É favor comeres todos os dias, várias vezes ao dia de preferência. Nós agradecemos.
Snuf
Olha ele !!! ).......... (há q séculos n dizia isto) .........O encanto do mimganço reside precisamente neste intervalos!!
tsel
Olha ela !!! )Os intervalos só servem para proporcionar algum descanso aos ouvintes/leitores do fastio provocado pela fatuidade dos oradores/escritores/participantes.Dispenso por isso os intervalos do Minganço. Até à exaustão....dele ou minha, alguém há-de cair primeiro.(Conhecendo o espírito de contradição dele - e ele o meu - havemos de morrer ambos em pé...)
Snuf
Há povos que por congenitudes de origem foram fundados na humidade e no frio e passaram por isso mesmo toda a sua história a ensacar nevoeiros.Ora como todos bem sabemos, nas terras onde o nevoeiro abunda , os pastores e os homens em geral, não crescem, sujeitos a uma maldição que lhes advém de uma pedrada mal dada, pelo primeiro deles, e que acertou no destino tão em cheio que este mesmo destino logo ali , de pronto e resposta, garantiu que mais nenhum pastor cresceria e os já crescidos mirrariam à insignificância, até que a trajectória dessa pedrada fosse desfeita , com crinas de égua parda e cascos de musgo.Está bom de ver que não foram critérios geométricos os que levaram à maldição e esta evidência sabemo-la também por termos sempre visto confirmada a certeza repetida de que uma vez encontrado o caminho para arrochar no destino com um pedrulho, está criado o precedente para que outros arremessos igualmente lhe acertem e, como assim, se o destino não podia já evitar a descoberta do itinerário, pelo menos consegui reduzir os efeitos do impacto retirando , pela redução ao minúsculo, a força aos arremessantes. Como nestas coisas há sempre um amaldiçoado mais implicativo que os outros e a quem o destino azedo provoca bichos carpinteiros na alma, vai daí em acontecer que um dos pastores meteu pés ao caminho na vontade de encontrar uma égua parda com cascos de musgo a quem, por bem ou por mal, surripiar as crinas.
Já na estrada, chegado primeiro a uma ponte encontrou uma mulher enorme , e naquele tempo, fruto da maldição, todas as mulheres pareciam enormes, por todos todos os pastores serem minúsculos, e perguntando a essa mulher se sabia onde encontrar uma égua parda de cascos de musgo, recebeu dela a resposta de que não sabia mas , também, uma pedra como oferta e com o recado que ainda lhe seria útil.Seguindo o passo, chegou à margem de um ribeiro onde encontrou outra mulher, enorme como a primeira, que com os pés mergulhados na água se penteava com um pente de marfim.Perguntando-lhe se sabia onde encontrar uma égua parda com cascos de musgo, dela obteve também resposta de não saber, juntamente com a entrega do pente, como prenda, e a confidência de ele lhe ainda vir a ser de préstimo.Metido o pente na algibeira mais à fente , ainda na mesma margem do regato, o pastor desta vez encontrou um outro, como ele, que perdido o sentido do gado se entretinha agora a colecionar as marcas de todos aqueles que antes tinham sido grandes. Mas a este nada perguntou e seguiu em frente aproveitando para soprar sobre a superfície da água e para fazer desse sopro um bolso cheio de nevoeiro que guardou suspeitando que lhe viria a ser útil a seu tempo.Cansado da jorna assolapou o corpo no feno de um palheiro, a céu aberto, e sonhou que lá no alto a constelação de capricórnio lhe revelava o segredo de encontrar a égua parda de cascos de musgo, bastando para isso que continuasse a andar até encontrar uma casa velha, de porta aberta, tendo no cabide pendurado uns arreios de prata, que deveria levar consigo.
Contudo a casa pertenceria a uma velha, enorme decerto, que se tivesse os olhos fechados estaria acordado e se os tivesse abertos estaria a dormir.Andou o pastor até que o tédio fosse mágoa e a mágoa fosse apenas cansaço e deu, por fim com a casa do sonho , tendo à porta à sua espera uma velha de olhos fechados que lhe pediu que lhe tocasse uma moda com a flauta.Feito isto abriu a velha os olhos e nesse momento o pastor entrando rápido na casa tirou e levou consigo, fugindo, os arreios de prata que estavam no cabide enquanto a velha de novo fechava os olhos e, dando pela falta do tesouro mandou atrás dele cem cavalos e cavaleiros que tinha escondidos numa arca feita de cem prados e lameiros esquecidos . Mas quando o pastor deu conta que estava a ser apanhado , jogou fora a pedra que a primeira mulher que encontrara na ponte lhe dera e, mal ela caiu no chão transformou-se em montanha toda de barrocos soltos onde os cavalos esnocaram as patas. Os cavaleiros , sem montada regressaram para a velha mas, esta, mandou agora duzentos cavalos ainda mais fortes, saídos da mesma arca ,que quase apanhavam o pobre pastor até que ele , em tamanhos caldos, deitou fora o pente de marfin que a segunda mulher lhe tinha dado e que se transformou de súbito numa montanha lisa e de neve onde os cavalos escorregaram e se afundaram , sem regresso.A velha mandou sair então da arca dos artificios uma égua parda de cascos de musgo e mandou-a perseguir o pastor que , quase a ser abocanhado pelo corcel, jogou a mão ao bolso cheio de nevoeiro e atrás dele ficou um escuro tão claro que pelo chocalhar dos arreios a égua parda, perdida, se foi aproximando quando o pastor subiu para cima dela pondo-lhe o freio a preceito e conduzindo-a de regresso a casa.
Aqui chegado, com a viagem a égua havia-se rendido ao seu novo dono e deixou que lhe tirassem as crinas com as quais ele fez um cordame enorme que atou em novelo, prendendo uma ponta a uma pedra , e na outra, os cascos de musgo da égua.Deixando então que o destino passasse mais por perto, como sempre acontece, ao fim da tarde, o pastor, calculando a conjectura do arco, fez zunir no espaço, num lanço largo, a pedra que a mulher da ponte lhe tinha dado , que se tinha transformado em montanha e que de novo feita pedra ele guadara no bolso, e deixou-a seguir o seu curso enquanto via as crinas feitas novelo a sumirem-se como se fossem o rasto e a pedra fosse um cometa.Então no preciso momento em que não havia mais novelo de crina por a pedra o haver sugado todo atrás de si, a ponta do novelo presa à pata da égua parda deu um esticão e o animal ainda com os arreios de prata largou num galope na direcção da casa da velha, onde entrou indo afundar-se inteira, com a trajectória do destino preso ás patas , na arca feita de cem prados e cem lameiros esquecidos, cuja tampa se fechou com um estrondo que fez a velha fechar os olhos e acordar.
Nesse momento todos os pastores voltaram a crescer e nunca mais voltou a haver nevoeiro resultando daqui que com o crescimento dos homens as mulheres começaram a parecer menos enormes, menos enigmáticas e todos os figurantes desta história foram morar para o cimo de um monte com um pinoco no cocuruto sem medo das maldições do destino, sabendo os mais guichos que o talefe de pedra é a pega da arca feita de cem prados e lameiros esquecidos e que o tilintar que ali se ouve, à noite, no vento, é o som dos arreios de prata que hão-de ser colocados, um dia, numa égua parda de cascos de ouro e que nos há-de devolver, aos do Jarmelo, a trajectória de um outro destino que nos foi levado por uma pedrada bem dada no poder e que , nos deixou apenas o nevoeiro em que todos os homens são pequenos até que se sintam capazes de escrever uma história que os faça de novo grandes .
Parafraseando a tua mãe «Que Deus te guarde Manel»...
Sepia
Só para dizer que não conhecia as histórias (gosto mais do que "estórias") do minganço, e gostei muito. Fiquei com a casa cheia de nevoeiro. Minganço, conta lá outra que deixe isto ensoalheirado!v
hífen
Recomeça...Se puderes,Sem angústia e sem pressa.E os passos que deres Nesse caminho duroDo futuro,Dá-os em liberdade.Enquanto não alcancesNão descanses.De nenhum fruto queriras só metade.E, nunca saciado,Vai colhendoIlusões sucessivas no pomar.Sempre a sonharE vendo,Acordado,O logro da aventura.És homem não te esqueças!Só é tua a loucuraOnde, com lucidez , de reconheças"Sísifo" Miguel Torga
neófito
na verdade estive quase pa te tfonar pa ver se estvasa vivo!!Um abraço pó Mimganço
ag da silva
O boneco
« em: Fevereiro 01, 2006, 01:00:00 »
Começou com farrapos. Dispersos . Atirados da altura das nuvens foram cobrindo o chão e fazendo do verde contínuo da erva um puzzle inacabado de peças subtraídas do céu.Em cada floco , um pedaço de silêncio; uma nostalgia de friagem agreste; um exorcismo de espanto que os olhos continham numa comoção de agradecimento.Depois, apenas a alvura persistente tombando lenta.Mas lá no alto, sobre o pinoco, o branco fizera dele o esboço de boneco agigantado , ainda sem braços e sem cabeça, como um monge enorme e branco de cabeça enfiada no capuz e de mãos contritas sobre o peito.Bendita neve que restitui a todas as casas o anonimato humilde de serem apenas casas, por debaixo de toda a ostentação, e que devolve a cada homem a alegria breve de serem sómente meninos e terem apenas por memória os rastos que vão deixando na brancura dos caminhos.
Essa "alegria breve de cada homem ser sómente menino" foi efectivamente o que mais me marcou nos anónimos com quem partilhei as benditas farripas dispersas por uma tarde de domingo em Lisboa.Os transeuntes esqueceram as máscaras que forjaram para a vida, interpelavam-se entre desconhecidos e, acima de tudo, sorriam. Sorriam com os olhos, sorriam com a comissura dos lábios bem aberta. De alegria à solta.E voltei a dar o benefício da dúvida a Humanidade. Enquanto houver essa capacidade genuina para viver as coisas simples, nem tudo estará perdido.
Snuf
"E caía, o algodão-em-rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus Noite de Natal em Lourosa...Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama! Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. à volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.(...)"Miguel Torga, Contos, Natal, " O velho Garrinchas"
néofito
Gostei e espero que gostemFoi um sonho que eu tive:Era uma grande estrela de papel,Um cordelE um menino de bibeO menino tinha lançado a estrelaCom ar de quem semeia uma ilusãoE a estrela ia subindo, azul e amarelaPresa pelo cordel à sua mão.Mas tão alto subiuQue deixou de ser estrela de papelE o menino, ao vê-la assim, sorriuE cortou-lhe o cordel.Miguel Torga, Brinquedo.
néofito
Existe um brancoem que enxugo o rostoe depois, existe um negroque me faz maior.No branco brancoem que cavo e escavoexiste um sonhosem palavra ou letraem que o escuro entrapara o ver melhor.Se buscar no branco o nome de um gritoo negro responde agitando os punhosprocurando a boca de um dizer mais breve. E se sustenho o gesto onde o branco pousada noite aparece um silêncio novofeito de outro diaonde cai a neve.
bom diua !! com a chuva de hoje, foi-se a neve... voltaram os dias de alguma melancolía... e a poesia dos participantes no fórum está em alta !!saudações Jarmelistas!!
ag da silva
Se todos tornássemos mágicas as palavras como o Torga e o Mimganço, será que continuaríamos a achar-lhes tanta beleza ou passariam elas a reflectir apenas a vulgaridade do despejar letras sobre os sentimentos?Nesse hipotético mundo de Torgas e Mimganços, será que a escrita e linguagem hoje tidas por lineares, usuais e correntes, se constituíssem a excepção, grangeariam a admiração?Bom, a questão é tentar determinar o quanto somos nós a influenciar os critérios...Creio que toda e qualquer qualidade subjectiva que atribuamos a seja o que for nunca lhe é intrínsica...daí acreditar que a realidade exista na sua imutável serenidade, independente da humanidade e da sua mutável voracidade.Enfim, desabafos...Tudo isto para dizer que gostei muito.
Snuf
Atrevo uma resposta que eu sou daqueles que não pode ver uma pergunta à boa vida.Se tornassemos mágicas as palavras em que acreditamos acabaríamos por transferir a beleza do que desejamos para um silêncio abreviado feito de uma vulgaridade de giestas.Não acredito que a perfeição , ainda que fosse atingível, nos devolvesse uma imobilidade insatisfeita , mas creio que se a provássemos, por um instante que fosse, aprenderiamos uma nova noção do tempo; uma exemplar exactidão das palavras e uma inequivoca liberdade dos sentimentos.Não nos admiraríamos e por isso mesmo, não nos invejaríamos, porque os outros não seriam para nós o tormento indesvendado à beira da decepção e do logro, mas antes a extensão incompleta e incumprida da nossa sombra.
Em tempos um mestre da Ciência Política verberava-me, num exame, a minha propensão para definir o Estado não a partir de uma comunidade de interesses de um grupo social aparentado pelas características da língua e dos costumes mas sim a partir da mágica fabulidade de um território.E a pergunta que me devolvia era precisamente que nome teria um espaço territorial delimitado pelas singularidades morfo geológicas , habitado de gente ainda sem uma língua comum e sem um destino colectivo assumido.Como sou daqueles que não pode ver nunca uma pergunta à boa vida, mendigando o obséquio de uma resposta, respondi-lhe que um território assim seria seguramente um milagre intacto e adormecido ainda por acontecer.Porque o mestre naquele momento já devia ter suspeitado que a minha matriz se fundava mais nos poetas que nos ideólogos do poder , perguntou matreiro que nome daria eu a esse sortilégio escondido nas brumas.A minha resposta foi breve : Jarmelo.E para que não restassem dúvidas acrescentei que depois de séculos a julgar-se que são os homens que amam a terra, lutam por ela e fazem os Estados, chegara o tempo de entender que é a terra que nos ama a nós e que nos chama a sermos feitos da fidelidade do vento e transparentes como a água das chuvas. Quando a nota foi lançada na pauta, à frente do meu nome o espaço reservado à aferição do mérito estava em branco e quando olhei o Professor protestando um veredicto , ele estendeu-me a mão e num papel rabiscado à pressa vinha escrito:
certamente, sempre foste um aluno de dois dígitos!!! uma mente brilhante... ou um outro filme assim...quando um dia conseguires voltar mais tempo prás raízes, espero ainda cá estar para por perto poder passar tardes de conversa.
ag da silva
Um dia hei-de voltarao lugar em que nunca estivemas onde as raízes me crescerampara me cumprir e ser finalmente a parte do frutoque me falta.Descobrirei por baixo do azul do céu uma fonte onde a água não brotou,um pedaço de terra não lavradaainda húmidade uma chuva inesperada.Avivarei no meu rostocom o cinzento das pedrasa cor de outros matizesvenham eles do musgo esverdeadodo amarelo do centeioou da tonalidade do ventodebruçado nos pinhais.Mas ficarei aí capaz de outros encontrossabedor que das tardes de conversaé que nascem as raízes.
Poque é boa a ilusão..."Minhas asas humans de poeta!Derreteu-as o sol da lucidez.Cego, abria-as ao ventoDa inspiraçãoE voava.Mas pouco a pouco,Como que desperta,Dei conta da cegueira.E fui perdendo altura.Agora canto apenasAo rés-do-chão da vida,A olhar o descampadoDo céu azulAberto à graça de outras emoções.E o canto é triste assim desiludido.Falta-lhe a perpectiva e o sentidoQue tinha quando eu tinha as ilusões."Miguel Torga, Ícaro, 1987
neófito
A título de brincadeira...Não me atrevoA dizer-vos a que horas escrevo.A Inspiração não marca consultaNem aguarda em filas de espera.Boa ou má, do alto da pretensão culta,Entra de rompante, qual misteriosa fera.E aos meus dedos ordenaSem dó nem piedadeQue escreva, escreva, escreva!Cruel Inspiração dominadoraQue me atordoa, sabedoraDa agressão com que me flagela.Mas um dia terá a sua desilusão!Deitarei todos os textos pela janelaE não me vergarei à sua persecução.Ela que aos meus dedos ordenaSem dó nem piedadeQue escreva , escreva, escrevaAbriu-me a mente e os olhos adormecidos.De hoje em diante só serão permitidosOs textos que eu desejar escrever.Não será mais a Inspiração quem mais ordenaMesmo que todas as musas me queiram convencerSó quando o desejar pegarei na pena!E então ordenarei aos meus dedosCom dó e piedadeQue escrevam, escrevam à vossa vontade...Mas, para além de bicho feio,A Inspiração ficou amuada.Ela que me cansava a mãoHoje não quer colaborar...A pena fica suspensa a meioE a folha branca, rascunhada,Olha-me com suspeiçãoDesafiando-me a terminarEu sei que a malvada querDeixar-me à frente resmas por estrearPode pressionar-me como quiser Continuá-la-ei a ignorar...
Snuf
O coração e a alma
« em: Janeiro 17, 2006, 01:00:00 »
"A Portugal forom tragidos Alvoro Gomçallvez e Pero Coelho, e chegarom a Samtarem omde elRei Dom Pedro era; e elRei com prazer de sua viimda, porem mal magoado por que Diego Lopez fugira, os sahiu fora arreçeber, e sanha cruel sem piedade lhos fez per sua maão meter a tromento, queremdo que lhe confessassem quaaes forom na morte de Dona Enes culpados, e que era o que seu padre trautava contreelle, quamdo amdavom desa viindos por aazo da morte della; e nenhuum delles respomdeo a taaes preguntas cousa que a elRei prouvesse; e elRei com queixume dizem que deu huum açoute no rostro a Pero Coelho, e elle se soltou emtom comtra elRei em desonestas e feas pallavras, chamamdolhe treedor, fe perjuro, algoz e carneçeiro dos homeens; e elRei dizemdo que lhe trousessem çebolla e vinagre pera o coelho, emfadousse delles e mandouhos matar. A maneira de sua morte, seendo dita pelo meudo, seria mui estranha e crua de comtar, ca mandou tirar o cora çom pellos peitos a Pero Coelho, e a Alvoro Gomçallves pellas espadoas; e quaaes palavras ouve, e aquel que lho tirava que tal officio avia pouco em costume, seeria bem doorida cousa douvir, emfim mandouhos queimar; e todo feito ante os paaços omde el pousava, de guisa quc comendo oolhava quamto mandava fazer. Muito perdeo elRei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi avudo em Portugal e em Castella por mui grande mal, dizemdo todollos boons que o ouviam, que os Reis erravom mui muito himdo comtra suas verdades, pois que estes cavalleiros estavom sobre seguramça acoutados em seus reinos."Crónica de D. Pedro I,in Fernão Lopes.
Há homens que trazem o destino agarrado ao coração de semelhante modo ao que outros, pelas mesmas insuspeitas razões, exibem o pescoço preso à canga.Pero Coelho fica na história por mister do coração que lhe arrancaram pelo mesmo sítio por onde arrancaram o de Pedro I, embora neste último, a falta desse músculo não o tenha impedido de continuar vivo, que essa coisa de viver sem coração é apenas permitida a reis, validos de armas ou a políticos inominados.Quando, em 1360, o rei o pune com a morte, arrancando (ou o mais provavelmente, mandando arrancar) o coração pelo peito, Pêro Coelho é um ancião que assume palavras eloquentes que dignificam a sua fidelidade a projectos que considerava maiores e que ostentam uma alma inviolável e sem preço.Quando o algoz (Pedro ou o carrasco de Santarém) lhe abre o peito e olha atento o velho, adivinhando-lhe a posição do coração, Pêro Coelho terá respondido: «Acha-lo-ás mais forte que o de um touro e mais leal do que o de um cavalo». Há quem refira que Pêro Coelho teria proferido estas palavras já sangrando e com as costelas estilhaçadas...Seja como seja não lhe deram a ele, Pero, a possibilidade que deram a Galileu de abjurar e fico-me em acreditar que se lha dessem ele a rejeitaria.
Transcorridas as lendas, por detrás da névoa que ora se levanta da história ora se poisa nos mitos, para quem se perguntar que memória se certifica numa comemoração em metal colocada no cimo de um monte, fazendo a pergunta com as subtilezas de ver inscrita, forçosamente, na resposta uma vaidade parola e fraldisqueira, apenas lembro a universalidade da narrativa , recordando que nela todos tiveram um coração que pulsou ao ritmo dos interesses mas apenas alguns tiveram uma alma que lhes sobreviveu como um eco que o vento repete.Pois o que se comemora no cimo do monte do Jarmelo? Mais que a protestada traição de uns ou insanidade desvairada de outros, aquilo que em todos existiu e existe, um coração e uma alma num conflito aberto e que o tempo depura fazendo do coração de cada um de nós o badalo e da chapa inerte a alma campanular de um sino que só toca quando accionado com coragem.
mimganço es um verdadeiro poeta nunca tinha lido nada parecido sobre o jarmelo...PARABÉNS!!!!
m.g.
O homem
« em: Dezembro 17, 2005, 01:00:00 »
A qualidade de um homem mede-se pela forma como ele é capaz de olhar para uma criança e a actualidade do nosso mundo próximo tem-me devolvido, pelo absurdo, a evidência de uma perda crescente dessa qualidade.Depois de termos prescindido da capacidade de amar ,que isso do amor é coisa muito confusa e dada a grandes complexidades e transtornos, propendemos a fixar-nos na categoria do "gostar" que reserva ainda um limpo alibi de consciência mas já permite uma versatilidade que não desconforta a itinerância dos afectos.E daí que a figura do homem, no presépio, aos poucos tenha desprendido o olhar do menino para se fixar noutros lugares como se o futuro não se lavrasse no presente e na atenção das horas mas antes se fizesse de uma visão longínqua com sabores de ainda não acontecido.A escolha do homem para o meu presépio deste ano tem assim conquistado o critério: há-de ser aquele que por me ter olhado como me olhou fez de mim uma criança de futuro .Espero um pouco e recordo as caras, que tantos são os nomes.Afinal o meu ano foi pródigo de gente e sem homens não há-de ficar o meu presépio pois tenho uma mão cheia daqueles que poderiam vestir o balandrau de S.José e ficar ali sem um queixume na contemplação do que sou para me lembrarenm o que ainda não consegui ser.Recordo os nomes mas não os revelo que esses são os segredos do meu silêncio e se alguem tenho de escolher pois que seja, escolho o de sempre, aquele cujo olhar se transformou já em em respiração dos dias, e que fez da exactidão do seu rosto aquele mesmo que vejo todos os dias quando me olho ao espelho de manhã ou quando a minha mãe no aperto de uma voz que se vai sumindo me diz me diz " Manuel, estás cada vesz mais igual ao teu pai, Deus te guarde"
Que magnificente homenagem...Lembrou-me o quanto tenho por dizer ao meu pai antes que "o seu olhar se transforme em respiração dos dias", aquilo que eu sei que ele sabe mas que se não for dito talvez perda a consistência com que as palavras aconchegam os gestos.
Snuf
Sempre igual a ti próprio, homem... Que assim seja!
Diogo Luis
A vaca
« em: Dezembro 14, 2005, 01:00:00 »
De súbito todas as figuras do presépio resolveram fugir-me no momento em que prescindi das usadas noutras natividades e reclamei a actualidade das que durante o ano retive na lembrança.E se assim é não são elas que me fogem mas é a minha memória que me não responde,num sinal preocupante de que talvez não tenha estado suficientemente atento aos dias que fui chamado a viver.Penso um pouco mais e o assunto revela-se de seriedade porque se quiser retirar uma mmáxima de sabedoria desta preocupação a primeira que me ocorre é a de ter de consentir que bem pior que a extinção do que acaba é acabar a memória do que viu o que se extinguiu.Que não seja por isso.Vou ao portal de entrada do fórum e prescruto aqueles dizeres sábios sobre a vaca do jarmelo recolhidos na voz directa de quem lhes deu muito feno.Depois posso continuar o meu presépio colocando ao lado de um burro inexistente uma vaca invisivel e sentindo mais e mais a condição daqueles que sabem bem ter o que lhes retiram.Penso de novo que em cada presépio de alguém que se tenha como sendo do Jarmelo , por justiça e verdade só lá pode estar aquilo que se tem e por isso mesmo nenhuma vaca lá poderá ser (por ora) consentida enquanto não fôr certificada. Mas não me importo se me faltam os animais...Esperem até ver quantos reis magos não caberão no meu presépio, carregando tesouras de tosquia...
sim... quando na viad religiosa, dizia-mos que se Cristo (em adulto) "viesse" agora á terra andaria de moto... mas também é certo que ao nascer agora, teria que nascer aquecido por uma vaca jarmelista.
ag da silva
Presépio
« em: Dezembro 11, 2005, 01:00:00 »
Já não é cedo, Dezembro leva os dias contados na dúzia e nas portas da vizinhança as rodelas de azevinho ao dependuro lembram que se tiver vergonha na cara terei de começar a pensar em , também eu, dar um pouco de cor à casa , hastear uma árvore de Natal ainda que sem raízes que a liguem ao mundo e com ramos de ráfia onde nenhum pássaro se tente a pôr as patas.A ideia não me agrada.Se alguma coisa me serve ser gente das pedras é antes de mais a de saber que as árvores têm sitios para estar e esses não são seguramente os interiores das casas. Por isso esqueço de vez a ideia de importar para dentro da sala um cabide festivo e ramalhudo onde a única coisa que nele se pode pendurar são as nostalgias de um ano, em forma de bola colorida e frágil ou as teias da memória transformadas em fitas descendentes e oblíquas e arrisco-me na originalidade de repetir a coragem de um presépio.Dos tantos que tenho espalhados pela casa nenhum existe que seja hoje portador de uma actualidade capaz de me renovar o mistério do olhar que faz descobrir a beleza das marcas dos pés daquele que anuncie a paz.Bom remédio tenho...Se as minhas figuras se transformaram em objectos de decoração , terei de fazer um presépio que seja a memória do meu ano e de escolher entre quem comigo se cruzou os eleitos de figurarem num presépio que ninguem verá , que não ocupará espaço , mas que estará aceso desde o momento em que me sinta capaz de ser a manjedoura por ser esse o papel que para mim reservo...
como moras numa zona de cerãmicas, terás uma coleção deles.... nós quando pequenos, começámos por ter um que era da avó Raínha, a Avó Raínha, era de toda a generosidade, naquela altura em que nós eramos os únicos netos (para ela comprou outras figuras mais tarde), deu-nos uma Nossa Senhora, o Menino e São José, com uma cabana, que nós assim que crescemos achamos que tínhamos direito a destruír aos poucos ( é que as figuras do Natal, eram durante uns dias depois, motivo de brincadeiras, eram as únicas).Mais tarde, comprámos, num laivo de excesso, e de uma vez, três magos, uma fonte, um pastor e umas ovelhas (esqueci, que a avó Raínha também nos deram umas ovelhas de cabeça volta pra trás outras pró lado).ira ao musgo era um ritual, saber escolhê-lho uma sabedoria.
ag da silva
Que ternura, Agostinho....Também sou do tempo de presépios assim...em que a posição da cabeça das ovelhitas fazia toda a diferença, do tempo em que um pedacinho de espelho...se transformava num lago e umas farripas de algodão em flocos de neve.... Foi bom ter recordado isso!
Penha Negra
Contribuinte
« em: Dezembro 07, 2005, 01:00:00 »
Escolho este lugar com a mesma indiferença com que faço por cansar as pernas rua acima e abaixo na espera que abram as repartições.Não deixei , como de costume, para o último dia , a entrega dos impressos do sacrificado imposto mas a ânsia da pontualidade fez-me madrugar mais do que o recomendável e agora vejo-me na rua , sem lugar onde me abrigar e sem montras para que possa olhar.Ninguém vê montras às 7.30 da manhã sem ser tomado por larápio , meliante de de escassos recursos ou por poeta de indizíveis desesperanças , necessitado de pendurar o olhar em algo que o isente do dos outros.A entreabércia da porta e a luz de dentro , é tudo quanto preciso para me acoitar aqui sem ficar em favor , bastando apenas o preço da despesa .Não sei se este silêncio de telefonia de válvulas e esta luz de gasogénio aqui estão desde as primícias ou se são um sortilégio apenas desta hora , mas reconforto-me nesta nostalgia calma.Sem circunstantes , posso regalar-me no prazer de sorver o café , exactamente como ele se deve beber , ouvindo o som dos gorgolejos e , arrebanhando no fim, com a colher, aquele melaço areiforme do açucar.Em cima da mesa , de um mármore raiado, os impressos pousam a memória de um ano , em forma de contas.Lá, estão a idas ao médico sem a angústia que as moveu.Os livros debitados como formação mas que não cheguei a ler por arrependimento.E , na forma maior , a retenção na fonte , tudo aquilo que sendo meu por mo terem dito eu não cheguei a ver.
Despejo-me da minha qualidade de contribuinte e visto-me antes desta outra mais conforme a minha condição , a de retido.Estou mais satisfeito , compreendo desta forma a enorme riqueza que possuo embora nunca a tenha visto por me ter ficado retida, mas era minha.Peço outro café enquanto o sol lá fora acende de luz as repartições de finanças , mas eu deixo-me ficar.Dobro pelo picotado das instruções os meus impressos , mergulho-os na chávena como os bolos duros da aldeia que se guardam na lata de esmalte com veados e cornucópias na tampa, e vou-os comendo, deglutindo devagar.Já não preciso de os entregar .Isso é coisa para contribuintes e eu deixei de o ser mal aqui entrei.Retenho-me agora , na fonte das minhas lembranças e sossego esperando aquele tempo em que tudo me será devolvido numa exuberância de fontes e nascentes e em que assim ressarcido, serei apenas senhor do mundo.
Entre tantos, tinha logo de ser eu o visado pela sanha tributária do fisco. Bisbilhotado de cima a baixa , código por código , alínea por alínea , o preenchimento dos meus impressos gerou suspeitas e , onde estas não foram possíveis , revelou incorrecções que determinaram a devolução. Observo as zonas riscadas do modelo e , desde logo , um primeiro sobressalto. O número de dependentes. A Administração central não compreende que eu tenha declarado na quadrícula ser ao mesmo tempo contribuinte e dependente de mim mesmo. Esta manifestação de franqueza ontológica , de verdadeira exposição interior não foi admitida. Mas que fazer , se eu sou mesmo dependente?! A culpa é do impresso que não traz em adenda aqueles questionários tipo , tão comuns nas revistas temáticas , e pelos quais se saberia em items o que seria de considerar ou não como dependente. Pego no corrector e lá emendo, a contragosto, no sentido indicado . Avanço, como no jogo do monopólio , para a próxima casa. Deduções à colecta. Logo nas despesas de saúde , acusam a discrepância entre o que declarei e os documentos de suporte. Afinal a ida ao calista é para as gentes da Fazenda Nacional de todo irrelevante e, de uma penada , arrasam igualmente as despesas com a plástica de recolocação das orelhas num sitio mais conforme para não me chamarem Dumbo.Mesmo o oftalmologista é apenas admitido parcialmente , com exclusão do despendido na cura do terçolho. Vejo-me reduzido a uma condição de saúde emérita e, recomposto deste vigor , desço a tabela até ao novo trampaço.
Agora o problema é com o seguro de vida. Sob o pretexto adagiário de a morte ser certa e o seu risco escasso não me deixam declarar os trezentos euros investidos neste medo de morrer antes de me cumprir , com a única satisfação de, outros. (os que ficarem) se cumprirem antes de morrer. A mesma lógica me devolvem com o Plano Poupança Reforma. Não dedutivel é o veredicto. A minha sorte em ter um emprego inibe-me de pensar em me reformar e , menos ainda , em fazer disso um negócio moralmente censurável. Para que hei-de eu beneficiar a longo prazo de um plano que me financiará a inércia com tantos pombos nos jardins públicos onde eu, de provecta idade, poderei ir dar milho, sem sonhar em luxos asiáticos. Mas o mais inaudito , aquilo com que eu me não conformo e que fará de mim , decerto, um guerrilheiro urbano é aquela estúpida desconfiança de não entenderem que as despesas de linha de internet são superiores à da prestação da casa e que eu tenha declarado aquelas e não estas no espaço reservado ao despendido com as prestações. Não acreditam sequer que declare sob protesto de palavra honrada que vivo dentro de um computador e que se esta é a minha casa tenha o direito de manifestar como benefício o que gasto com ela. Nada feito. Nem arrisco como das outras vezes a escrever por detrás dos impressos , aquele poema tão a gosto e a propósito da autoridade dos impostos. Não vá o amor ser entendido como rendimento tributável , a escrita como pagadora de IVA e , no limite do absurdo, o afecto sujeito a retenção na fonte. Porque não fiz eu como o outro que comeu os impressos passou à clandestinidade e goza hoje de reputação improvável como moderador de um fórum?!
Ai se a D. Dilua le ..."Não acreditam sequer que declare sob protesto de palavra honrada que vivo dentro de um computador ..."
tsel
Bicos e despeitos
« em: Novembro 28, 2005, 01:00:00 »
Há terras onde todos têm bicos e nessas terras , por força de preceito, de nenhum bico sai cólera ou inveja, resentimento ou despeito, que estas misérias apenas se pegam a quem tem boca.Precisamente numa dessas terras de bicos exclusivos habitavam duas garças e uma tartaruga que desde as primícias dos ovos se achavam juntas e semelhantes, tão menos por serem vizinhas do mesmo lágo , tão mais por nelas os bicos que ostentavam as tornarem cúmplices e solidárias.Assim cresceram até que um dia a secura do tempo foi aos poucos fazendo secar o lago obrigando tudo o que se movia naquelas paragens a buscar novos poisos.Confrontadas com a urgência de uma decisão, as garças propuseram também uma partida rápida mas a tartaruga recriminou-lhes o facto de não se terem apercebido que ela, tão amiga,sem saber voar e de tão lenta , ao fim de três dias de jorna sucumbiria de exaustão.Envergonhadas , as garças foram ficando mas quando o lago era apenas já um charco enlodado e turvo de uma água a fazer-se chão , lembraram de novo a necessidade de partir. Só que desta vez propuseram que levassem consigo a tartaruga combinando, todas, uma forma eficaz de a transportarem.Como a dificuldade nunca resiste ao engenho , a resposta veio rápida e com o assentimento do possível.Descortinaram as garças, perante o enfado da tartaruga, que se sustentassem,cada uma, ainda que com esforço e perigo, no respectivo bico um pau e , por sua vez, a tartaruga se agarrasse a esse pau , pelo meio, também com o seu bico seria possível levá-la , voando, numa viagem breve ou longa até onde um novo lago as acolhesse a todas.
Radiante a tartaruga rebolava de borco e , as garças, bem mais sensatas , advertiram-na vezes sem conto que ela não poderia , em caso algum, abrir o bico pois caso contrário cairia das alturas.A tartaruga de radiante garantia que sim senhor, que ninguem a faria abrir o bico, nem pelo pasmo nem por nenhuma outra razão.Combinada a partida, segundo a fórmula encontrada, as três lá partiram, deixando para trás o seu lago, voando e voando , passando por cima de florestas e montanhas na busca de um lugar seguro e farto de água onde ficarem.Lá em baixo, algumas pessoas olhando espantavam-se alto com a esperteza da tartaruga que se deixava levar pelas duas garças.Ouvindo isto as duas garças continuavam em consciência o seu caminho não prestando atenção ao que diziam enquanto o coração da tartaruga pulava de uma alegria chocha ao ouvir os elogios.Mais adiante , por cima de uma colina , uns pastores viram-as e puseram-se a gritar louvando a inteligência das garças por levarem um pau no bico e carregarem a tartaruga.Mais uma vez, as aves não prestaram atenção alguma , concentradas no vôo , mas a tartaruga sentiu-se ofendido por aqueles fedelhos sem préstimo acharem que eram as garças que a carregavam e não repararem que era ela a urdidora de um plano de tamanho mérito. E furiosa , na vontade de lhes chamar imbecis , juntou toda a sua energia e gritou para os pequenos pastores: Ei !...Não pôde acabar a frase pois que mal tinha aberto o bico, agora transformado em boca por força do despeito, deixou-se cair na direcção de um enorme pedregulho esverdeado, desejoso de lhe amparar a queda, de cabeça para baixo e de patas para o ar.
...mais vale uma tartaruga no chão do que duas garças a voar...
Snuf
...ou será antes que o despeito é sempre mais pesado que a generosidade?...
... ha muito "portuga" q deveria chamar-se "tortuga"
tsel
...da generosidade não reza a história.Somos uma humanidade despeitada, muito emproada na sua ignorância, que nem nas linhas - e com letras como bois - sabe ler quanto mais nas entrelinhas.Ainda bem que a generosidade só se alimenta do prazer de dar sem receber...
Snuf
É já um clássico que nos entendamos pelo desentendimento e por via disso , acrescento-me...Dizes que da generosidade não reza a história ...E digo eu que a generosidade reza , e apenas ela o faz , que rezar mais não é que a narrativa silenciosa que afaga a consciência enquanto , por fora, vamos contando o que contamos.Não sei bem porque estranha razão nas histórias que vou lendo quem é generoso acaba sempre a voar e a fazer os outros voar para lá dos seus limites de chão, enquanto quem se despeita acaba sempre numa queda de encontro ao lugar de onde nunca saiu.e isto faz-me lembrar uma história...
Naturo, um dos mágicos da floresta , era conhecido por ter irrequietudes de humor.Encarava o seu dom com displicência e comprazia-se em infernizar a vida a Arturo , o mágico mais velho daquele bosque , mestre do ar e das alturas , das aves e das nuvens , e para quem as peripécias de Naturo constituíam ofensa ao poder que recebera e incumprimento ao serviço que lhe cumpria.Mas para Naturo , a indisposição do velho Arturo era apenas um convite a mais loucas tralhadanças e, no limite, resolveu desafiar este nos seus próprios domínios.Aproveitando a nidação das águias , às escondidas , Naturo retirou um ovo da espécie e foi colocá-lo num quinteiro de galinhas onde foi chocado .Passado algum tempo nasceu uma ninhada de pintos e, entre eles, o pinto-águia.Habituados ás rotinas do galinheiro , todos sem excepção passavam o tempo a ciscar milho no terreiro e a esgravatar a terra em busca de minhocas sem quererem saber se havia altura e horizonte. Numa vida de galinhas estava pois aquela águia condenada a ser galinha , e foi-o sendo com a mesma naturalidade e constância com que os dias sucedem ás noites.Aconteceu porém que passando Arturo por ali , lá do cimo , do lugar em que sempre viajava , viu cá em baixo aquele espectáculo grotesco de uma águia enorme , de asas largas, a arrastar-se pelo terreiro , ciscando milho e bicando minhocas , no meio de galinhas que dela escarneciam por ser desajeitada, e ter asas , bico e patas com defeito.
Percebendo logo o sucedido, Arturo foi ter com o jovem Naturo pedindo explicações. Se ele não via que o pobre animal carregava o peso da vergonha de ser águia entre galinhas e galinha entre as águias...Naturo interrompeu, irreverente, dizendo que aquela que tinha sido águia, agora já o não era pois que se havia transformado em galinha para sempre.Arturo discordava ,colérico, argumentando que aquela águia jamais seria ou poderia ser outra coisa, bastando apenas que quisesse agora com a vontade aquilo que teria aprendido com a experiência entre iguais.Pois que não verberava o jovem, gracejando do determinismo que faz do destino a única liberdade e pondo, no lugar deste, a vontade de se ser o que se quer, e figurando a culpa como a inércia de quem se sujeita à imitação do que não lhe pertence. Se a águia era galinha a culpa era dela que tinha escolhido em cada instante o conforto de repetir gestos que, sendo errados à sua espécie, elegera como certos. A questão nem era nova.Desde que se distribuíra a vida por aquelas paragens , sempre se discutira da necessidade de firmar um código de comportamentos e infracções segundo o qual a certeza e a segurança pudessem ser garantidas de forma a evitar que o equilíbrio se pervertesse quer pela inveja quer por qualquer ambição superior à capacidade de ambicionar, mas a falta de consenso em torno do poder de disposição permitido a cada um tinha deixado ao arbítrio da sindicância dos magos a sabedoria de prescrever o que era certo e errado.
Porque Naturo persistia, resolveram então, ele a Arturo, aceitar um desafio.Far-se-ia um julgamento justo e a verdade, estivesse ela onde estivesse, por força haveria de vir ao cimo , trazida pelo poder , mais que das arguências, da inevitabilidade que existe em cada um e que por verso ou inverso caminho acaba sempre por revelar a identidade.Se a águia voltasse a voar e a viver no alto das montanhas Naturo deixaria as suas graças. Se ao contrário a águia continuasse ciscando milho e bicando minhocas, então Arturo daria ao jovem os seus mágicos poderes.Contrariamente ao modelo que conhecia das averiguações de todas as faltas, em que o principio da suspeita nunca excede o tacto se de apresentar sempre como dúvida, ele não estava para perder tempo nessas afectações de pudor de nula eficácia e, como estava certo da sua razão, não havia motivos para se delongar em querelas de contradita certificada, com nomeação de testemunhos, aprazamento de exames periciais para hormonar e genuinidade da ave e , menos ainda, para deixar à convicção de quem não era mago como ele, o veredicto final em matéria de tamanho melindre e importância.
Julgar em semelhante caso não era apenas um exorcismo da consciência, depois do mal feito, para dar da justiça a ideia de umas sulfamidas que nenhum efeito produzem a não ser o de fingir que se faz alguma coisa dando ao tempo o tempo de afundar na memória aquilo que a prevenção não evitou. Tinha para si que ao lado desse procedimento institucional que faz a verdade perder-se em regras de descoberta, havia um outro, bem mais rápido e decisivo, porque partindo da intuição sagaz apanha a suspeita pelos gorgomilhos e, dando-lhe dois bons safanões, a faz desvendar-se de evidências. E todos sabem que a autoridade é um poderoso argumento para fazer sair a verdade do lugar em que se embusque, da mesma maneira que um furão faz sair de qualquer lura por mais apertada que seja, qualquer coelho. E ele, que diabo, tinha essa autoridade ou não fosse magomestre do ar e das alturas, das aves e das nuvens.Na manhã seguinte Arturo dirigiu-se ao galinheiro e surpreendendo a águia ainda no seu sono, pegou nela , subiu a um banco , agarrou-a bem acima da sua cabeça e disse em voz forte e solene:-Nasceste águia para planares acima das montanhas e para mostrares ás restantes criaturas que é necessário olhar para o infinito. Por isso te intimo a seres o que és, e a voares.
A águia, que nunca tinha estado tão alto, anichada nas mãos erguidas de Arturo, tremia enquanto olhava no terreiro as galinhas ciscando milho e bicando minhocas. Então, largou-se num impulso desgovernado de crença ou fantasia e , vindo por ali abaixo, estatelou-se no terreiro , recomeçando também ela , dorida ainda pela queda, a bicotear os grãos de cereal, no meio do gargalhar trocista das galinhas que assistiam ao espectáculo, cacarejando explicações aliviadas por finalmente alguém ter descoberto na aparência daquele bicho informe a causa dos transtornos do galinheiro.Se não tinham mais milho pelo menos tinham agora a benemerência de uma evasão da rotina que lhes permitia apreciar a importância de serem iguais, sem terem de cuidar de outras razões para se deixarem no seu sossego. Arturo não desistiu mas achou por bem deixar passar um tempo antes de voltar a insistir , para melhor perceber o que falhara.Não era a primeira vez que encontrava quem não entendesse ás primeiras a natureza das suas falhas e isso nunca o demovera de pôr o certo no lugar do seguro portanto, não seria agora que tal iria suceder, cogitando que teria apenas de dar algum tempo à ousadia recalcitrante da ave, para lhe permitir, a ela, ver o seu desacerto da sua transgressão.
Nessa noite a águia não conseguiu dormir.Tinha-a agitado aquela estranha sensação de vir por ali abaixo numa queda sem regresso e , depois, não conseguia também esquecer as palavras daquele velho tonto gritando coisas sem sentido, como se tivesse feito alguma coisa de errado, ela que sempre se esforçara por não cobiçar o que lhe sabia estar vedado.Sentia-se ainda dorida quando olhando no terreiro viu, projectada no chão do terreiro, uma sombra como a sua , rodando devagar. Olhou no alto e, na direcção da lua, junto das nuvens, uma galinha enorme assim, com asas , bico e patas com defeito , voava tranquila num voo que acenava cá para baixo.A águia adormeceu então e sonhou que também ela voava na direcção de um grande grão de milho que era o sol.Na manhã seguinte o corpo pesava como pedra e nem força tinha para sair do galinheiro.Deixou-se ficar.Tentava ainda, mais uma vez, perceber porque lhe tinham entrado na rotina e desalinhavado a paz dos dias , sem mais outras nem aquelas, pretendendo dela qualquer coisa que estava muito acima da sua compreensão, mas apenas conseguia sentir o vazio escuro do desequilíbrio entre a incapacidade de quem ignora e a impaciência de quem quer , sem saber que dessa forma enunciava o princípio de toda a injustiça.
Arturo que concedera um tempo a si mesmo, regressou.Entrando no terreiro onde a águia galinha se retomara de rotina , pegou nela , subiu agora ao cimo de uma árvore e, agarrando-a nas mãos , com voz solene e grave disse de novo :- Nasceste águia para planares acima das montanhas e para mostrares ás restantes criaturas que é necessário olhar para o infinito.. Por isso te intimo a seres o que és e a voares.A águia acocorada nas mãos erguidas do mágico , tremia enquanto olhava no terreiro as galinhas ciscando milho e bicando minhocas .Então, largou-se num impulso desprovido de crença ou ambição e veio por ali abaixo até se estatelar no terreiro , com estrondo no meio das galinhas que agora, estupefactas , começavam também elas a temer os modos de Arturo.Este, espantado com o insucesso dos seus poderes e pressionado pelo silêncio acrimoso de Naturo, que tudo observava atentamente , desceu da árvore e num delírio de insistência , agarrando de novo a águia que de combalida, ainda não se levantara, subiu com ela ao cimo da torre mais alta do quinteiro.Não sabia já se o enfurecia mais a arrogância do pássaro se a sua impotência em reparar o mal evidente que poderia constituir a exibição pública da impunidade mas não duvidava, nem por um segundo, que tamanha culpa merecia adequado castigo.
Então, no alto do campanário, suspendendo-a pelas patas no espaço gritou enfurecido:-Nasceste águia para planares acima das montanhas e para mostrares ás restantes criaturas que é necessário olhar mais alto e tocar o infinito. Por isso te intimo e ordeno a seres o que és e a voares ! O pobre bicho, balançando nas mãos de Arturo, de cabeça ao dependuro, meio zonzo , olhava cá em baixo no terreiro onde as galinhas eram minúsculos pontos de poeira em movimentos constantes da cabeça contra o chão.E quando ela percebeu que com esses movimentos as galinhas ciscavam o milho e as minhocas, a águia largou-se num impulso desgovernado de crença e desprovido de sonho , vindo por ali abaixo num turbilhão de penas descomposto , estatelando-se no terreiro perante o silêncio das galinhas.Arturo , irritado, sem se atribuir a si a inépcia de resgatar do animal a verdade que lhe suspeitava por dentro daquela rábula de galinha, tão pouco a possibilidade de na ave não existir vestígio de erro, maldizia a falta de grandeza daquele bicho , indigno de habitar os seus dominios e, descendo da torre dirigiu-se ao triste animal sentenciando: Estúpida criatura . Ofensa aos nobres animais que eu domino. Eu, pelos poderes que tenho, te expulso e te retiro em sinal de banimento as penas que carregas mas não usas. E para maior ser a tua vergonha determino e mando que sem penas te atem , e assim mostrado sejas para que as restantes criaturas na troça que de ti façam , percebam que igual sorte será a delas se porventura ousarem ser diferentes daquilo que por natureza são.A assim se fez.A águia galinha foi mostrada , atada num pau e já sem penas, aos restantes animais da floresta que numa mistura de medo e assentimento se agitavam na passar do cortejo.
Enquanto isto , cumprindo na obrigação o desafio , Arturo depenava-se também ele dos seus poderes que entregava a Naturo, sem estes saber agora o que lhes fazer, e desaparecia no ar, por entre as nuvens.Cá em baixo a águia sucumbira, inerte ao peso da vergonha que é o nome que a certeza temerária tem quando acerta num infeliz para servir de exemplo.Quando de tal se aperceberam, os animais do mato e superfície, desceram a águia do pau da expositura e abandonaram-na , já sem préstimo, num buraco escuro onde não se podia ver o sol, e todos eles foram embora, fazendo sérias contas sobre o governo do reino.Descendo do céu parou então junto do buraco uma Águia enorme que desde sempre observara aquela outra infeliz , e as diabruras dos magos sabedores.Pegou-a nas garras e levou-a consigo para o cimo das montanhas, onde não chegam os olhares dos mágicos nem o dos bichos do mato e superfície.Então, soprando sobre a que durante uma vida inteira julgara ser galinha segredou-lhe:-Nasceste águia e pertences por natureza ao reino das alturas mas só por tua vontade e decisão poderás experimentar essa grandeza ou escolher a condição dos que não voam.A águia galinha abriu os olhos viu lá no alto o céu como horizonte, e olhando para baixo, apenas viu os mares e as florestas, os campos e os rios .Nem sinais de mágicos descontentes ou com irrequietudes de humor , nem vestígios de galinhas ciscando milho no terreiro.Então, abrindo as asas, onde penas novas e brilhante tinham voltado a nascer, olhando para o alto e só para o alto , a Águia libertou-se do que em si havia de galinha e , decidida e crente, voou na direcção do infinito perante o espanto de mágicos sem poderes e a inveja de bichos sem grandeza.
Efectivamente, as chaves do nossos cadeados estão dependuradas quase exclusivamente da vontade. Mas a generosidade - ilustrada por esta belíssima história que versa sobre um universo muito vasto de emoções - quando muito ilumina as sinuosidades do caminho para lhe aceder.Quando insisto que da generosidade não reza a história refiro-me à História . No entanto, pouco gosto de usar H nesse palavrão exactamente por não concordar que seja possível estudar a História - apenas uma versão dela, por muito consagrada que seja.Por outro lado - e isto daria pano para mais mangas do que braços tenho - se "generosidade reza , e apenas ela o faz , e rezar mais não é que a narrativa silenciosa que afaga a consciência enquanto , por fora, vamos contando o que contamos" esse «afagar de consciência» parece-me contradizer a essência da generosidade, sendo uma remuneração (mesmo que auto-remuneração) para algo que pressupõe só possuir real sentido se nada se receber em troca.Assim, se a generosidade reza deixa de ter essência e deixa de ser generosidade. Se não reza, poderá ser tida por ateísta - ver mesmo descrente - e perde a razão de ser. Em ambos os casos demoli a generosidade. Quando tiver mais algum tempo, volto cá para reconstruí-la.
Snuf
Para compreender é preciso sentir.Uma reinvenção aceitável de Boff. Parabéns.
Sura
Boff tinha por sua vez reinventado o mito índio.Sempre nos acrescentamos quando acrescentamos os nossos pontos.
O Boff é aquele que cuidava ser Cristo um Che Guevara?
Egitaniense
Boff, o Leonardo, era e é aquele que, ainda que com vertigem acreditou e acredita que Deus se fez Homem para que cada homem tenha um caminho de realeza para percorrer.Outros Leonardos houve e haverá que acreditaram antes que entre ter sapatos de pelica para mostrar nas praças das cidades ou sandálias para percorrer veredas , escolheram a luxúria dos primeiros e nunca viram outras terras a não ser aquelas que existiam nas histórias dos mercadores que vindos de longe diziam andarem atrás de uma estrela que lhes indicaria um palácio transparente onde estava prestes a nascer um rei que faria uma estrada em que todos os homens pudessem caminhar lado a lado sem medo de se acotovelarem ou de cairem nas bermas.
Então é ele mesmo.Sem comentários.
Egitaniense
O espantalho
« em: Dezembro 04, 2005, 01:00:00 »
A noite incendiada de estrelasEstava friaE a mulher, pródiga de formasCarregava na barriga uma alegriado tamanho de um mundo indesvendado.O homem , tombando o corpo para a frenteentreabriu a porta do barracoe desolado confirmouque um burro e uma vaca seriam uma justa companhiase o bafo quentee a docilidade do olharfosse tão franca como aquele barrote atrás da porta era uma tranca.Tudo estava perfeitocomo nas perfeitas escriturasApenas com o senão de a palha estar molhadaE por isso, não pensando duas vezes,o protector do nascituro , dirigiu-se aquele boneco espantadorque no meio do campo, aquela hora,embalado pelo vento e bandeandoapenas sonhavacom nuvens de tordos debandando.Então, agindo resoluto, O homem meteu as mãos no peitodaquele mono e arrancou duas braçadas de feno cheirando ainda a pão e melhor do que o aroma...estava enxuto . Depois, sem perder mais tempo,correu a fazer com eleum berço lindo , digno de um rei,em que o dosselera apenas o sorriso do jumento.
O resto da história já se sabeO menino nasceu bemE de bom peso.Vieram pastores , reis magosE até os curiosos do costumeMas o que ninguem disseÉ que depois do incenso, ouro e mirraUma outra figura apareceuE dela não deu conta o escritor.Aliviara-se o menino nas palhinhasque assim humedecidas desse jeitoameaçavam constipar o pequerucho...Foi então que o espantalhoconhecedor das fraquezas dos petizesIrrompeu cambaleante na cabanaEstendendo nas mãos mais dois braçadosde uma palha com a fofura de um veludoque entregou à mãe do menino comovida.O pequeno , acordando do seu sonoestendeu um dedo gorduchinhona direcção do matrafono esfrangalhado,já sem peito de tanta dádiva ter dado,e fez nascer nesse vazio do bonecoum coração tão quente ... mas tão quente ...Que por magia de bondadeAquele monte de palha se fez gente.E ainda hoje ,dois mil anos já volvidos, conservamos seguro este segredo que nos embalae nos empurra para a frenteSabermos que só quando nos damos...mas só quando nos damos de verdadeTemos o direito de suporQue somos gente...
Quando se inicia a semana com estes presentes cantados, as mesquinhezes e os enfátuos da vida exinanem-se por si.Quem dera ser assim, de tão grande habilidade que as palavras mais singelas pesassem mais do que o seu peso em sabedorias.Não...não se trata de reles inveja. Apenas o reconhecimento de que quem assim sabe dizer sabe dar mais e melhor. Quem assim sabe dizer tem o direito de supor que é gente. Porque dá de verdade.
Snuf
reconheço aqui já já nem todos os dia consigo ter tempo para te ler.... mas vale sempre a pena... também me assalta algum mal estar, pois gostaria de ter essa forma de saber escrever... por outro lado simto-me bem em saber que és das pessoas com quem me realciono nestes espaço do jarmelo, em quem se pode confiar para outras tarefas ( sem aqui dizer que não conto com os outros).
ag da silva
Amar sem exigências, sem expectativas, sem cobranças, sem obrigações, sem limites.Apenas amar desinteressadamente ...
tsel
Prágio ou o absurdo da identidade
« em: Novembro 29, 2005, 01:00:00 »
Prágio era o bicho mais fino e astuto de todos quantos houve nas redondezas do meu povoado.Tinha uma pelagem auriflame , um focinho espetado para a frente e umas mandíbulas assertoadas , sendo que a de baixo é que assertoava a de cima.Não tinha dono e nascera de geração espontânea numa noite em que um luar mais abrasivo desvirgulara as pudibências de um cachoro , mais exactamente de uma cachorra , deixando a sombra desta possuída , muito mais que simplesmente do fulgor de um astro de brilho emprestado.Foi exactamente no lugar dessa sombra , por misteriosa tecitura das ervas , que Prágio nasceu , num prodígio de animalidade enxertada em acaso , posto seja que nunca o acaso se dera por satisfeito , de tal forma , que sempre lhe recusou a paternidade .Mas isso ao caso não convém , e o registo há-de fazer constar que Prágio era um daqueles seres tão livres e libertos que nenhuma progenitura prévia os condiciona.A finura deste animal revelava-se em passar despercebido num protagonismo activo e desusado, transformando a sua presença num manifesto de ausência por se remeter sempre, em gestos e dizeres, para uma outra presença que não a sua.Eu explico.
Prágio de tanto se esforçar por nada ser, que não o que imitava, fazia sempre lembrar algum outro nos seus modos , nas suas precipitações , nas suas apariduras e nas suas arguências.Contudo , esta sugestão de alteridade era o seu maior e único encanto.O caso conta-se depressa e sem artifícios de descrição.Um dia daqueles perfeitos , com a animalagem toda reunida , com um auditório composto , Prágio chegou-se à frente e, na intenção de se imitar a si próprio, que mais não era que uma soma de outros , trocou-se de identidade e, de outro em outro, qual matrioska russa , foi entrando dentro de si , sem se encontrar, e ficando mais pequeno , cada vez mais mais pequeno acabou por ficar minúsculo e incabível em quem quer que fosse.- Façam-me grande! Gritava o pobre .- Mas como?! Perguntavam os circunstantes entre o pasmo daquilo a que haviam assistido e a gratidão de se verem livres de um impertinente.- Imitem-me a mim!!! Propendia ele na insignificância redutora da sua estatura , pequena de mais até para ser ridícula.Mas não o podiam imitar porque ele fora apenas uma imitação , uma recolha de propendência geridas com a finalidade de agradar e nunca com o ensejo de ter uma identidade.Encolhendo as espáduas , a bichanagem foi debandando ainda incrédula com a possibilidade de se poder desinvoluir daquele jeito , mas advertidos de ,a partir daí, apenas serem a expressão da sua originalidade ainda que de fraco mérito ou de menor reconhecimento.
A noite chegou encontrando Prágio no ínfimo da sua notoriedade e a luz da lua , abrasiva como não era há muito , iluminando-lhe o pêlo com a cintilância de uma gota de orvalho , fê-lo sentir de novo senhor de um palco sobre o qual incidisse um holofote e macaqueou uma ode vicentina , agracejada de trejeitos do corpo , rematando-a com o protesto de ser sua.A lua brilhava ainda mas o ponto deixou de cintilar e nem vestígios de Prágio nem sinais de minuscularia .Apenas um nada sobre a erva num fenómeno de desgestação tão espontânea como como havia sido o seu aparecimento.Não apareceu ninguém para testemunhar este fim de cena mas o Acaso, aquele que nega sempre a paternidade ao que quer que seja mas que anda sempre pelas fímbrias das ocorrências não presenciadas , assentou no caderninho de folhas de nogueira em que escrevia para seu governo , com aparos de vento... " Àquele que é grande toda a imitação se lhe desculpa com pretexto de ser fértil a sua originalidade e esta existir até na repetição que faça da dos outros , mas aquele que for pequeno até desaparecerá por completo se ousar um atrevimento já existido".O luar abrasou-se de novo e todas as cachoras correram desvairadas a esconder-se da luz , não fossem as suas sombras possuídas de exorbitância.Melhor assim , pensou o Acaso . Não me virão depois pedir responsabilidades a mim , que já sou pai de tanta gente ...
Como sempre, fabulosamente posto. E neste caso, «fábulosamente» é o termo.Quanto ao absurdo da identidade, pergunto-me se não seremos todos nós uns Plágios...perdão, uns Prágios em potência. A ver pela homogeneidade de hábitos, gostos e costumes -já sem sequer preocupação de dissertar sobre a sua valência - diria que é difícil descortinar entre o genuíno e o prágio que existe em cada um.
Snuf
Os poetas e os camponeses
« em: Novembro 24, 2005, 01:00:00 »
Os poetas são reservados e os camponeses são tímidos mas por força de olharem as mesmas coisas por vezes entendem-se e, nesse dia, ao fim da tarde o do campo soltou-se de constrangimentos e vendo o outro , absorto na contemplação do vento ,insistiu em contar-lhe uma história das que fazem pensar pela noite dentro.Era uma vez um rato que caiu na ratoeira e enquanto estava tranquilamente a comer o queijo que havia dentro aproximou-se um gato que lhe garantiu que aquela seria a sua última refeição.Porém o rato sabia que na ratoeira estava seguro e argumentou com o bichano que não se importava com o seu destino uma vez que só tinha uma vida e só morreria uma vez.Maior devia ser a desdita de ter sete vida e ter de morrer sete vezes; viver sete vidas com a memória de outras seis mortes, sempre acrescidas em cada novo nascimento.O gato estremeceu como nunca antes havia estremecido e prometeu ao rato que o soltava, e lhe não faria mal algum, se aceitasse o encargo de tomar para si as seis vidas que a ele lhe sobravam.Firmado o trato desenvencilhou-se o roedor dos seus apertos e mal se viram trocados de destinos, o gato correu a meter-se dentro da ratoeira a lamber as migalhas de queijo que ali tinham sobrado enquanto o rato, cá fora, aguardava a sua vez de se repimpar com a única vida do felino.
Neste momento da história o camponês calou-se e olhando para o lado reparou que o poeta pegara na sua enxada e se entretinha a escavar o chão de pedra como se o lavrasse na preparação de uma nova sementeira.- Que fazes tu ? Perguntou ele. - Não sabes que aí onde cavas não cresce semente nem se doira o trigo? - Que me importa a mim?! Respondeu o outro.- Agora que trocaste as tuas sete vidas de trabalho pela minha de apreensão, sobra-me a mim o tempo dos impossiveis e falta-te a ti o da paciência.
O rei das palavras
« em: Novembro 22, 2005, 01:00:00 »
Era uma vez há dois mil anos. Ele não era rei nem governava nenhum país. Apenas passara a sua vida inteira a ler e a ouvir os outros , atento ás palavras e ao poder que elas têm . Tentara fazer chá de palavras mas nenhuma água as desfazia ou então , de tal modo leves , soltavam-se com o calor da fervura. Queria ele palavras que curassem. Trabalhava um dia , esse homem , na sua última tarefa , a de descobrir quais as palavras que nunca haviam sido ditas , quando viu no céu um clarão brilhante e intenso e que parecia um vocábulo acabado de nascer . Confuso , ainda hesitou mas resolveu mesmo deixar tudo e pôr-se a andar na direcção que aquela estrela em forma de ditongos não parava de indicar , convicto de que se acaso tivesse em suas mãos uma palavra recém nascida essa visão do originário lhe poderia desvendar o segredo dessas outras que por nunca haverem sido ditos ainda tinham o poder de curar. Partiu e , de tão discreto ser, ninguém deu pela sua falta. Levava no saco um punhado de letras avulsas que durante uma vida inteira recolhera nas vozes e nos livros , aguardando que algum milagre lhes viesse dar sentido . A meio do caminho parou e pensou um pouco. Que estava ele a fazer ali no meio da estrada sem mais saber que não estar a perseguir um sinal no firmamento que por vezes se confundia com o cintilar do seu desejo...
Foi passando por muitas terras e em cada uma se demorava porque sempre havia alguém que reclamava uma atenção ou uma história , a paz de um poema ou a fé de uma ladainha e ele , a ninguém negava o que sabia... Passaram os dias , o cansaço sobreveio e foi então quando , numa noite , o sinal desceu do céu e posou na espessura do feno , ele entrou no palheiro , abriu o saco e pretendeu entregar as letras todas como oferta aquele menino para que apenas palavras novas com elas pudesse articular. Mas o saco estava vazio e ele estava mudo. Durante a viagem gastara-as todas , dando-as a quem as reclamara e agora também ele estava desprovido de voz. Contendo as lágrimas o velho olhava nas mãos dos outros velhos em redor, incenso , oiro e mirra , sublinhando ainda mais o vazio do seu saco mas sossegou quando , reparando, viu melhor que naquelas palhas estavam todas as suas letras , o segredo de todas as palavras , e foi já sorrindo que percebeu que a sua mudez era o silêncio de qualquer recém nascido e que o Verbo, quando é acreditado , se faz gente.
E depois do Verbo veio o Sopro para que a gente acreditada o saiba que é.O velho sabia então que não tinha voz, nem letras, sem a Brisa que que dava corpo ao Verbo e tão pouco duvidou que a mudez do recém nascido continha toda a Palavra não dita, onde a entrega falava.Foi então que o velho adormeceu com a cabeça encostada às palhas onde repousava a existência de todos os que não são ouvidos, nem olhados.
Sura
A oferta
« em: Novembro 23, 2005, 01:00:00 »
O dia quase despontava.Frio e orvalhado, com pingentes de neve no rebordo das telhas e fiapos de vidro de água nos ramos das árvores. Derreado da jornada e da trepidação da dromedagem , Baltazar ressonava alto , encostado ao feno , enquanto Belchior , magnificente quando acordado , parecia agora um farrapo de gente amarrotado de sedas de carmim. Apenas Gaspar , resfolegando embora , mantinha a aparência de alguma realeza africana, lustroso de brilho e orgulhoso da sua pele. Também os pastores , vencidos pelo sono e pelo esplendor da adoração , se quedaram no estábulo , dormitando e sonhando , talvez com um rei que os sentasse à sua mesa. A noite fora intensa com tantas declarações de júbilo e protestos de felicidade como em nenhuma corte se vira antes e a invernia apanhara desprevenidos todos aqueles a quem o entusiasmo fizera perder a noção do tempo, julgando estarem a pisar a primeira réstia da eternidade. O pequeno , de olhos abertos , mirava tudo com inteira atenção e foi demorando olhar por sobre o brilho das prendas... Numa agilidade insuspeita deslizou pelas palhas até ao chão e, nuzito de todo , gatinhou até ao pote da mirra , enfiou nele o dedo que se besuntou de imediato e, levando-o às virilhas, sossegou o ardor , que ali sentia, soprando espevitado sobre o vermelhão da queimagem.Sorria agora num aliviado contentamento e agradeceu numa garatuja da face àquele colosso de barbas a lembrança que tivera em lhe trazer o unguento.
Abriu as bochechas num sorriso largo e avançou de pronto para a caixa do incenso enterrando nela a ponta do nariz, satisfeito com aquele aroma de noite de festa e , de repente , o empastado do ar onde um cheiro ecuménico a homem e a bicho entumecia as narinas , dissipou-se numa elevação que de novo permitia que os sentidos sossegassem deixando de estar cativos do olfacto. Também este outro sábio meão, quadrado e hirsuto soubera bem escolher a sua prenda. Mesmo ali ao lado , a refulgência do ouro alumiou-lhe o negro dos olhos e gatinhando até ele , percebeu como o esplendor e a cegueira podem estar tão juntas , já que aquilo que convida à dádiva pode ser tentação de a usura e a avareza. Mas mais que ouro aquele dourado das correntes e argolas era um convite à realeza e como tal o aceitou. Consumido nas suas reflexões olhou para o lado e viu , saindo do bolso de um pastor adormecido , uma baraça esgaçada, com um nó na ponta, e sem se deter em conjecturas foi-a puxando até do forro se ter despregado um pião gasto e rombo. Caramba, pensou ele , que nagalho imenso devem ter usado para porem a girar a terra nesta tontura de voltas incessadas.
Espreitou ainda lá para dentro daquela lura de pano, de onde saíra tamanha revelação e , metendo por ela a mãozita de dedos sapudos e rosados , tirou lá das profundezas um pedaço de centeio escuro e duro em que fincou as gengivas tenras e roeu o o miolo num comprazimento principesco. Olhou de novo aqueles reis todos , aqueles presentes todos e soube que naquele momento, em que tudo dormia, teria que escolher sobre qual das dádivas construiria o seu reino mas não hesitou. Pegou no pão que sobrara, repartiu-o com a força dos seus dedos recém nados , e foi depositar no bolso de cada um um pedaço , que mais que uma oferenda para saciar qualquer fome , era e continua a ser ainda o compromisso e a lembrança que nenhum homem é rei enquanto o seu semelhante não tiver pão e nenhum Deus é verdadeiro enquanto não lembrar ás gentes que o caminho da fé e da esperança se conquista na capacidade que vamos tendo de alimentar o próximo. Dizem que depois da alvorada todos acordaram e foram contentes para os seus destinos e que nem o pastor suspeitou que por um instante fora rei , embora tenha estranhado , quando jogou de novo o pião , que ele rodava com um esplendor de astro azul e que rodando lhe aquecia o coração e apaziguava a fome.
De banquetes sem alimento, está o pião azul cheio, pensou o rei pastor.Lançarei à terra sementes que morrerão e na morte encontrarão a vida de uma massa de pão feita de entregas, gargalhadas e lágrimas.O fermento será o meu reino que nem todos entenderão e será confundido com uma qualquer área comercial onde haverá salvações para todos os gostos.No olhar e no sorriso das gentes colocarei as melhores iguarias para que o pão de cada dia esteja ao alcance de todos e cada um se alimente na medida do seu apetite.Foi quando o pastor rei se encantou com a negra ovelha de volta ao redil, embasbacado na alegria do reencontro conseguido que reparou o quanto o seu coração transbordava de apelos.
Sura
Pardais
« em: Novembro 22, 2005, 01:00:00 »
Um pardal não morre. Voa invisível um voo transparente, detonando em cada curva sinuosa um estampido surdo da memória que faz o passado ser presente. Quando o nosso olhar fica mais curto que o voo de um pardal não é ele que morre é a gente que o não vê e fica aquém, para cá do sobressalto onde a morte só é morte porque obriga cada um a ser mortal.
Um pardal não morreEstende as asaspela lonjura das palavras ditas,estrondeando em cada linha sinuosao silencioso fragor da vontadeque faz o Homem ser gente.Quando o nosso desejose empedernedistante das asas de um pardalnão é ele que morreé a gente que o não senteapartados do desassossego da fome de ser em que a vida só é vidaporque obriga cada um a viver.
Snuf
Um pardal não morresobrevoa-nos a alma moribundaafagando-a com o bater das suas asasabraçando-a num longo adeusonde nunca deixamos de estar.
Sepia
O lanço da fisga
« em: Novembro 04, 2005, 01:00:00 »
Aparelhado o galho com a bifurcação perfeita, num ângulo exacto de 45º, de braço esticado, metendo nesse buraco o horizonte delimitado pelo interesse da nitidez, volteou-se confirmando que , fosse qual fosse o alvo em que acertasse a mira ele se oferecia limpo e claro.Rodou o pau na mão fechada para que a pega se fosse alisando e criando a firmeza do gesto repetindo a operação enquanto regressava a casa , motivado agora pela dificuldade de saber como engendraria maneira de obter um elástico que daquela cruzeta de madeira fizesse uma fisga.A coisa não era de fácil andadura e mais dificíl se tornou quando a prescrutação da loja ía deixando de fora as sucessivas descobertas que julgara ter alguma coisa de possível.Nenhuma borracha de câmara de ar de roda de bicicleta se encontrava sem atavio e não se atrevia a tirar um pedaço que fosse aquela que ligava a mangueira de rega , retesada sobre os tubos, num atilho tão economizado que tocar-lhe faria esbandalhar a espiral verde estriada e que ele sempre achara semelhante à traqueia de um dragão que, em vez de fogo, trazia a água da fundura dos poços. A medida da sua procura revelava-lhe que o mundo que até então conhecia era mais feito de coisas duras e inextensíveis que das outras, das que esticam segundo a pressão a que as sujeitam.Comido o caldo e depois de a contemplação do fogo da lareira lhe ter trazido a quentura do sono, desejou , já no frio dos lençois, que a noite lhe trouxesse algum engenho, numa forma de prece sublinhada pela palpação que ia fazendo, junto do peito,do madeirame que naquele momento quase coincidia com uma uma cruz votiva.
O sono não se rendia e a cabeça fervilhava-lhe agora num clarão que antecede sempre o saber que estamos irremediávelmente suspensos sobre o abismo da impossibilidade, sem força de regresso, ou o encontro com a solução revelada por outro querer que nos acresce e nos sossega e, foi assim, que a ideia lhe veio.Levantou-se, percorreu o escuro da casa até ao quarto da avó onde o resfolegar da glote assegurava que ela dormia um sono profundo e, aproximando-se da roupa deixada sobre a cadeira, retirou do espaldar as meias pretas e com a agilidade que os seus dedos pequenos lhe permitiam, desenrodilhou os elásticos das ligas que carregou consigo numa escapilidela rápida até ao quarto levando numa das mãos num equílibrio inconstante a lata da costura.O quarto era refúgio bastante e a candeia fornecia luz de sobra para que sem grandes demoras pudesse fazer o que lhe mandava o atrevimento, cortando com a tesoura um pedaço de elástico a cada uma das ligas e voltando , de imediato, com a ajuda da linha e da agulha a juntar as pontas, num esforço em que a vontade era bem superior ao mérito.
Pareceu-lhe que estava bem.As argolas que reformara cumpriam a sua missão de agarrar as meias às pernas e no juízo dos seus olhos passou com louvor a confirmação de que pouco se notaria a falta do que retirara, pelo que se apressou a regressar ao quarto da avó e a recolocar nas meias, e na mesma situação em que as encontrara enrodilhadas , as ligas, agora apenas um nadinha mais encolhidas. Acordou sem sobressalto e trazido à realidade pela luz que lhe entrava pela janela, trazia já consigo também a emergência dos afazeres inadiáveis.Ainda com o sabor do centeio na boca e acobertado pela cumplicidade da cerejeira do quintal, retirou do bolso os dois pedaços de elástico obtidos com tantos apertos de alma e notou que atados com um nó seguro, quando agarrados a cada uma das pontas da cruzeta da fisga, aquela corda tensa pouco mais era que uma corda de harpa.Não fosse a dificuldade e a pressa um indutor de regalias da imaginação, teria deitado fora naquele momento o pau e a baraça, mas não o fez e entrando de novo na loja, tirou das sacas das batatas um pedaço de cordel de sisal.Atou um pedaço do nagalho a cada ponta do elástico e junguida a corda a cada uma das pontas cimeiras da cruzeta, satisfez-se de pronto com o facto de aquela geminação de matérias diferentes produzir o efeito desejado.
Tinha agora uma fisga e a passarada que se cuidasse que não faltava muito para lhe conhecerem o aprumo da vista e a certeza da mão.Prantou-se nos degraus da casa, amorrinhou-se quieto rodando na mão esquerda a pequena pedra que seria testemunha do seu primeiro lanço e quando a piancada no meio da folhagem da amoreira, mesmo de fronte, lhe permitiu ver um bater de asas incauto, segurou entre o indicador e o polegar da mão direita o bazágrio duro envolto no elástico, onde se notava um nó firme assinalando a bissectriz perfeita de um ângulo angustiado até ao guicho; esticou o braço esquerdo limitado na tensão pelo cordame que resistia segunda a natureza do que era feito e fazendo a mira no meio dos costados da ave mínúscula a uma distância não superior a 6 metros, suspendeu a respiração para que nada afectasse a solenidade do momento.Soltou a mão direita deixando-a vir para trás, mas o que sentiu foi uma forte pancada na nuca, uma verdadeira "cachaçada", como se a pedra liberta de tensão tivesse caprichosamente descrito um semi círculo e o tivesse atingidona pescoceira.Nem teve tempo de mais indagaduras.Era a avó que ouvia agora atrás de si e que ainda de mão levantada e quente o apodava de diabo sem vergonha e de ginete sem trela, reparando ele que de dentro dos tamancos, bambas, sem firmeza e sem altura, saíam as meias que ele bem conhecia e de dentro delas, desenlaçadas , as ligas se encontravam desfeitas por não haverem resistido à grossura das pernas.
Enfiado, de cabeça encolhida nos ombros, notou ainda que a pedra em que depositara tanta fé se encontrava quase aos seus pés , a menos de dois metros.As desculpas à avó tinham a garantia do perdão e mais o tinham se deixasse correr umas lágrimas que sabia que desarmavam sempre a ira dos velhos, por isso, quando a mão dela desceu de novo sobre si, o gesto já não era o disparo de uma fisga de braço mas tinha a doçura de roçar de asa de anjo com o sabor das festas que ele bem conhecia.A avó sorria agora e aquele sorriso confirmava que o segredo ficaria bem guardado entre os dois evitando que a mãe , ao saber da coisa, sublinhasse com actualidade serôdia uma memória que ele queria ver depressa esquecida .Sentado nas escadas, na solidão da sua vergonha ainda com a pedra ali por perto e com a fisga na mão foi desfazendo os nós do elástico e do cordel e restituindo a pau aquilo quer apenas um madeiro mas que em tempos fora um apelo de horizonte e nunca mais se desfez dele, utilizando-o para medir a altura do sol a para circunscrever a sua atenção lembrando a gravura que no livro de história da escola representava um homem na proa de um barco, segurando na mão uma cruzeta metálica sem fios e sem baraços extensíveis, a que a legenda chamava de sextante e que se dizia ser um instrumento que media a altura dos astros.Pois também ele , se tinha perdido os favores de uma fisga, pelo menos ganharia a lição de saber , de ora em diante, que nenhum elástico o levaria tão longe quanto a sua vontade de chegar, lá onde a bifurcação do seu sextante de pau lhe revelasse um horizonte limpo e desimpedido.
Que este teu engenho e arte tão sublimes de sabores te dêem o céu. Se dependeres de votos para lá entrar, podes contar com o meu, incondicionalmente.
Snuf
Agora percebo os olhares de cobiça de alguns homens-meninos , diante das montras de lingerie dos Centros Comerciais....À falta de pássaros, procuram em volta apontar o sextante em alguma miragem fugidia que lhes devolva a memória desses anseios de criança....Gostei muito....
Penha Negra
Já cá tinhamos notado a tua falta!!!Temos andado a pensar em transpor as tuas histórias para um outro espaço desta página : Histórias de encantar.Claro que concordas, não por vaidade, mas por saberes como nós que as tuas histórias são diferentes das normais intervenções deste espaço.Um abraço meu, e um sorriso do Gabriel.
Não me lembro da minha primeira fisga.... mas lembro-me de que um dia, filho de caçador, fiz uma fisga em forma de caçadeira.Atiravam pequenas cavilhas que tambem faziamos em madeira, o elástico, era uma borracha de câmara de ar.Com as ditas cavilhas alcançava-se pouca distância porque a madeira era leve, mas se usassemos pedras.... já se atingiam distâncias consideráveis.Um dos meus tiros foi embater na cabeça do Léle... lá tive que lhe dar a minha fisga como forma de evitar que ele fosse para casa a chorar, compensévamo-nos uns aos outros com estas coisas de dar a nossa descoberta como forma de reparar os danos.
ag da silva
Outono
« em: Outubro 25, 2005, 01:00:00 »
Corre uma aragem fria pelas pedras que quando chega a noite parece ter dois gumes, um enterrado no sono quente que reclamamos como forma de evasão enquanto a paz não vem , e outro, cortando o negrume, fazendo aparecer o clarão interior da vigília e levantando de sobressalto ascoisas dos seus lugares.O gosto pelo Outono vem de ser este tempo um momento de mistérios que se certifica em como depois das primeiras águas os tartulhos e os míscaros aparecem pelos campos, ou na forma como dos picos sai um fruto bom e apetecido convocando o fogo.Mas o maior mistério que se nos reserva por esta altura do ano é aquele que vem de dentro da memória e que faz mirrar os velhos e estontear os novos , sendo que a lembrança destes últimos é feita do futuro que desejam.Surpreendo um silêncio tranquilo nas plavras que não digo, e quero acreditar que as águas que caem provocam em mim o mesmo efeito que têm nas fontes, enchendo-as de novo, no segredo invisivel que se passa dentro da terra.É neste tempo particular que mais sei que sou daí e que a lonjura de uma distância que consinto me faz aspirar a não ser mais que um velho, olhando a vida com os olhos para trás, não esperando mais que ter a sabedoria de não se sobressaltar, agardecendo o calor do fogo, enquanto a aragem fria , lá fora , percorre as pedras, enterrando na noite dois gumes que mais não são que o da memória e do esquecimento num presságio de silêncio satisfeito.
No Outono, lá íamos para a escola, desde as várias aldeias lá íamos para a Urgueira, para a Almeidinha ou para os Montes.Os da Ima, íamos percorrendo os cerca de 3 kms, apanhando castanhas, onde as havia no caminho, ou indo ao rebusco nas vinhas vindimadas.Já sentíamos algum frio nos rostos mas íamos com a ilusão da novidade e do cheiro a novo dos cadernos e livros da escola.
ag da silva
estava na mensagem anterior, quando me chamaram, volto agora....Depois da escola, no Outono, ainda havia tempo para ir guardar as vacas, porque as primeiras chuvas trouxeram tambem as primeiras ervas tenras para as vacas. Os mai velhos lá andavam a semear o pão, ou a apnahar castanhas ( para os magustos dos longos unvernos) ou bolotas para cevar os porcos.lá chegavam os pais ao anoitecer com os tartulhos que assávamos só com uma pitada de sal e espremiamos para retirar a água, comiam-se assim de uma vez... os melhores eram as mocas.
ag da silva
estava na mensagem anterior, quando me chamaram, volto agora....Depois da escola, no Outono, ainda havia tempo para ir guardar as vacas, porque as primeiras chuvas trouxeram tambem as primeiras ervas tenras para as vacas. Os mai velhos lá andavam a semear o pão, ou a apnahar castanhas ( para os magustos dos longos unvernos) ou bolotas para cevar os porcos.lá chegavam os pais ao anoitecer com os tartulhos que assávamos só com uma pitada de sal e espremiamos para retirar a água, comiam-se assim de uma vez... os melhores eram as mocas.
Snuf
e eles (vós ) tinheis tudo.. o quanto eu gostria de bananas se as comesse!! e iogourtes?!?! os meus primos que eram mais novos que eu, já os comiam... nós não.... até um molete ( que nós chamavamos papo seco) para nós era sem peguilho (leia-se conduto ou acompanhamento ao pão) hehehehehe!!! temos que nos recordar desses tempos com boa disposição. O meu pai quando ia à Guarda, trazia no bolso uns chocolates pequenos como a cabeça do dedo m indinho com prata ás cores - ainda os há!!!Sim, lembro-me que os que vinham de Lisboa passar uns dias, vestiam de outra forma e diziam coisas mais ou menos de encantar, eu ainda sou do tempo sem luz, sem asfalto nas estradas de acesso, tempo em que havendo crianças, não havia infantário mais que a forja, onde passavamos tempos sem conta a ouvir os Antunes a contar histórias e a assobiar....
ag da silva
Nenhuma banana ou iogurte do mundo deixaria memórias de liberdade imaculada.Quem sabe se as provações que acompanharam essa liberdade não foram mais úteis à elevação do espírito que a fartura minguante de outras buscas que não as imediatas e terrenas em que vivi a infancia..
Snuf
Os poderes de Gabriel
« em: Outubro 13, 2005, 01:00:00 »
Depois que nascera, Gabriel observava tudo com os olhos ainda intactos, fechando-os quando queria, abrindo-os em seu proveito, sujeito tão só aos langores das delícias do sono e aos chamamentos dos sons de fora ou à fome que regularmente lhe lembrava a sua nóvel condição de gente.Mas quando acordado o pequeno movia em síncrono movimento da cabeça o olhar ora para cima, para as alturas, curioso do que se podia desvendar no intervalo das nuvens, ou para baixo ,para as profundidades dos buracos, prescrutando nessa reflexão desprotegida de ajudas, que havia dois reinos diferentes em cada um desses lugares, habitados por gente de diferente qualidade e sentido.Os de cima sabiam voar e cantar e os debaixo sabiam coisas num silêncio incomunicante porque até parecia que saber segredos era ficar desprovido de voz e condenado a ser guardião de mistérios.Num interregno do sono e da fome, Gabriel, que também ainda não falava , sem que tivesse já escolhido ser um ser das profundidades, abalançou-se a ouvir o que uns e outros diriam, se entre eles se pudessem dizer numa voz audível de gente graúda.Os de baixo protestavam , recriminando os do alto de, embora podendo voar não podiam visitar as profundezas da terra nem poderem ver a seiva da vida a mover-se secretosa no silêncio mais redondo.Por sua vez os das alturas aquiesciam que sim senhor, que aqueles outros conheciam muita coisa e isso os tornava mais sábios que as coisas sábias, mas que , por sua vez, era uma pena não poderem voar.Sem perturbação, Gabriel ouvia agora a resposta dos de asas confirmando uma vez mais que isso deveria ser inovidável, mas que era uma pena que os de baixo não pudessem ter voz nem canto para comunicarem tudo isso que sabiam.
Pois que sim, arguiam estes, mas que nada se assemelhava a poderem ver uma planta cuja raíz descia até às entranhas da terra , cobrando aí a sua força, e permitindo as quem a provasse uma sabedoria justa e prazenteira.Mais uma vez os de cima aceitavam crentes o que os outros diziam, mas acrescentavam que só deveria ser penoso saber o pensamento mágico da terra e os sortilégios que ela encerra mas sem poder voar para percorrer o mundo a cantar tamanhas novidades.Indiferentes os das profundidades continuavam a discorrer os seus dizeres , proclamando agora que debaixo da terra existiam riachos púrpura que corriam sob as montanhas e onde se podia beber deles e ser imortal, como os deuses que subiam em fogo pelos vulcões, mas que tal estava interdito a quem estava condenado a viver de superficies ou de alturas.De novo com o restolhar de asas os voantes concordavam lastimando no entanto a sorte de a imortalidade assim conseguida não se poder transformar em canto e emudecer na boca de quem o sabia.Desfraldados e convencidos os das profundidades falavam agora de um templo escondido nas entranhas da terra feito com braços de uma raça esquecida de gigantes , templo que nas paredes tinha gravado os segredos do tempo todo e do espaço inteiro, permitindo aos que tal pudessem vera compreensão das coisas que estão para além de toda a compreensão.Uma vez mais concordavam sorrateiros os dos céus carregando na aquiescência o escárnio de o muito saber não conseguir fazer voar.Sem perturbação, Gabriel ouvia agora a resposta dos de asas confirmando uma vez mais que isso deveria ser inovidável, mas que era uma pena que os de baixo não pudessem ter voz nem canto para comunicarem tudo isso que sabiam.
Pois que sim, arguiam estes, mas que nada se assemelhava a poderem ver uma planta cuja raíz descia até às entranhas da terra , cobrando aí a sua força, e permitindo as quem a provasse uma sabedoria justa e prazenteira.Mais uma vez os de cima aceitavam crentes o que os outros diziam, mas acrescentavam que só deveria ser penoso saber o pensamento mágico da terra e os sortilégios que ela encerra mas sem poder voar para percorrer o mundo a cantar tamanhas novidades.Indiferentes os das profundidades continuavam a discorrer os seus dizeres , proclamando agora que debaixo da terra existiam riachos púrpura que corriam sob as montanhas e onde se podia beber deles e ser imortal, como os deuses que subiam em fogo pelos vulcões, mas que tal estava interdito a quem estava condenado a viver de superficies ou de alturas.De novo com o restolhar de asas os voantes concordavam lastimando no entanto a sorte de a imortalidade assim conseguida não se poder transformar em canto e emudecer na boca de quem o sabia.Desfraldados e convencidos os das profundidades falavam agora de um templo escondido nas entranhas da terra feito com braços de uma raça esquecida de gigantes , templo que nas paredes tinha gravado os segredos do tempo todo e do espaço inteiro, permitindo aos que tal pudessem vera compreensão das coisas que estão para além de toda a compreensão.Uma vez mais concordavam sorrateiros os dos céus carregando na aquiescência o escárnio de o muito saber não conseguir fazer voar.
Sem perturbação, Gabriel ouvia agora a resposta dos de asas confirmando uma vez mais que isso deveria ser inovidável, mas que era uma pena que os de baixo não pudessem ter voz nem canto para comunicarem tudo isso que sabiam.Gabriel que isto ouvira , num primeiro momento viu-se tentado a experimentar pela primeira vez a força do seu desejo para escolher qual dos reinos quereria habitar , mas ambos lhe pareceram em simultâneo, muito e pouco e, percebendo que ainda era novo para escolhas tão temerárias, apressado pelo sono que lhe carregava as pestanas ainda tenras e fofas, entendeu que em cada homem que nasce, antes do poder de poder escolher , existe a a possibilidade única de corrigir as ofertas antes de entre uma e outra escolher e, sabedor da sua força, quis logo ali quem a partir desse momento cada ser das alturas tivesse em cima das suas asas e do seu canto um ser das profundidades e das entranhas da terra para que o conhecimento prodigioso e redentor das maravilhas não ficasse enterrado e mudo sem ser cantado em todos os cantos do mundo.Gabriel desejou com tanta força que o seu desejo foi um querer de tamanho enorme, e ao julgar-se esgotado desse poder originário de mudar por uma vez única a realidade, esse sortilégio foi-lhe de novo colocado nas mãos ao descobrir que assim fora gerado, por um ser das profundidades a quem tinha nascido com o seu nascimento asas e canto ,e por um outro das alturas que vira crescer nas suas penas a sabedoria exacta que faz a cada homem e mulher poder fazer nascer um ser melhor que eles dois juntos...
na verdade, não sei o que lhe vai na alma... mas passa muito, do pouco tempo em que está desperto a pensar não sabemos em quê e com o olhar distante não sabemos onde.Já reconhece em alguns momentos a mãe... mas o predilecto dele é chuchar.... e logo depois dormir.enquanto dorme agarra com força um dedo que lhe coloquemos... quem sabe não anda nesses teus vôos dos mundos e para se sentir mais apoiado gosta de se agarrar.
ag da silva
Soubesses tu onde ele pousa o olhar e poderias ficar assim arrelampado na contemplação graciosa do sossego dos inocentes, mas ser pai é mais que isso, é teres de te esforçar, sempre, por saber onde o teu menino colocou a sua distância para serres depois capaz de traçar nesse intervalo um caminho que sabes que em parte apenas ele percorrerá.Coisa pouca aliás que também o jarmelo não é diferente de uma criança recèm nascida, adormecida, na busca de um dedo em que se apoie e, mais que tudo, na procura de um caminho que vindo lá do passado antanho se projecte num futuro onde outras crianças tenham gosto de nascer.
não tendo outro recem nascido entre braços... sabes que nos espera uma tarefa muito penosa, mas que esperamos bastante gratificante (refiro-me ao Jarmelo) contamos com as possibilidades de todos e a colaboração dentro dos possíveis de vós os da díáspora.Quanto ao Gabriel, já sei que nas primeiras semanas ele se dirige por cheiros, e nuvens, ainda não nos vê claramente.
ag da silva
Como o centro do universo de repente se desloca e os olhos se abrem noutras direcções no momento em que um recem nascido invade o espaço que preenchiam afinal aquilo que depois se pode definir como ninharias!O segredo também está por vezes nas interpretações : a mão dele que se agarra ao dedo não é unicamente para se apoiar...é para dar apoio. Se assim não fosse, porque seria tão inecxedível o conforto e harmonia que esse gesto propicia?
Snuf
Tão inexcedível que até ficou com as letras invertidas...
Snuf
Nascer
« em: Outubro 06, 2005, 01:00:00 »
Nascer, nascemos hoje aqui neste lugar em qualquer hora. Nascemos já depois de ter nascido que é este apenas o segredode estar vivo sem aindater morrido. Mas o nascer deveras verdadeiro é aquele momento breve apetecido em que todos nos esperam; em que o sol pára; em que os reis vêm de longe ao nosso encontro em que tudo é puro e até burros e vacas se deleitam. Porque nesse instante recolhido tudo é perfeito e aí começa o nosso nomen uma festa em que os outro sao verem-nos nascer descobrem que lhes valeu a pena ter vivido
não preciso nem dizer... tudo isso que eu lhe digo... mas é muito bom saber que vcê é meu amigo!!!um grde abraço!!
ag da silva
Hoje
« em: Setembro 28, 2005, 01:00:00 »
Hoje quero reconhecer a voz do que escrevo sem o artificio da história porque o tempo que agora começa quero-o expresso e dito num silêncio de pedras e numa brancura transparente que seja como um berço para quem em breve vai nascer.Nenhum homem pode ser conhecedor de que o mundo vai ser aumentado e ficar assim na sua sensata indiferença a soletrar os problemas do mundo como quem recita tabuadas.Hoje firmo-me na esperança renovada pela antevisão de ver o meu chão pisado em breve por pézitos novos e o anúncio da proximidade faz-me subir em cada fim de tarde ao cimo do monte.Se vos não faltar a força fazei-o também comigo e acreditai que a festa de véspera para todos aqueles que em breve irão nascer nos há-de acrescentar em tanto e tanto que lá no alto havemos de perceber , de repente , um tamanho de que não nos julgávamos possiveis precisamante porque a nossa grandeza é em muito a memória dos que partem e a irrepetível originalidade dos que chegam.Assim sendo reserve quem puder em cada fim de tarde, quando o sol se puser, as suas melhores palavras para as dizer no silêncio, porque deste modo seremos dignos de habitar a terra, esta ou outra, e seremos dignos de quem vai chegando, para lhes por nas mãos um destino que vem de longe e segue para diante.
ele está pra chegar !!! mas inda temos que esperar até prá Quinta feira da próxima semana!!!
ag da silva
De novo sábios
« em: Setembro 21, 2005, 01:00:00 »
Passada que foi a crise da água e lavadas até às origens a fonte e as nascentes viu-se o reino de novo na paz dos juncos que é aquela que brande com o vento e se mede com a altura do sol.O rei voltou a agradar-se do seu povo que , por sua vez lhe retribuiu o agrado, e o camareiro mor , premiado pela forma como resolvera o conflito dos tolos via as suas funções reforçadas , contido mais pelo medo que a sua tontice lhe ensinara que pela sensatrez que o seu cargo reclamava.Como exemplo para os reinios em redor , era aquele visitado por muitos e tantos que dele pretendiam o segredo de ali o poder ser uma festa feita com as cores dos dias.Um dia , estava o rei numa das janelas do palácio desenhando o piar dos pássaros ( que entretanto haviam regressado) e viu nos jardins o seu vice mor acompanhado de um enviado de uma terra estrangeira e ouviu aquele outro que , falando de si mesmo dizia " Eu e todos nós neste reino somos como o nosso rei. Temos acessos de humor;cegamo-nos pelo sabor do vinho forte; rebolamo-nos pelo sabor da carne dos cabritos assado em lume de azinho e estontamo-nos por ouro e pedrarias, caçadas e folguedos".Desaparecidos no arvoredo , voltaram instantes depois com o mesmo passado arrastado e dizia então o camareiro falando agora do seu rei " O meu rei é como nós todos neste reino. Asseado e limpo , de três banhos por dia; Exímio na prosa e no solfejo; sensato nas ordens e sábio no fazer; pródigo na inteligência e hábil na arte de decifrar o futuro nos astros".
O rei que tudo ouviu, na noite desse dia deixou o palácio apenas com as suas vestes e não quis ser mais governante daqueles que assumiam os seus vícios e lhe atribuiam as suas virtudes.Também o enviado dessa terra estrangeira deixou o palácio nessa noite e encontrando um eremita sem bordão nem bolsa no caminho partilhou com ele os mesmos silêncios até que parando no consolo de uma pedra perguntou àquele porque trocava a paz de um reino exemplar pela partida de um caminho agreste.Sábio e certo o eremita , antes rei, respondeu que muitos são aqueles que renunciam aos seus sonhos para não parecerem tão distantes dos que não sonham e os que desistem do reino da verdade para que os outros não se possam envergonhar a si mesmos por se deixarem viver na pequenez das mentiras confortáveis. Disse ainda ao estrangeiro " Regressai e sentai-vos à porta da cidade.Observai quem entra sai e vede se descobris quem nasceu rei sem lhe ser dado reino e quem parecendo reinar é apenas escravo dos seus servos.E depois de o haverdes descoberto segui aquele em quem ficou colada a vossa sombra".O estrangeiro assim fez e , ainda hoje, nalguns lugares da terra se podem ver montes com marcos erguidos indicando o sítio onde antes esteve um homem sentado descobrindo reis para lá das sombras de uma realeza fugaz e assinalando a morada de todas as esperas.
Por momentos pensei em Sócrates...Claro que só o filósofo.Pena que as penas sejam hoje tantas, por falta de estrangeiros com tamanha ciência (e paciência!).Agora que estás na Capital do Reino, não te sentes em frente à Torre de Belém, pois que aí já destruíram os montes de pedras para construir mais palácios.Um abraço Amigo.
Diogo Luís
Podias surpreender-nos no dia 25, quem sabe lendo uma das tiuas histórias.... lá nesse monte de um marco erguido...Um abraço e aparece no Domingo!!!
ag da silva
Não vou poder estar presente ou pelo menos tão presente como pensei poder estar mas para que não falte ao dia a côr de uma história deixo-te aqui esta que lá poderás ler , sempre que ali subas ou sempre que com alguém ali te encontres.... ...De povos sabemos que muitos houve sobre a terra ao longo dos tempos e que em todos eles houve gente capaz de ser gente e outra incapaz de ver no seu semelhante o reflexo do seu próprio rosto e o som completo das suas palavras inacabadas.Existiu no entanto um como nenhum outro.Pródigo de gente de saberes, exímio no manejo das pedras , em que todos eram construtores e dominavam a arte de edificar.As casas desse povo eram cobiçadas pelos demais pois resistiam ás chuvas e aos ventos, ao frio e ás tempestades, ao calor e a qualquer intempérie , tendo ainda a forma agradável de quem dentro delas morava.Aconteceu porém que algumas dessas casas começaram a ceder de forma estranha no exacto momento em que as desavenças e as invejas começaram a minar a predra mestra de todas as construções que era nem mais nem menos que o coração de cada um dos que nelas vivia.Ao fim de um tempo breve não havia uma única que estivesse inteira e mal amanhadamente conseguiam abrigar-se nos escombros que delas restavam, sendo vão o esforço que faziam, todos os dias de as erguer de novo.
No cimo do monte, sem casa nem gruta , desde há muito que existia um velho que nunca descera ao povoado e do qual se sabia que fazia das folhas e das raízes o seu alimento deixando-se visitar apenas pela garotada que de lá descia sempre mais tranquila e com os olhos mais brilhantes.Resolveram pois subir eles também ao cimo da montanha e sem surpresa encontram aquele que procuravam, sentado no chão, deixando-se soletrar pelo vento indiferente à companhia.Ninguem se atreveu a articular palavra mas quando enquanto desciam iam percebendo que o coração de cada um se desempedrenia e que a paz que haviam sentido em tempos, quando a casa de um era o esforço celebrado da construção de todos.Assim que chegram puseram solidários as mãos na obra e todas as casas foram reerguidas com a facilidade e o contentamento de sempre.Para surpresa geral, no entanto, de cada casa sobravam pedras que nenhuma falta agora faziam e que eles foram deixando amontoadas umas sobre as outras , no centro do povoado .Chegou a noite e na manhã seguinte verificaram que sobre esse monte de pedras ali deixado existia agora , também em pedra, uma cruz tosca e rude e que na terra do chão estava escrito "se prolongardes cada umas das pontas deste símbolo chegareis ao infinito e sereis maiores"
Não restavam dúvidas que o velho do monte descera durante a noite e deixara aquele recado de significado impreciso mas que cada um percebeu no seu íntimo.Então, decididos, com as pedras que haviam sobrado de todas as construções que haviam feito, contruiram eles uma casa, sem divisões nem nem utilidade expressa, ampla e alta, mas em que cada um poderia entrar sempre que a desavença e a intriga minasse o seu coração, colocando no cimo dela aquela cruz deixado por um homem que no silêncio percebera que nenhuma pedra é mais segura que um coração limpo e agradecido.Desde então a história espalhou-se e, um pouco por toda a Terra, existem hoje casas assim , que não sendo de ninguem, nelas todos podem entrar , procurando a solidez da paz quando à nossa volta as pedras das nossas construções parecem desabar. Casas que conservam a história intacta da memória de um caminho que nenhum tempo pode suspender enquanto o coração quiser avançar , decidido, na direcção do monte.
Achas que terei capacidade para entoar as tuas palavars como tu as pensaste? ou eu ou outro... tentaremos, ficou-nos mais uma analogia de um Jarmelista reflectante ( aqjectivo, meu para quem reflecte).até amanhã! (camarada) ou outra expressão!
ag da silva
Todos somos sábios
« em: Setembro 19, 2005, 01:00:00 »
Custara a estabelecer aquela ordem no reino. Uma tranquilidade assente na sabedoria de um rei que sabia agradar ao seu povo , ajudado por um vice rei que sabia agradar ao seu soberano.O poder deixara ainda aberta e esclarecida a relação entre os subditos e o monarca resultando sendo prova disso que todos bebiam da mesma fonte e se lavavam nas mesmas águas num sinal de fraternidade que nenhuma outra diferença desfizera.O vice rei que se agradara de agradar ao seu senhor mas que se enfastiava com que esse se agradasse do seu povo resolveu numa noite, na clandestinidade das sombras que são a única luz dos tortos de espírito e dos minguados de sabedoria, deitar sete gotas de um veneno poderoso e alucinogéneo na fonte de onde bebiam água e na nascente do ribeiro onde se banhavam guardando ele para si e para o seu amo uns fartos almudes que lhes garantiriam o tino durante o tempo necessário a que este repensasse o seu destino iluminado de mandança e repusesse a diferença que deve existir entre quem manda e quem é mandado.
No dia seguinte todo o povo enloqueceu e veio para a rua dizer que o rei e o seu ordenança haviam endoidecido e que o reino estava à beira da ruína por ser governado por um doido que era ajudado por um tolo.Percebendo a revolta , o rei angustiou-se e preparava-se para partir quando o seu vice , deitando fora a água desinquinada que guardara aprestou-se a encher as tulhas com a da fonte e do ribeiro , aprestando-se a servi-la ao seu dono e a banhar-se , também ele, num banho demorado e completo.Então, saindo de novo a rua , o povo aclamou o seu soberano e quem o vicejava, alegrando-se de aqueles ambos terem recobrado o juízo e a paz ter regressado aquele lugar onde, a partir daquele momento, asa aves deixaram de fazer ninhos por estranharem o sabor das águas e os frutos se terem recusado a nascer para não cairem nas bocas de tal gente...
A sombra
« em: Setembro 13, 2005, 01:00:00 »
Sentado na ombreira da porta, com a cabeça entre os ombros, perguntava por si querendo saber que tamanho tinha, qual a sua importância, desasado num apagamento em que se revia para lá de toda a eficácia que a sua circunstância tinha, reconhecida socialmente no seu mester.Na cogitação o tempo passara-lhe por cima e o sol, mais a pino, projectava agora a sua sombra alongada pelo chão .Deteve-se nela vendo-se imenso e pensou o que faria se fosse assim grande, e em como a sua vida se alteraria em afirmação e porte, nas passadas largas que daria e na rapidez com que atingiria um outro destino para além da pequenez que os seus pés lhes permitiam.O propósito que lhe fez latir as têmporas avivou-lhe a vontade e subiu ao monte onde sabia habitar Jezebua, tida por feiticeira e bruxa mas que ele sempre vira como uma velha encurvada e turva ciscando raízes e ervas pelos matos.O casebre escuro estava alumiado por uma lamparina de azeite que fazia tremer as sombras reproduzindo com fidelidade a nervura que lhe ia nos braços e o tremor que lhe secava a garganta.Dito ao que ía , a velha garantiu a possibilidade do que desejava na condição simples de ele se não arrepender e não desejar, nunca, um retorno à forma de que se despedira.
Aceite o trato e mascada a raíz que ela lhe ofereceu , saiu de novo para a rua reparando que a sua sombra havia desaparecido, consumida pelo gigantismo do seu porte, e empreendeu decidido botar os pés no caminho galgando a terra e vendo o mundo enquanto o sol lá no cimo circunvalava as nuvens no seu trajecto de sempre.Afastado de onde partira enchia os olhos de montanhas, mares e gente num pasmo maior ainda ao de quem o via, não se cansando de ir sempre para mais longe na procura de um lugar onde coubesse.A estranheza do cansaço, ao fim da tarde, fê-lo suspeitar da grandeza que se supunha e tombado na superficie plana da fonte de que se aproximara para matar a sede , incrédulo, verificou que minguara até um tamanhico irrisório pouco maior que o do talo de uma couve percebendo o embuste do seu desejo.Tinha pretendido ser do tamanho da sua sombra e tal lhe fora concedido mas na sofreguidão do desejo esquecera que ao fim do dia a ausência de um sol que o alumiasse lhe traria a invisibilidade de um desaparecimento precoce.Chorou então a audácia do seu logro e desejou ardentemente ser apenas quem era , da medida de que se conseguira fazer durante os anos mas lembrou a condição que firmara e viu nela o peso incontornável de uma predito destino, agora sucumbido às intempéries das variações de um tamanho comandado pelos caprichos do sol.Chorou apenas e desejou também, indiferente a tudo o que a sua curiosidade lhe ditara, ser apenas quem era na irrepetibilidade originária das suas posses , soluçando, mais que o arrependimento, o propósito firme de ser grande e exacto tanto quanto o poderia ser por si, fazendo dos outros o sol da sua sombra.
A lua comoveu-se.Aquela visão de um homem tendido sobre si mesmo, a declarar-se na transparência e a revelar-se na autenticidade era portadora de um sortilégio tão grande que a luz cheia de um luar redondo colocou de novo no coração daquele que de si mesmo se despedia todo o mistério que a terra guarda enquanto o mundo dorme e a faz transformar a semente em pão.E foi já com uma alegria imensa que o dia se fez manhã, acordando um homem que na ombreira da sua casa acenava aquela velha , apenas velha, que ciscava pelos matos, raízes e bagas silvestres, e achando-a parecida com uma outra, Jezebua, que em tempos lhe havia desassossegado os passos e que mais não era que o clarão da vertigem que adormece por vezes quem quer ser maior que o seu tamnho ou quem quer ser do tamnho quie quer, antes de tempo...
Na maré vigente, ser-se gente passa pela gula da posse e pelo exibicionismo desenfreado. Quem dera que a realidade tivesse finais tão felizes quanto as histórias de Minganço...
Snuf
O que faz a gente tornar-se pessoa é a maneira como cada um se declara ou numa outra terminologia a integridade.Ora, a integridade não é mais nem menos que a narrativa que fazemos dos passinhos que damos sempre na presença dos outros.Porém, se imprimirmos a essas passadas a direcção dos outros e provocarmos neles, primeiro , o encontro consigo mesmos e depois, consoante o resultado desse confronto, a festa connosco, então descobrimos o final feliz de todas as histórias ou, numa outra terminologia , a nossa própria dignidade, como verdade inteira de nós, inteiramente dita e afirmada em qualquer lugar e em qualquer tempo.
Sim, mimganço, a caminhada é assim, com passinhos pequenos em direcção aos aoutros o que é apenas uma forma de caminhar no rumo que levará a nós mesmos. Mas a minha preocupação é ensinar esses pequenos passos às novas gerações que pressinto tão perdidas na caminhada entre valores - aquilo que se tenta ensinar em casa e o que se espelha em redor deles, na rescola, na rua...Talvez esteja a querer impingir-lhes cajados enquanto eles só querem voar...e embora eu queira que voem, apenas gostava de evitar que queimassem iremediavelmente as asas - e o poder de continuar a sonhar.
Snuf
Não resisto
« em: Setembro 12, 2005, 01:00:00 »
Agostinho, meu irmão, não resisto a trazer-te aqui um texto antigo e , agora, a agradecer-te a forma como mais uma vez puseste em acto o sonho de muitos.Para que conste:"Mestre Agostinho, permite que te chame assim, vamos ao álbum...É que isto de fazer das palavras imagens e andar a divulgar um território (sim que o Jarmelo mais que uma terra, que não é , é um território, que é...) , mas divulgação desprovida de retratos, é correr o risco de passar por menos verdadeiro e isso é coisa que ambos sabemos, Mestre Agostinho, que um jarmelista não é.Não raro já me têm dito que o Jarmelo não existe; que é fruto da generosidade da minha imaginação; que é impossivel existir um espaço assim, de uma intocabilidade inviolável e com gente que tem apenas o orgulho de ser pessoa, desprovido da vaidade de ter o que quer que seja.Os retratos começam a ser essenciais porque as imagens , todas elas, que daí se colherem trazem sempre aquela "linha de água" que antes traziam as notas mais valiosas com que se compravam bezerros nas feiras e com que se justavam as horas de trabalho das "malhadeiras".Lá na fímbria de qualquer representação que daí venha existirá sempre esse tesouro indizível, esse mínimo nulo que acrescenta mesmo quem não é daí.Há cada vez mais gente interessada em nós e decerto, se lhes mostrarmos os montes e as pedras, também eles perceberão que poderão ser de cá, deste lado da festa, onde a linguagem silenciosa dos murmúrios não tem eco de intriga mas a vitalidade da paz."
sim..... é ideia criar um album temático.. e já comentei com o Isidro, que um´tema será só barrocos ( homenagem á tua pessoa) no Jarmelo temos o buraco das feiticeiras, num barrocal, temos a laja escrita, temos o barroco do ouro.. temos os barrocos de escorregar... temos a rocha forte onde nos agarramos para manter viva esta ideia de resistir até onde for impossivel... Vou falar com quem nos coloca ON LINE, para criar um espaço de debate das imagens... será que também poderemos ir por aí?
já mes esquecia... reparaste na placa de Mâe de Mingança?
ag da silva
Reparei sim e gostei muito.A terra é pequena (nem sequer é aldeia mas quinta) e contudo consegue convocar-me sempre a ser grande e já conseguiu fazer maiores muitos outros.
e hoje, estamos a colocar a ribeira que te trouxe a história anterior... ali na parte mais larga depois das poldras e da passagem dos carros das vacas.
ag da silva
O poeta e o pragmático
« em: Setembro 12, 2005, 01:00:00 »
O rio levava água por cima das poldres e era forçoso atravessá-lo que se dizia que tudo o que interessava e era urgente estava da outra margem numa espera breve de oportunidade única.Do lado de cá, dois homens olhavam as águas sabedores do que se dizia e de como a rapidez, igual para ambos, se teria de transformar em acto solutivo que os fizesse galgar a força da corrente sem delongas que deitassem a perder tudo o que desejavam.Um deles, numa definição rápida das circunstâncias , deixou de parte a estratégia do salto; não fez fé na força das suas braçadas nem na firmeza das pedras de cocuruto visível mas numa corrida acompanhou a descida das águas e mal viu que a travessia podia ser feita a pé , meteu-se pelo rio a dentro e alcançou a outra margem.O outro deixara-se ficar no mesmo lugar , absorto na alvura dos seus pensamentos , mexendo com uma cana os limos bambos que lá no fundo persistiam agarrados ás pedras pedras soltas e, devagar, subindo o ribeiro , sempre subindo, alcançou a nascente que não era mais que um fio de água brotando de uma rocha.A caminhada fora longa e passara por lameiros e lodaçais vendo sempre da outra margem os mesmos pastos e baldios, as mesmas gestas e cardos, a mesma verdura e a mesma terra úbere a desangustiar-se de rebentos novos.Tomou então a água da nascente com a concha da mão e num sorvo largo lavou-se da sua sede retomando de seguida o mesmo caminho, de regresso ao lugar de onde partira.
Aí chegou quando do lado de lá, na outra margem, o outro homem, afundado no infortúnio e na desolação olhava de novo as águas medindo agora a forma de volver, ele também ao lugar de origem, embora a forma que o tinha levado ali já lhe não servisse porque entretanto a corrente era mais forte e o lugar onde conseguira passar se tivesse agora tornado interdito e, descer, era agravar o acto porque a a força da enxurrada tornava mais largo e fundo o leito da ribeira. Tendo merecido do outro o segredo de um regresso eficaz , quando se juntaram ambos perguntou, o que de cá ficara ao que lá chegara, que encontrara de tão desejável na outra margem. "Nada", respondeu ele. "Na outra margem existe apenas tudo o que aqui podemos encontrar , em igual quantidade e mérito. Era logro e lenda dizer-se que por lá existiam em oferta fácil tudo o que pretenderíamos. Bem fizeste tu que esperaste sem rabuscos da fadiga que tal novidade te viesse dar".O outro ouvia atento , não argumentando, e deixando perceber ao que falara que não fora apenas inércia o ter permanecido na mesma margem , até porque nessa altura já aqueloutro percebera que , afinal, fora ele quem lhe trouxera a segurança do regresso, num lugar em que a travessia tinha a facilidade de um passo."Sabias tu que nada havia do outro lado?!" Perguntou ele, curioso agora das razões que a sabedoria ditara ao que permanecera na mesma margem."Não sabia mas fui sabendo, e apenas quando soube pus pés ao caminho." Respondeu tranquilo ."Mas se sabias , porque te cansaste em vão subindo a ribeira num esforço que poderias ter evitado com o poder dos teus pensamentos?!""Nada de mais." Retorquiu ele."Apenas tive sede e vontade de procurar uma maneira de te trazer de volta" .
Aqui exponho do pouco que sei... que o Mimganço escreve partindo de pquenos pormenores, ou da ribeira ou de um barroco ou do pinoco... escreve.Quero que saibas Mimgamço, que os teus textos são fotocopiados e dados a ler... não te admires se um dia os superiores de uma ordem religiosa te convidarem para pregar um retiro....( sabes que nisto não há nada de mal)
ag da silva
Talvez que se me convidassem a isso ( e não o recusaria por não haver nisso nada de mal mas sim algum bem) o resultado fosse ficar a pertencer à ordem desde que me não deixassem falar mas sómente ouvir o eco dos meus passos e a imaginá-los a subir todos os dias, não ao Monte Tabor, mas a um outro para onde a minha alma teima em ir sempre que a deixo soltar-se dos limites do horizonte que lhe recomendo.
As romãs
« em: Setembro 09, 2005, 01:00:00 »
Existia um horto, onde existiam romãs, nas quais existia uma frescura brava e vermelha , desfeita em grainhas tenras .O dono das romanzeiras ao vê-las assim tantas , sempre que chegava ao Outono desprendia as melhores das árvores e colocava-as diante da sua casa , sobre uma bandeja de prata, e com a sua própria voz ia apregoando que as dava de graça e com gosto saudando todos aqueles que passavam no caminho.Porém todos os que passavam viam naquele oferecimento um embuste e desconfiados alargavam o passo esticando em igual medida a cautela.Então o homem pensou e no Outono seguinte não deixou as româs na bandeja de prata nem se desfez em simpatias de oferendas mas escreveu apenas com letra impessoal e grande num letreiro vantajoso que ali existiam as melhores romãs do povoado mas que eram vendidas mais caras que outro fruto qualquer.Então, num ápice todas as romãs desapareceram ou porque os homems e mulheres das redondezas se acotovelavam durante o dia para poder comprá-las, ou porque à noite soltavam os muros do horto para poder chegar num esforço clandestino, ao mérito de poderem provar tão raro produto.Quem sabe se em vez de oferecermos o que damos começarmos a vender o que nos pertence alguem acredite na raridade daquilo que paga ...quando o podia ter de graça.
A última das letras de "dar" é simplesmente a primeira de "receber".Afinal... É tão simples Amigo!
Diogo Luís
o ideal era vir e comprar sem dinheiro e sem despesa, vinho e leite, como na biblia.....Na verdade, é certo que se for dado, perde a venda e perde muitas vezes o valor....Como sabemos por variadas experiências, o que é caro é que é bom. Do mesmo modo se passa com aqueles que gostando de fazer o bem... sempre deles se desconfia, pois vemos as obras dos outros através do crivo que temos nas nossas (julgamos por nós), daí que se vemos os outros como vemos.... deveríamos reflectir sobre nós.Aquela voz extridente que ouvimos quando temos a nossa voz gravada numa cassete de video.. é mesmo assim, nós é que a queremos ouvir mais doce e menos carregada de "esses"-letra.
ag da silva
As amoras
« em: Agosto 30, 2005, 01:00:00 »
Este ano , a intermitência com que passei pelo chão que me dá a sombra como o se ela fosse o fruto mais exacto de mim, quase que não rendia um apontamento de monta.Marquei a presença abrindo as janelas e deixando-as estar, assim abertas à luz e ao vento num arejo da casa que afasta o mofo e liberta a fuligem das horas que se cola às paredes, e fui ver de mim por outros lugares, ali regressando a pontuar os passos e a soletrar verbos que tornara intransitivos para ver o eco que tinham.Quase no fim, numa réstea da tarde de regresso igualmente intermitente, abri o portão e prometido de rapidez , desincumbi-me a trancar as janelas de novo, a fechar a água e a pisar as tábuas de tantos pés tão outros quanto os meus e fui-me ao quintal das vinhas , já sem elas, mas que perpetua o nome na persistência teimosa de uma memória que não se rende aos devires da inércia.
As silvas estavam altas e tapavam as pedras numa defesa cerrada de piquedo agreste mas no meio delas alguem apanhava amoras.Escolhia-as com o critério de quem se sabe portador de uma doçura onde o esmero tomou o passo da obstinação e por isso consegue a nitidez do fruto , tardio e amadurado, sem se render ao prematuro apetite que tão sómente a sofreguidão toma por gostoso.Colhia amoras e no gesto havia uma haste estremecida trazendo na ponta um presságio de tempo bom.As janelas ficaram fechadas; fechei o portão atrás de mim com as duas voltas da recomendação materna mas eu que nem gosto de amoras , provei um fruto novo e a boca ensalivou-se-me de uma palavra ínfima, do tamanho de uma amora e tão única como a mão que as apanhou.Se queria um tempo grande de estar e permanecer , maior tempo não podia pedir e quero agora que esse instante dure , impodado e agreste , feito do som que retive quando as rodas do carro calcaram o caminho antes de chegar à estrada e em vez do lamento de ser curta a permanência em mim ouvi a festa de uma outra voz colhendo amoras e fazendo-me soltar das silvas.
da silva mas sem amoras..... (o ag da silva) sim.. lembro que com a minha avó Raínha (todas as avós são, foram ou eram... mas a minha chamavamos-lhe Raínha por ser Maria Reis, e no povo chamavam-lhe raìnha) apanhavamos bastantes, o doçe com o ardor do picar... e umas eram melhores que as outras e mais bonitas... o meu sobrinho ainda hoje se zanga quando cortamos algum silvado que ele já tenha debaixo de olho...A perdição das amoras eram as da amoreira do Ti Afonso! na Ima eram essas as amoras, de uma amoreira que todos sabendo privada, consideravamos baldia, por ser a única no povo...A Ima, dizem os mais antigos, era uma terra de amoreiras e bichos da seda... só restava aquela....cortaram-na....já temos duas pequenas para tentar... Faziamos sumo, sujando as mãos até mais não.. ficavam, primeiro vermelhas, depois em pouco tempo escureciam... roxo... preto... e na roupa... desculpem as mães...
ag da silva
Ele há emoções que apenas são dadas a quem manteve intactos os sentimentos da meninice, impolutos e livres das vergastadas da sociedade. Mas saber reconstruir essas emoções com letras, de forma a que quem lê quase lhes sinta o peso do sabor é uma dádiva.
Snuf
Uma desafectada memória:As AmorasO meu país sabe as amoras bravasno verão. Ninguém ignora que não é grande,nem inteligente, nem elegante o meu país,mas tem esta voz docede quem acorda cedo para cantar nas silvas.Raramente falei do meu país, talveznem goste dele, mas quando um amigome traz amoras bravasos seus muros parecem-me brancos,reparo que também no meu país o céu é azul. Eugénio de Andrade ("O Outro Nome da Terra")
Eloy
A árvore e o fruto
« em: Setembro 01, 2005, 01:00:00 »
Era uma vez, não se sabe bem onde, existia uma terra onde cada pessoa tinha uma árvore que todos os anos dava frutos azedos.Todas as árvores davam frutos amargos , fossem eles laranjas, ameixas, maçãs, peras ou nêsperas. E talvez porque os frutos eram assim tão amargosos, todos os donos dessas árvores viviam com cara azeda. Todos com ar aborrecido e carrancudo dizendo apenas poucas palavras e, mesmo assim tão azedas comos os frutos das árvores que eram suas.Viveram assim muitos anos.Sempre que uma pessoa chegava à idade de ter uma árvore, mais ou menos quando começava a saber falar direito, escolhia então a semente do fruto de qualquer árvore mas, porque todos eles eram amargos, lá aparecia sempre mais uma árvore a dar frutos azedos.Aconteceu no entanto, que nessa terra perdida, lá muito longe, um garoto que estava a chegar à idade de plantar a sua árvore, apercebendo-se de que em breve ele, que era alegre e sorridente, começaria a andar também, como todos os outros, aborrecido e de bochechas caídas, resolveu descobrir uma maneira de mudar a sua sorte.
Em vez de escolher a semente do fruto de uma árvore apenas, juntou uma semente do fruto de todas as árvores e , metendo-as num saco vermelho , em forma de coração sorridente, colocou o saco numa noite de lua cheia , quando a lua parece sorrir sobre todo o mundo, debaixo da sua almofada e sonhou apenas com coisas doces e bonitas.Na manhã seguinte correu ao seu quintal a fazer um buraco , abriu o saco das sementes e disse lá para dentro “Eu quero frutos doces, eu quero frutos doces, eu quero frutos doces”; fechou novamente o saco e meteu-o dentro do buraco que depois voltou a tapar com terra.Todas noites, a seguir, vinha regar o sítio onde estava o saco das sementes e, enquanto regava, dizia devagar as palavras mais doces que encontrava no dicionário.Ao fim de algum tempo, furando o chão, surgiu o tronco ainda frágil e pequeno de uma árvore que, parecendo igual às outras , era no entanto muito , muito diferente.
Quando , algum tempo mais tarde a árvore cresceu e chegou à altura de dar os primeiros frutos, com espanto de todas as pessoas , os frutos que apareceram tinham a forma de corações vermelhinhos e eram doces como chupa-chupas , tendo até, em vez da haste, uns pauzinhos brancos de agarrar.Todos ficaram admirados e, ora pedindo, ora às escondidas e com vergonha, quando passavam por aquela árvore, iam tirando e provando aqueles frutos em forma de coração doce.Mais esquisito ainda era que, quando provavam aqueles frutos , a cara das pessoas ia deixando de estar aborrecida e , aos poucos começavam a aprender a sorrir e a dizer coisas agradáveis , deixando que a alegria e o riso passassem a habitar os seus dias.E porque eles iam ficando alegres e felizes, também os frutos das suas árvores foram ficando doces, embora nenhum tão doce, saboroso e bonito como os frutos da árvore-coração que ainda hoje se pode ver plantada nas nuvens quando o sol se esconde e por um momento , a lua cheia, aparece no céu com um sorriso grande e doce sobre o mundo , saudando a noite que aí vem.
Já o disse mas não me canso de repetir, és um encanto Mimganço, e como tão bem sabemos, o riso é uma arma fabulosa.
tsel
no píncípio era o verbo... mas agora que descubriste as palavras... valha-te Deus, que nos deixas angustiado como escreves coisas próprias de vida religiosa... quero dizer: próprias para o oriendador de um retiro espiritual se dirigir... Coisa de fazer pensar Tony de Mello (Canto do pássaro)... já percebi, que tu és dos que têm a mania de fazer os outros felizes!! agora vamos jantar, vou contar a tua história aos presentes.Se eu fosse mau.. agora continuava a tua história com uma maçã linda e vermelha... ela deu-lha a ele.. comeu-a e zás! estavam nús... hehehehehehe
ag da silva
Nem sempre um garoto permanece do tamanho da árvore que semeou e este, como tantos outros, cresceu em cada estação do ano, sorvendo a água dos invernos e tostando a pele no calor dos verões, tantas e tantas vezes repetidas que um dia se deu conta de ser homem, tendo apenas por património a grandeza de um tronco cascudo e forte e uma copa grande e farta que dava frutos permanentes de sabor constante e duradouro.A gente que passava servia-se sem cerimónia na medida das suas necessidades e por cada fruto despegado do ramo nasciam outros dois no cumprimento da parábola multiplicadora que diz que quem dá o que tem é merecedor do dobro daquilo de que se desfez.A igualdade dos dias foi porém perturbada com a chegada de alguém que vindo de longe parou defronte da árvore mirando-a de perto com um olhar perscrutador de sortilégios, imaginando ter uma assim só para si em exclusivo e demais, com jardineiro de exclusivo uso.
Não se serviu dos frutos, não se acercou dos ramos, antes se deixou ali ficar afectando nesse absortismo uma gratuidade simples e desprendida. E essa quietude de modos foi de tal modo convincente que passado um tempo longo se levantou, pegou na mão do homem e levou-o para longe sem um queixume deste, como se fosse entrega o que apenas era resignação e envase da solidão.Lá no outro lado do mundo onde terminara a caminhada ele foi cuidando das florestas mas estas não davam frutos, sequer amargos, e de repente sentiu tão distante a mão de quem o trouxera que ao levantar os olhos estava de novo sozinho numa nudez tão estranha que a vergonha que sentiu era uma lágrima grande e gorda que lhe lavou os olhos e lhe dobrou a vontade.Ao cair na terra essa água limpa feita de tanta memória e grandeza , fez-se raiz e cresceu num instante de relâmpago incendiado e trepando então a essa árvore que assim crescera e dera apenas um fruto, de novo com a forma de um coração transparecido , o homem viu lá do alto , ainda, o rasto dos seus passos.Então comendo ele mesmo o fruto único de uma dor tão grande , abriu-se-lhe a o rosto num sorriso e tomou o regresso a casa, para junto da sua árvore onde o aguardava numa espera confiada quem com ele , desde sempre, quisera comer até às sementes o fruto novo de um coração liberto.
Raios ... fiquei angustiada com esta leitura mimganço, vá - se lá saber porquê ... : (
tsel
Se existe em cada menino um homem , existe em cada homem um prenúncio de tempo por se cumprir, que o vento empurra e transforma em corrente, num deslize sereno para a foz.A árvore fora dando frutos, colhidos agora sempre a duas mãos, porque se havia descoberto que a singularidade dela era tornar-nos únicos e plurais.Mas o tempo não se suspendia nos ramos e passava por eles anunciando em cada primavera a emergência de uma partida , esta agora consentida pelo desejo sábio de que a morada mais permanente nunca tem os seus alicerces num chão de terra. E foi sem espanto ou mágoa que perceberam que o homem partira, quando aquela árvore aos poucos se despedia também, esquecendo primeiro os frutos, depois a sombra até se fazer pedra, apontando para o alto o único caminho onde todo o corpo se faz asa e absoluto.Não havia pena , mais árvores existiam agora cuidadas por mais gente e até sem sobressalto reparavam que a terra aos poucos se elevava levando consigo aquele tronco empedrecido e fazendo dele um marco erguido sobre o monte.De como tudo começara já não se lembravam quem habitava os vales e as planicies mas quando subiam a montanha na curiosidade de se assomarem de cima dela sobre o mundo a paz que os habitava era de tal tamanho que , elevando os olhos para o alto , na direcção a que a pedra convidava , viam nela alguns, um tronco seguro e forte de uma árvore que tinha por ramos as nuvens e que à noite dava como frutos estrelas que se acendiam com o nome de cada um, um nome soletrado pelo vento , e que entrando no coração o tornava esclarecido e doce, como em tempos havia sido o fruto de uma árvore que o dom de uma criança transformara em eternidade.
um barroco : )
nivea
não.... não é um barroco... é o pinoco do Jarmelo.. eu sei que ele tem uma admiração pelo marco geodésico....Noutro tempo, naquele ponto erguia-se quem sabe uma torre de vigía para todas as terras ao redor... dalí, do pinoco, veem-se terras de Espanha e quase areias de Portugal...Dali, viu Pedro a sua Inês...
ag da silvaNem pedra nem mastro,uma bandeira desertanuma falésia sem penhascoe um horizonte limpo,anunciado,marcando o centro do que sousem pretender chegara outro lado.Ali sei a côr da minha asa,sei-me confiado e de onde vim,qual foi desde o princípioo meu destino,ser grande assim deste tamanhosempre a crescer e a ser engrandecidopor um vento que me embala e que me acolhea lembrar-me que nunca deixareide ser menino.
Sou barco e vela enfunada por um vento morno...
Penha Negra
Os comboios
« em: Agosto 16, 2005, 01:00:00 »
O meu pai gostava de comboios e eu também gosto. Era mesmo o seu lugar preferido e para onde ía , volta não volta , ver as carruagens passar sem pararem; outras parando e descarregando gente, deixando entrar outra; vendo partir a locomotiva pela linha até se perder de vista , ouvindo ainda o som que se transmitia pelos carris como um eco no interior do aço. Este fascínio pelos comboios , pelas estações, é uma manifestação de nomadismo e por esta mesma razão , nas gares de caminho de ferro (como gosto desta expressão) de França e de outros pontos da Europa , os emigrantes , sobretudo os das zonas rurais e continentais , reúnem-se e esfumaçam cigarros de memória , num transcorrer do tempo , com a proximidade da itinerância.Um lugar familiar , é o que é.Sei que pelo mesmo motivo o meu pai gostava de estações e apeadeiros e era para lá que me levava a passear enquanto menino , num silêncio onde ouvia , distintas , os grasnados dos pássaros da sua aldeia, o rumor das águas do ribeiro , o cheiro dos lameiros e o rasto de uma imensa saudade deslocando-se sobre os carris.As linhas dos comboios sempre foram o fio que me prendeu aí e fez de mim um papagaio de papel a voar longe da mão que o tinha preso...
Fizeste-me lembrar um comboio que existia na minha terra chamado o "camacove" , a sua marcha era tão lenta que nas subidas era pedido aos passageiros para sairem de forma a facilitar e aligeirar o esforço da máquina.Por conta desse mesmo comboio ganhei a alcunha de "camacove" em miuda, sempre que me era posto um prato de sopa á frente ....
tsel
Como tudo tem o seu reverso, os comboios lembram-me esta história triste, singular no desfilar de uma dor mas plural na nossa história colectiva :´...Em agosto, as carruagens do trem apinharam-se de risos e figuras modestas na sua melhor vestimenta. Viagem rápida considerando as agruras da ida. Também ele estava feliz quando mudaram de comboio na fronteira portuguesa. A luminosidade da sua terra era inigualável, pensou.Detiveram-no juntamente com outros passageiros. Os olhares estremeciam sem falas na sala onde os mandaram esperar. Não conhecia nenhum dos homens mas sentia a corrente de solidariedade que os unia no silêncio. Alguns sabiam exactamente o que iriam defrontar, no entanto, a maioria ignorava-o. Os receios fundamentavam-se somente na sabedoria popular que apontava as fardas como algo de que fugir como o diabo da cruz.Convocou-o um homem baixo, de fato cinzento escuro e camisa azul albumina, óculos de fino aro dourado. Entraram numa sala pequena, sem janela, onde se destacava a secretária; as paredes eram brancas e teve dificuldade em identificar, ao centro do painel direito, um retrato muito amarelecido de Salazar. A luz do tecto cegava-o...`
'...À voz de comando, sentou-se na cadeira de madeira a que faltava uma torcida vertical nas costas. Cruzou os braços mas optou por se quedar com as mãos juntas, entre os joelhos. O homem folheou interminavelmente uma pasta sem reparar mais nele. Saiu à hora do almoço sem lhe dirigir a palavra e não voltou.Dormitava quando a porta bateu. Era um homem alto e forte, de hirsuta cabeleira grisalha. O que mais impressionava eram as mãos desmedidas que esfregava de encontro uma à outra, os dedos gordurosos de uma enjoativa cor rosada. Na mão direita usava um cachucho de ouro a comprimir o dedo mindinho, de unha avantajada. Ele endireitou as costas, disposto a apresentar os documentos que tinha prontos, fora do bolso das calças. Não lhe interessavam documentos, disse o outro, embora os recolhesse e parecesse baralhar cartas com eles; queria nomes. Ele entendeu de imediato e a pressão na base da coluna agravou-se. Perante o seu mutismo, a voz engrossou. Entraram mais três indivíduos....'
'...No dia seguinte, abandonou a sala branca e progrediu dolorosamente até à estação. Os nomes ecoavam-lhe nas têmporas latejantes, percorriam-lhe as veias e suspendiam-lhe a respiração. Enojava-se de si.O comboio ia partir para a sua terra. Para a terra deles, dos nomes. Permaneceu sentado no fundo da estação, indiferente aos vergões no corpo e ao braço partido que comprimia contra a camisa ensanguentada. Depois da estridência da partida, as rodas chiaram, avançaram sincopadas sobre os carris polidos e, num frear agoniado, soltaram estridores que ele já não escutou. No cais, o chapeú preto ainda rodopiou duas vezes até se imobilizar.'
Snuf
Snuf.... eu li tão pouco em toda a vida... ao ler estes pedaços da tua colaboração... transportei-me para Manuel da Fonseca, ou alguém assim.... Snuf.. com esse imaginário, e esse texto deveria tratá-lo por voçê... desculpe... acho interessante como se encadeiam os diferentes textos de diferentes participantes deste fórum... mais uma vez obrigado pelas participações. A ameaça de que um dia vamos publicar isto... continua no ar !
ag da silva
Caro ag da silvaNinguém ganhou nunca respeito ao impor que o tratamento por você fosse o único institucionalizado para a sua pessoa. Talvez impusesse temor, daquele que leva principalmente a maldizer pelas costas, exprimindo as justezas do que não é permitido derrimir na face.Assim sendo, seja o ‘tu’ bem-vindo que a mais não aspiro.
Snuf
A arte e o pão
« em: Agosto 19, 2005, 01:00:00 »
Se fizermos da vida uma obra de arte perderemos a vida e seremos apenas artistas sem sequer chegarmos a ser pescadores , trabalhadores da terra moldadores do aço semeadores do cosmos Deixem-me ao menos descansar nesta pequenez de quem é grande e depois... que a arte me visite que me bata à porta ou que durma no palheiro ,que se sente à minha mesa e mastigue o pão devagar que toda a superioridade verdadeira está na maneira como se consegue o pão e mais do que isso no modo como depois de conseguido se reparte.
...Ou como quem diz - os mistérios da vida encontram-se à nossa vista, apenas caminhamos teimosamente de olhos (e coração) fechados. ...Ou como quem diz - os mistérios da vida encontram-se à nossa vista, apenas caminhamos teimosamente de olhos (e coração) fechados.
Snuf
A côr da ausência
« em: Agosto 30, 2005, 01:00:00 »
Temos o lugar e temos a hora, mas a história tarda na exasperação do gesto que revele mais que um sentimento fortuito, porque cada movimento traduzido em forma nos desvenda nas origens, trazendo à superficie mais que o instante em que irrompe.Nenhuma circuncisão da memória é de tal modo eficaz que nos permita delimitar o tempo ou transformá-lo numa falésia de onde nos precipitamos na convicção de assim ganharmos o futuro e nada mais nos resta que pressentir na ausência do que fomos a presença da nossa original intocabilidade.A ausência não tem o sabor do absinto alucinatório ou da mágoa que não liberta, tem a côr do presentimento que existe na inviolabilidade do que somos , na espera fértil do lugar e da hora que revele o gesto e o faça tornar-se um tempo inteiro onde caibamos em paz.No Jarmelo existe o lugar, e a hora está lá pendurada em cada pedra esperando que nós cheguemos , ainda que lá cheguemos com a côr dos passos que damos noutro lugar.
...E a magia dessa ausência é permitir-nos espalhar - noutros lugares, com a cor dos passos que damos - pelo menos uma réstia de presença da nossa original intocabilidade e da inviolabilidade do que somos.
Snuf
E se, de repente, fosse verdade?!
« em: Agosto 16, 2005, 01:00:00 »
Nascera príncipe e fizeram dele senhor das planícies dos Sorrisos do Sul, uma terra vasta e interdita , desabitada de gente, onde apenas o vento nos caniços parecia imitar o gargalhar de meninos felizes e o pôr do sol , uma boca grande e colorida em forma de barca.Dizia-se que nessa terra meio estranha existia um dragão verde e lamelado de escamas reluzentes que cuspinhava fogo e se entretinha a afugentar dali quem pretendesse entrar em tão mágicos domínios e, por isso, ninguém se atrevia a passar para lá do limite do seu medo. Era pois ele, aquele príncipe, senhor de coisíssima nenhuma porque nunca nos pertence aquilo que não podemos fruir em cada manhã ou saborear ao entardecer. Mas parecia não se importar e à medida que ia crescendo fazia justiça ao título que possuía pois tinha uma boca em forma de sorriso da manhã e apenas se exprimia com o som das gargalhadas dos meninos felizes.Os que passam a vida a estranhar o que não entendem , estranhavam nele esse jeito de viver e , mais ainda , intrigava-os que ele se recusasse a abrir os olhos e sequer a andar. O que não sabiam é que insondáveis motivos se escondiam por trás daquele sorriso sulista de um príncipe petiz e sem terras e que o mantinha inabalável naquele festivo propósito de não ver , não falar e não andar.
Com o tempo esqueceram-se que ele existia mas no fim de cada jornada , quando o arrebol afogueava o horizonte sobre as planícies do sul e o silêncio da tarde fazia arfar cada peito , lá ao longe , o barulhar de um sorriso de menino príncipe embalava-os a todos numa doçura dormente como um sopro de vento na testa de cada um.Era de resto ele o único que sorria em todo o reino e isso perturbava ainda mais os respeitáveis cidadãos que não viam razão para que alguém o fizesse e menos ainda ele que desde o nascimento carregava , pelo título e pelo sortilégio do seu destino, o peso de uma mágoa anunciada. Não sorriam porque não tinham aprendido e também porque para eles a vida se resumia a tirar da terra o sustento do corpo e a deixar nela o esforço da alma , num vicioso círculo de gestos , olhares e palavras repetidas . De súbito a calma do reino foi perturbada por um ano de miséria em que os campos negaram o dom das colheitas e em que as nascentes quase secaram numa míngua de água que afastou os peixes e definhou o gado.Todos os que eram mais velhos que os castanheiros do bosque sabiam o que isso significava . De tempos em tempos sentiam-se obrigados a pagar o tributo de habitarem aquelas terras que julgavam cedidas de provisório título e o sinal desse pagamento era a terra negar os frutos e as nascentes a sua água. Sabiam então, nessa altura , o porquê das Planícies dos Sorrisos do Sul não serem habitadas e nelas haver sempre fartura e abundância . É que nelas habitava Escamudo , o dragão verde e dorminhundo que diziam ser senhor de todo o vale e que a troco de um combate de cem em cem anos , dormia outro tanto tempo , deixando governar-se numa paz sobressaltada os habitantes daquela terra de medo , desde que eles não ousassem entrar nas Planícies dos Sorrisos do Sul.
Por isso , no reino havia sempre um príncipe com esse nome , de uma terra que lhe não pertencia nem podia pertencer , mas que ele estava destinado a defender, quando chegasse a hora de travar com Escamudo esse combate secular e que mais não era que não uma forma de o adormecer por mais cem anos.Todos lembravam ainda os outros príncipes que as histórias dos mais velhos traziam vivos , e os combates que se dizia terem travado com aquele gigante verdelhusco que se comprazia em os vencer pelo medo sem lhes tocar e sem dizer afinal o que desejava , mas não havia memória de nenhum que tivesse sido chamado a tal demanda ainda tão novo e mais, que a enfrentasse com tamanha extravagância : de olhos fechados , sem falar e sem andar .Resignados e esperando que o seu príncipe pelo menos conseguisse adormecer Escamudo , à semelhança dos anteriores , já que vencer estava para lá de toda a fé , levaram o pequeno senhor das planícies sorridentes até junto dos seus domínios e , regressaram apressados a fechar-se nas casas quando lá fora , o cair da tarde afugueava o horizonte sobre as planícies do sul e o medo fazia arfar o peito , sentindo ainda , lá ao longe , o barulhar de um sorriso de menino que os embalava a todos numa doçura dormente, como um sopro de vento na testa de cada um . E assim se lhes iluminou , sem saberem porquê, a esperança .
Na Planície dos Sorrisos do Sul o dragonídeo olhava estupefacto para aquele pequeno nobre que ao pé de si, de olhos fechados e acocorado , sorria indiferente ao seu destino como se ainda não tivesse acordado de um sono justo de criança.Então, desarmado por tamanha docilidade , Escamudo perguntou:-Quem és tu , pequeno homem?!-Pequena gente , mas grande homem ... Redarguiu o príncipe , numa primeira frase fluente e musicosa , como se sempre tivesse falado.Escamudo sentiu-se atingido pela integridade da voz e pelas palavras novas da resposta daquele petiz que conservava os olhos fechados e na boca o mesmo sorriso imperturbável.-Que sejas então grande homem . Corrigiu o dragão . Mas isso de pouco te valerá porque ao pé de mim o grande faz-se pequeno , o pequeno torna-se minúsculo e o minúsculo ... desnasce .A criança não apresentava sinais de medo e isso intrigava o monstro que tinha no susto a sua melhor arma mas , como ele persistia em conservar os olhos fechados , decerto quando os abrisse ficaria estarrecido como os anteriores e poderia regressar ao seu sono sem sentido.-Porque não olhas para mim ? Perguntou Escamudo num lamúrio de convidativa habilidade.-Porque não estás preparado para receber o meu olhar. Respondeu comcandura o menino, deixando o bicho desarmado e numa perplexidade que nunca antes experimentara.-Sabes quem eu sou ? Questionou de novo com animal impaciência .-Sei muito bem. És aquilo que me falta , na mesma medida que eu sou aquilo porque anseias. Respondeu o príncipe sorridente .
E então , abrindo os olhos , o pequeno monarca assentou o seu primeiro olhar , de uns olhos novinhos em folha, em Escamudo que o recebeu como um sorriso da tarde .- Mas tu és cego ?! Disse o Dragão comovido.- Não. Respondeu o pequeno. Um cego é apenas aquele que guarda o seu primeiro olhar até valer a pena ver aquilo que se olha. Da mesma maneira que não sou inerte nem mudo porque apenas tem sentido andar num reino que nos pertence e falar onde o nosso eco , e não o dos outros , nos devolva a nossa voz. -E guardaste o teu primeiro olhar para mim ?! Acrescentou o monstro já rendido ao encanto do seu príncipe.-Não só o primeiro olhar , como as primeiras palavras e os primeiros passos.Disse Jarmelo , que assim se chamava, enquanto se levantava e caminhava na direcção de Escamudo que estava agora , também ele , de olhos fechados e acocorado , com um sorriso grande e bom numa boca do tamanho de duas tardes.-Era o meu combate. E só podia ser o Bom Combate se o enfrentasse de olhar puro , palavras limpas e passos novos .Insistiu o príncipe pequeno.-Porque é que todos os outros não descobriram o segredo . Perguntou o animal ainda acocorado e de olhos fechados.
-Porque eram iguais a todos e apenas os diferentes conseguem esperar a sua hora. Tu também me guardaste este reino inviolável. Nenhuma voz, nenhum olhar e nenhum caminho aqui esteve antes dos meus...Escamudo ergueu-se então e pegando na mão do petiz apontou o pôr do sol aolonge e disse -lhe :-Anda , vem conhecer o teu reino e que apenas podia ser dado a quem guardasse para ele , como tu , o seu primeiro olhar , os seus primeiros passos e as suas primeiras palavras . Há séculos que te esperava e há séculos que ele precisava de ti.- Então és apenas, como te dizia, guardião deste reino . Comentou o Príncipe das planícies dos Sorrisos do Sul.- Que tolos aqueles que tiveram medo de ti . Mas diz-me porque é que a terra se fecha de frutos e as nascentes se secam de água de quando em vez ? E que é feito dos outros príncipes dos outros combates ?
-Esses outros passaram por aqui mas foram embora sem quererem regressar ás suas casas , ao descobrirem com vergonha que eram iguais a todos os outros e que não haviam esperado a sua hora . Não eram príncipes verdadeiros . Devem agora habitar na terra do esquecimento onde os passos não fazem caminhos , os olhares não abrem corações adormecidos e as palavras não formam poemas . Quanto à secura das fontes e tristeza da terra isso são apenas sinais de que lhes faltam sorrisos e que enquanto assim fosse teriam sempre entre si um príncipe sem reino com a missão de resgatar para eles esse sal de viver que é o sorrisos dos dias. Mas como ninguém com medo consegue sorrir a visão destas terras fá-los pensar , nem que seja pelo medo, que nem tudo já têm.O pequeno , esfregou os olhos e vendo o sol que tombava sobre as espigas de trigo maduro do seu reino , correu pela seara gargalhando com gosto uma canção de entardecer enquanto Escamudo se deliciava neste encontro com um amigo que não o deixaria adormecer de tédio por mais anos .
-Esses outros passaram por aqui mas foram embora sem quererem regressar ás suas casas , ao descobrirem com vergonha que eram iguais a todos os outros e que não haviam esperado a sua hora . Não eram príncipes verdadeiros . Devem agora habitar na terra do esquecimento onde os passos não fazem caminhos , os olhares não abrem corações adormecidos e as palavras não formam poemas . Quanto à secura das fontes e tristeza da terra isso são apenas sinais de que lhes faltam sorrisos e que enquanto assim fosse teriam sempre entre si um príncipe sem reino com a missão de resgatar para eles esse sal de viver que é o sorrisos dos dias. Mas como ninguém com medo consegue sorrir a visão destas terras fá-los pensar , nem que seja pelo medo, que nem tudo já têm.O pequeno , esfregou os olhos e vendo o sol que tombava sobre as espigas de trigo maduro do seu reino , correu pela seara gargalhando com gosto uma canção de entardecer enquanto Escamudo se deliciava neste encontro com um amigo que não o deixaria adormecer de tédio por mais anos .
Então , nesse instante , lá longe , na terra onde tinha nascido o príncipe das planícies dos Sorrisos do Sul , enquanto o arrebol afugueava o horizonte e o silêncio da tarde fazia arfar cada peito , sentiram distintamente que o barulhar do sorriso do seu príncipe menino os embalava a todos numa doçura dormente , e que com um sopro na testa de cada um , lhes acendia o rosto num sorriso novo , inapagável, que sossegava o medo e recobrava o ânimo e a força. As fontes voltaram a correr de água , a terra foi pródiga de frutos bons e ainda mais doces e , a partir desse dia nunca mais se voltou a ter medo de dragões adormecidos , as pessoas nunca mais deixaram de sorrir e , quando chegavam a velhos, partiam alegremente na direcção das planícies dos Sorrisos do Sul onde sabiam que um príncipe menino de olhar puro , passos novos e palavras limpas os esperava de braços abertos e sorridente na companhia de um dragão enternecido para aí , todos , com a leveza dos sopros que Deus semeou no vento, serem felizes para sempre .
Pura magia ....um sorriso para ti Mimganço
tsel
euronews....no comments.....Tens a certesa que és mesmo deste mundo?!!arrepiarias o Exupery....mesmo muito bem!!!!!Vamos certamente ter que editar istos.......
ag da silva
E pensava eu ser tão difícil encontrar o caminho...Como te atreves a desafiar todos os Homens a despirem as armaduras e a deitarem para longe as armas da indiferença?Como te atreves a tornar fácil a visão das tempestades e a colocar num simples olhar a força das verdades?Como te atreves a atrever-te?Como sabes tu ver a verdade colada atrás da sombra do olhar ?Amigo, também aqui acredito sem necessidade de ver. Mas, se o segredo está no querer, então que a lei seja criada e todos sejam obrigados a querer apenas...Para ti "Mimganço" fica a promessa de uma tentativa de resposta com o pincel da mesma ilusão, sabendo eu que o não saberei fazer com a mesma arte.O mesmo abraço.
Diogo Luís
É preciso desejar muito para poder querer legitimamente alguma coisa. Por isso o sonho não é o delírio de desejar para lá do possível mas antes é ser capaz de querer realizar, depois do desejo imenso, todo o razoável .
Ai8nda agora mesmo acabei de ter esta conversa com o Isidro por Tlm: os textos do Mimganço mereciam umas ilustrações... ofereceu-se o Diogo.. está bem... vamos editar isso!ó Mimganço... não és um inspirado???
ag da silva
Só mesmo quandop me sopram...
Aquela era uma tarde cinzenta, a mais cinzenta que o Príncipe menino já vira, depois que recebeu a dádiva do Guardião dos medos.Olhou as planícies dos Sorrisos do Sul, agora repletas de Gentes que paradas olhavam o Céu, prostradas, girando apenas as cabeças como girassóis, seguindo sempre a direcção da luz das luzes. Os seus pés criavam raízes que procuravam entre os grãos da terra as veias do infinito, carregadas de um líquido límpido e sem cor, sem cheiro, que apenas podia ser visto e sentido por aqueles que aprenderam a olhar a primeira luz da aurora.O silêncio das verdades aceites pairava sobre todo o vale, apenas interrompido, a espaços, pelo murmurar do vento, que saído das goelas de um velho dragão agora adormecido silvava ao passar entre os seus dentes repletos de um brilho especial e que vergava depois, à sua passagem, levemente os corpos da planície, como espigas de trigo oscilantes ao sabor da brisa do entardecer.O verde das escamas do bicho perdera o seu tom, tendo assumido uma nova cor, um branco resplandecente que cintilava com o olhar do menino Príncipe, sempre que este pousava as suas asas protectoras sobre os desejos dos seus súbditos.E foi nesta hora que se percebeu que o sempre poderia existir de verdade e que o tempo era apenas tempo para descobrir as vontades e estas podiam ser sempre presente, ainda que vindas do antes, do agora ou do amanhã. Só era preciso ser para se saber que se era, sem procurar encontrar o que quer que fosse que não tivesse importância nenhuma.... (com o mesmo abraço)
Diogo Luís
Diogo, vaispinttar escrevendo, ou pintando mesmo? euestava na expectativa que pintando mesmo.....
ag da silva
Ele pinta mesmo...E bem...
Ag. da Silva, há muito, mas muito tempo, alguém disse que pintar vale mais do que mil palavras. Se me for permitido, acrescento eu que há palavras que valem mais do que todas as misturas de cores...Há quem diga que tem tais talentos.Não, não chego nem nunca chegarei aí!As cores que fui misturando nas poucas telas que pintei até hoje não passaram de exercícios de egoismo, expostos nalgumas paredes do meu "castelo" e raramente nos reinos de alguns amigos, entre os quais se conta o de "Mimganço".Lembro que não tinha castelos nem prícipes mas apenas a imensidão do mar sereno, aqui e ali com alguns barcos que seguiam o seu rumo.Era afinal, penso, o mesmo registo...E, como de "Mimganço" é a descrição das vontades, com tais príncipes e reinos de sonho, o desafio será sempre seu, mantendo eu, assim Ele o queira, presente o mesmo querer, mas certamente sem o talento que as suas palavras traduzem.Mas..., ainda que eu use raramente o pincel para misturar algumas cores, em geral a óleo, que vou passando para algumas telas, parece-me que não terei talentos de ilustração, por impor esta outro tipo de técnicas.Porém... se "Mingamço" quiser nunca saberei dizer-lhe que não, por não figurar, para ele, essa palavra no meu dicionário!
Diogo Luís
Em tempos presumi que fazia umas ilustrações, sempre mais porque académicas - curriculares de quem teria que acabar o curso nas Belas Artes - mas para as histórias do Mimganço... sinto-me pequno....
ag da silva
A terra e as palavras
« em: Agosto 10, 2005, 01:00:00 »
Era uma vez há muitos anos, talvez até ainda antes de o tempo se contar em dias e em revezes, quando as pessoas viviam em povoados e aprendiam o poder de comunicar . Habitava num monte um povo minúsculo de gente quase invisível e de poucas falas e havia construido as suas casas em redor de um marco de pedra anguloso apontado para o céu. A cada um, pelo mágico do reino que ali se dirigia todas as manhãs, eram distribuídas ao nascer do dia 100 palavras . Nem uma mais nem uma menos. Por isso eles apenas diziam coisas acertadas , directas e inteligíveis. A vida corria com a exactidão com que as palavras ,iguais para todos, eram distribuídas como uma ração preciosa.Mas houve alguém que se revoltou , num dia incomum... Invejando a forma com que muitos faziam render os seus vocábulos e , ainda mais, o que conseguiam obter com eles, o inconformado começou a engendrar um plano de revolta mas, lamentavelmente tinha apenas 100 palavras por dia para se revoltar.Nem uma mais nem uma menos. No fim de muito pensar , e pensar sem palavras rendia muito , descobriu que se escrevesse as palavras da revolta ,elas não valiam mais mas duravam mais tempo. Afinal vale mais aquilo que dura mais tempo ... E assim fez.
Começou a grafitar nas paredes o desacordo de as palavras serem iguais para todos e em tal número. E incitava à revolta, convidando à recusa em utilizar as palavras distribuídas. Afinal, pensava ele, que se todos poupassem as suas palavras e se as pusessem em comum , poderiam como um todo ter muitas mais para usar... Ao fim de 3 dias e depois de ter regimentado alguns habitantes do reino tinha ele já mais de 1500 palavras e então resolveu fazer um manifesto. Mas, embora tivesse 1500 palavras tinha muitas repetidas pois que apenas 100 eram diferentes . A solução seria fazer um manifesto curto mas repetido muitas vezes. Ao fim de um tempo o conjunto dos seguidores somava-se e , com ele , o poder daquelas palavras repetidas sincopadamente como as horas , na torre do campanário. Alertado pelo crescente alarido o mágico do reino começou a levar a sério aquele movimento sonoro e resolveu tomar uma atitude. Daria de futuro apenas metade das palavras a cada um. E se o pensou melhor o fez. Surpreendidos pelo emagrecimento da ração comunicante , os habitantes tomaram-na consigo e lá abalaram vergados ao peso de uma autoridade incontornável. Alguns deles chegaram a semear as palavras nos campos mas ou porque a terra era avara ou porque a semente de má qualidade , nenhuma colheita tiveram. No segredo do anonimato o contestatário magicava uma resposta. Se as palavras eram menos teriam de ser gritadas mais alto... E assim fizeram .
Ás horas estabelecidas , o cortejo percorria as ruas zonzando e vozeando aquela prosa irreverente de quererem mais palavras para lá das palavras. Cada dia que passava a multidão aumentava e com ela a força do som que se expendia. O mágico atordoado via a população unir-se em volta do pouco que tinha e aquelas 50 palavras distribuídas tinham afinal o peso das palavras únicas , como um tiro de canhão . A solução era apenas uma...Dar-lhes o que queriam e assim se decidiu a abrir os cofres do reino e a deixar que todas as vogais , todas as consoantes e todos os acentos fossem distribuídos sem reserva e sem critério. E foi desde esse dia , para espanto do mágico e desdita do revoltoso , que mais ninguém foi capaz de dizer ou de entender as mesmas coisas. Deixou de haver cortejos pelas ruas do país e possuídos de tantas palavras ninguém mais se entendeu. As palavras, essas foram aos poucos perdendo o significado e diz-se que esse país distante , foi definhando até ter desaparecido , precisamente pela abundância das palavras ter inundado o corações das gentes e esvaziado o sentido dos gestos...
"Poder de comunicar" ou se tencionava dizer " socialização ou até aculturação? Permita-me.DÚvida "marco" ou sítio, se marco provavelmente ainda não existia."Minúsculo", " invisivel" se perdica de gentes de... não me convence. Obrigada.
de jarmelista
o jarmelista parece que faz de advogado do diabo nas causas dos santos...Gosto de te ouvir! Minganço!!JARMELO!!! JARMELO para quem quiser tomar um café.. serão estas as palavras mágicas!!! quem não disser, não toma café...!!
ag da silva
Todas as três observações foram certeiras e menos que isso eu não esperava de si, que já me habituou a uma atenção que tenho por solidária.Nessas três observações tem inteira razão e desfez o equívoco que elas podiam transportar , deixando bem claro e rigoroso aquilo que a plasticidade das palavras numa história deixam sempre peliculadas de uma névoa sadia.Detenho-me no entanto na última, precisamente aquela que , em boa hora, o não convenceu.O minúsculo e o invisivel a que me referi tinha os imperativos da originalidade e das primícias, isto é, colocava-me eu, fazendo parte desse povo, e sem ser o mágico, naquele momento inexistente porque insondável, em que os povoados nascem ainda isentos de história e em que , como uma criança que nasce , é portador ainda intacto de todas as expectativas. Não minúsculo por ser insignificante , nem invisivel por ser destituído de génio mas sómente por ter novinha em folha a pauta de existência , sem história pregressa em que firmar os sonhos.A diferença entre um ensaio e uma diatribe da imaginação é esta mesmo, o que o primeiro tem em rigor sobra a esta em ternura.Por isso lhe agradeço o rigor das observações e a condescendência da leitura que fez.
Estás a ver Mimganço, o porquê da Nivea querer levar o termo do café, é que ao chegarmos aí pode-nos acontecer ficar sem palavras, logo impossibilitadas de gritar JARMELO!!! JARMELO e lá se ia o café )
tsel
Por vezes as palaras não são o bastante para exteriorizar o que nos vai na alma. Elas provavelmente poderão ser a causa do nosso rúido numa qualquer comunicação. Se para mim era dúbio, restava-me, perguntar porquê? Entendi que a melhor pessoa que me poderia desfazer qualquer entendido menos original seria o PRÓPRIO. Grato. No Português existem para além de tantas, duas palavras: concordo e o discordo, quando não concordamos nem discordamos resta-nos uma terceira: conformismo. Quanto ao termo ou termos: "o jarmelista parece...", declino qualquer comentário. Obrigada. Quanto à subtileza do texto, reconheco-lhe o seu mérito. Permita-me que pense em passa-lo a livro, para que outros tantos o possam ler, e dele perdicar. Se for de sua vontade anuncie a publicação. Obrigada MINGANÇO.
de jarmelista
Quando se aspira a lider muda-se de vocabulário.Ás normas de conduta social são as melhores armas que se podem usar. Ser Subtil.
anónimo
A subtileza deve ser a arte de não magoar sem deixar de ser verdadeiro; de ser humilde sem qualquer vestígio de rendição ; de ser grande sem qualquer artificio de eloquência e , no limite, de ser sensato sem o orgulho que a inteligência confere a quem não acredita na força que lhe vem do coração.Nunca , por um momento sequer, aqui tomei qualquer comentário de discordância como um chiste de inveja e menos ainda como qualquer recriminação.Tenho este lugar por território de afectos e tudo o que aqui leio aprendo-o como convite a conhecer mais e melhor a terra que amo de modo idêntico ao que me dizia o meu avô quando me ensinava a tirar batatas e me repreendia a forma como deixava que a enxada mandava em mim, recomendando-me que o aço deveria entrar aterra naquele ponto imaginário que fazia a mediatriz entre os dois caules que saiam da terra de forma a não multiplicar pelo gume a integridade do que o chão estava ma disposição de revelar.Por isso agradeço ao Jarmelista e a todos os outros jarmelistas que não sendo do Jarmelo nem dele terem ouvido falar e que ao longo do tempo detiveram em mim a sua atenção e me fizeram ser melhor pelos reparos e pelas advertências.Esta subtileza quero-a e nenhuma outra me serve que enquanto ela assim for isso é sinal do enorme respeito que nos devemos e que nos deixa celebrar tudo aquilo que nos une , para lá de tudo o que nos possa dividir.Quanto aos textos amigo Jarmelista apenas lhe posso dizer que tudo o que aqui ler de meu , é seu, quer pelo prazer que tiver de o haver lido, quer pelo pretexto que foi de me haver respondido.Bem haja por isso.
Ser subtil
penitenciu-me aqui se por alguma coisa escrita alguma vez nos desntedemos...as palavras são assim.. as cem... e nem todos lhes damos o mesmo sentido... nem entoação...nem todos.. nem...JARMELO !!! (café)
ag da silva
Agora estiveste bem.Muito bem mesmo. É por isso que vale esperar até ao fim da festa,porque com as migalhas que sobram é que se faz o melhor banquete.Oxalá nos desentendamos ainda muitas e outras tantas vezes mais mas que nenhum se vá embora enquanto a mesa ainda estiver posta.Para lá do abraço que te dou por ser teu amigo, levas outro por seres um homem com J grande.
Já que neste nosso sangue parece que foi posto o gosto pelas palavras, ainda que nos embaracemos para entender tudo o que o outro diz ou quer dizer, permitam-me, deste outro lado do mar, compartilhar de tal confraternização, ao menos, virtualmente. E permitam-me continuar a falar sobre aquela conversa ...Bem haja!Ah, sim: Jarmelo! Jarmelo!
Jarmeel
"Minganço"... pois, quem sabe se... Não..., não conheço. E julgava eu saber conhecer estes símbolos! Vamos então por outro caminho.Palavras, meros símbolos que visam dar cor às ideias, tornando-as coisas de todos, ou pelo menos dos que assim o pensam.Pois... Também não será por aqui!E pensava eu saber isto...Talvez lendo os sinais...Palavras cruzadas, por vezes acorrentadas em labirintos de significantes e significados, mas sempre carregadas de sentido. Depois a arte de o saber dizer sem levantar a voz, falando mesmo o silêncio apenas por ser silêncio. Não, não é pretensão. É apenas um talento, um apenas entre os demais, dando sabor aos sentidos.Com tanta cor, sabor e cheiro para quê o tacto?Não preciso de ver para crer!Para ti "Minganço" um simples gesto.Um abraço.
Diogo Luís (...)
Será que fiquei sem o café?
Jarmeel
No meio do barrocal, o meu avô ao ouvir-me gritar disse-me um dia que devemos ter sempre cuidado em dizer em voz alta alguma coisa porque , depois, precisamos de saber esperar e estar à altura de ouvir o eco do que dizemos.Hoje sei e compreendo isso que ele dizia mas acrescento-lhe que o eco mais nítido para o que afirmamos existe sempre na voz de quem nos responde porque tal acrescenta a nossa e confere-lhe a responsabilidade de escutar e de ser escutado.Porém, quando o eco é um abraço, a responsabilidade torna-se no dom de acreditar mais e mais no que afirmamos e veste-se da força de pisar o chão e de continuar o caminho que nos faz gente.Agradeço-te pois Diogo Luís por acreditares sem teres visto que essa tua fé faz-me ver aquilo que por vezes me custa acreditar.
penitencio-me com ó.. foi um engano.. desculpem.. eco...eco...guardávamos as vacas e os sonhos.. pois issso de guardar as vacas só.. era também para nos obrigara guardar os sonhos... nalguns sítiosw o eco era uma ajuda para estar ali horas a fazer de tonto.. até que chegasse a hora de volatr para casa com a Marela ou a Garota...
ag da silva
A crença
« em: Agosto 10, 2005, 01:00:00 »
Acredita quem vive pondo à frente do outrooutro pé, e assim vai fazendo caminho onde caminho não há, onde nenhum rasto se atreveporque os passos se recusamou ficam presos na neve.E se o amanhã só existe se for de novo inventado com as cores que o firmamento acende à noite no céu,que ninguém fique deitadojulgando ter por dosselo calor das noites claras.Pois sabemos que o imprevistode muita maneira se escrevee o bicho que nos cravauma ferroada na pele também é aquele que nos dánum esforço generoso toda a doçura do mele nos deixa pressentirna dureza do caminhouma presença constanteque nos lava e que nos toma,um restolhar de asas de anjosó próprio de um Gabriel.
Olha ele ) já tinha saudades de te ler!!
tsel
bem hajas!!!A Tsel, não sabia que estavas na terrinha!O Gabriel, manda perguntar qdo é k cá vens jantar!
ag da silva
Agostinho, eu soube que o Mimganço passaria aí uns tempos, não contava era que acedesse daí, ao Fórum.!!Mimganço, na esperança que me leias, deixo-te aqui um recadinho, hoje, pela tarde, partiu um pombo em direcção ao teu pombal, foi-me prometido que amanhã já lá estaria.!! (o pombo é muito guloso), )
tsel
O coração e o pasto
« em: Julho 30, 2005, 01:00:00 »
A coisa passou-se assim, como todas as coisas se devem passar, de supetão...Esbaforido numa caminhada que sendo a mesma todos os anos, todos os anos me pesa mais nas pernas, e derreado das cruzes , que é uma coisa que a gente tem ao fundo das costas (mas não tão no fundo como as cabeças mais descendentes neste momento fazem questão de pensar), a lembrar-nos que o calvário, se muitas vezes vem de fora, quase sempre vem de dentro, abazurdi-me de borco e ao comprido no primeiro barroco que encontrei para lá dos limites do que é meu.A chuva da véspera tinha deixado vestígios de água nos buracos da pedra e com ela desenxuguei o rosto numa ablução de sapiência, preparado para me estirar de novo na quentura do pedrame, deixando que o sol me contasse o tempo ao compasso da respiração ainda ofegante.
O sossego durou pouco porque um ranger de dobradiças e o ronco de gonzos de portaleira perra me sobressaltaram de tal forma que foi já de cócoras, que reparei que o penedo ali de fronte se abria em dois, numa abertura cerzida pela reentância onde até então , e desde sempre, apenas sobressaíra um carvalho anão, firmado mais na teimosia que em terra de aprumo.Depois, lá de dentro, dessa fundidura esguia, saiu uma mulher, ainda nova, loira como o restolho de três dias , vestida de seda azul e com o rosto coberto de um lenço violeta, debruado de círculos de oiro, como se de libras sem cotação se tratassem.Nesta altura já o meu pasmo era superior ao medo inicial e, para me aliviar da cocoragem, sentei-me, sem que a minha boca pudesse ou ousasse articular qualquer som que não o da respiração, convulsa de novo, agora já de espanto e não de canseira.
Ela continuava a olhar-me sem se aproximar, semeando no tempo uma espera que transformava a lentidão em quase imobilidade, o que me permitiu recompor as ideias e tomar a iniciativa da pergunta:“Então é uma moira das encantadas?! Ora não é?”Mas nenhuma voz nem nenhum trejeito respondeu ao que perguntava,permanecendo ela num autismo luminoso, alheia a tudo menos à observação do lugar .“Mas ora diga-me lá…” Volvi eu , reparando que sem ronco de bisagras ou arrastar de trancas o barroco de onde ela saíra se voltara a fechar , deixando apenas a assomar o mesmo carvalho sustentado sabe-se lá em que chão. “ Agora que já não pode voltar para onde veio, que vai ser de si, perdida neste ermo do mundo, sem parentela, sem emprego e sem nenhum confidente que lhe assuma o segredo?”Lembrava que nas histórias que ouvira sobre moiras encantadas elas permaneciam visíveis enquanto quem as encontrasse fosse capaz de calar o segredo de as haver visto , ou regressavam , perdidas para sempre , ao interior da pedra que as revelara. Contudo, fechado o barroco por detrás desta, não via maneira de ela se poder valer do meu silêncio nem , tão pouco, de regressar ao sossego do sonho de onde tinha saído e, por isso, a minha pergunta fazia todo o sentido.Sem responder, a dona moira sorria agora, ironizando desvalidamente a minha pergunta, e eu fiquei a saber que muito me faltava ainda descobrir sobre os contos da terra e os cantos dos ventos para que pudesse, sequer, perceber a razão porque as pedras se abrem e fechem com um ritmo menos regular que o coração dos homens.
Desse lá por onde desse, calei-me e acomodei-me , deixando entregue à atenção o que até fora domínio da curiosidade.O tempo passou sem pressa e tão lentamente que nem o contei na métrica dos relógios mas sim pela altura do sol que aos poucos ia desfazendo numa sombra única o chão da tarde.Dobrando-se sobre si até ficar de cócoras como eu já estivera , a moira estava agora sentada, escondendo entre o conforto do ventre a cabeça e deixando que o vento lhe ondeassse as vestes.Aquele momento de presságio não durou mais que o sebo no nariz de um cão e a súbita imobilidade daquela figura deu lugar a um movimento vagaroso e amplo, cada vez mais amplo, insuflado em cada respiração branda até que se levantou num clarão amarelado e dócil trazendo no olhar a mesma placidez que antes vira estampado no da moira agora transfigurada.Levantei-me eu também refeito de cansaços e embaraços e tomando o caminho de casa foi sem surpresa que reparei que ela me seguia, quaternária de andadura, fazendo de cada passo um embalo morno por onde se podia passar a mão num desenho de asa. Na quelha que dá acesso à casa parei, dando-lhe passagem, e ela prosseguiu o caminho do pasto, sabedora de que me cativara com a mesma naturalidade com que as raposas seduzem os príncipes.Sentei-me nas escadas a rememorar cada passo desse dia até que a noite caiu como uma seda de frescura e me surpreendeu numa outra conjectura pergunturada, isenta de qualquer perturbação : como dizer a todos que as moiras encantadas existem , e andam aí à espera que a dureza no coração se transforme em pasto?!
Ganda Minganço!!Um dia destes.. lá no alto do jJarmelo a Dizer poesia e outras .. não podes escapar!!!
ag da silva
Ainda ofegante por suster a respiração enquanto o Mimganço se quedava – aparentemente - de cócoras (e digo aparentemente porque não há rasteirice alguma que permita elevações tais como as que lhe foram ofertadas), remeto inconscientemente os lábios à sua posição rotineira, de comissuras mais pendentes do que arreganhadas. Mas a ilusão das aparências só embusta os embotados. No fundo do olhar, mantenho o doirado do restolho que teima em iluminar-me as negridões dos sorrisos negados.
Snuf
Pedra sobre pedra
« em: Julho 14, 2005, 01:00:00 »
Pedra sobre pedraágua sobre a águafogo sobre a lageestrelas sobre a noiteterra sobre a terrae barulho do tempo sobre o chão.Som da nascente.lavando a poeira da palavraregando no regoa leira agradecidadas canas , das batatase do pão.Prece sobre o sinosuor sobre o cansaçoazul e laranja sobre a tardecaldo sobre a fomee tudo... tudo aquilo cabe sobre nóse que faz da distância entre o que somos e o céuo nosso tamanho de ser homem.
Já te imagino a dizer estes poemas lá em cima no Jarmelo!!!
ag da silva
leva os ovos verdes que faremos uma festa e tanto...
Disseste ovos verdes?? )Caramba, por ovos verdes, perco a vergonha e faço-me convidada, para o recital, bem entendido!!
tsel
Um dia destes apareceu lá no Jarmelo(em cima) um senhor que ttbém tinha saudades dos ovos verdes com muita salsa!!
ag da silvaComo todas as coisas insuspeitas os ovos verdes são um mistério delicioso...Como é que uma coisa que sai do dito das pitas se pode tornar com mistura de vinagre e salsa , pelo poder do fogo, numa poção prodigiosa que nos faz sonhar, e mais, ter apetite do sonho?!Mas não me admira . Com água da fonte da moura e com o cansaço da subida até as pedras e as gestas me saberiam a pudim de lonjura ou a arroz de deslumbramento doce.Um dia trarei esta receita, até lá roam-se de vontade que eu só penso na proximidade do regresso, já tão perto...já tão aí...
Mimganço, não sabes fazer bacalhau no forno com azeite e pão de milho? Leva cebola e muita salsa...O mimganço, descreve-me lá um passeio teu, lá no teu Jarmelo, assim com todos os pormenores dos teus sentidos? Mete as cores também?Podias contar mais coisas sobre as tuas aprendizagens com o teu avô?
Helena ( Ginja)
A Vaca e o Criador
« em: Julho 08, 2005, 01:00:00 »
Depois da obra feita ainda sobrara barro e alento de soprar ao Criador.Com os ardores do sol, e de um sol ainda novinho a estrear, a argila ganhara uma cor onde o amarelo da secura se misturava com o vermelho do astro quando se punha no horizonte e Deus, olhando para aquela lama ainda com as mesmas propriedades criativas , entendeu no seu alto entender que era um desperdício deitá-la fora.Porém , o cansaço de seis dias de jorna ininterrupta havia feito o seu estrago e as sobrancelhas do altíssimo começavam a arquear-se naquele movimento insuspeito da proximidade do sono ou dos alvores da irritação, sabendo nós que era fadiga porque nessa altura ainda Adão não tinha tempo para se ter metido em trapalhadas e empreendimentos.Pretendendo retirar-se para um lugar merecedor do seu descanso, com duas passadas largas, em que galgou meio mundo, o Omnipotente tropeçou nuns pedrecos que quase lhe ralaram os joelhos, mas o intempestivo tralho fê-lo deter-se na observação do lugar que lhe acolhera a queda, tão recentemente criado, como todos os outros, mas já desprovido de atributos e de meios.
Aquele lugar, que mais tarde poderia bem ser indicado para Judas perder as botas era , no entanto naquele momento um espaço de eleição para que Ele se despresumisse dos bolimentos laborais e se abandonasse a um sono retemperador.O sossego agreste dos pedredos , o assobio do vento nas giestas, a alvar azulitude de um céu tão alto como alta deve estar a perfeição para que permaneça a cobro da tentação de lhe querer tocar, tudo ali tinha tanto a exactidão da paz, que Deus gostou.E gostou tão tranquilamente que adormeceu ainda antes sequer de poder ter dito "com Deus me deito", estirado no lameiro fofo e fresco naquele fim de tarde de Outono espantadiço.
O barro remanescente e com o qual o Diviníssimo se entretivera até então a massajar, de uma mão para a outra, estava mais tenro do que alguma vez fora, e com ele no reconcâvo das mãos, esperando ainda lembrar-se do destino a dar-lhe, adormeceu embalado na respiração de um Mundo que batia acertando o passo com o coração do Criador.Sonando como as crianças , com a mãos perto da boca, o barro ia levando com o sopro que , vindo dos lábios do Omnisolente, se ia prendendo aquela matéria informe, que aos poucos se ia animando de forma conservando a cor e a suavidade mas ganhando andadura e porte.ser a primeira brisa, Deus acordou maravilhado com o que vira.Afinal a sua melhor obra fora feita no sétimo dia ,enquanto descansava naquele ermo da Terra…Uma vaca, humana de maneiras, saída do pedaço de barro esquecido que sobrara e animado com o restinho de sopro que lhe restara , estava agora ali à sua frente, devolvendo em matéria e quentura a argila e o bafo a que ele mesmo ainda não soubera a que dar destino.E comovido, Deus resolveu naquele instante que nesse animal, e nesse lugar, se guardasse para todo o sempre o segredo original de toda a criação que é ser barro e sopro, agradecido e sem pressas, paciente e sábio, humano como só as vacas do Jarmelo sabem ser.
Como diriam alguns, "és um encanto, Mingancinho".Fazes do Criador alguém que, apesar dos títulos que recebe, é sonolento e trôpego. A vaca (jarmelista), por sua vez, é moldada da "lama com propriedades criativas", o que sugere ser ela objeto da mais alta honraria dentro da criação. Outros poetas já falaram dessa forma, principalmente em relação a animal tão estimado e divinizado entre os pagãos e quanto mais o tempo passa, mais elementos vão se juntando, fundindo culturas e inspirando as mentes que gostam de brincar com as palavras.O Poeta Maior, que é o verdadeiro Criador, quando inspirou a Carta aos romanos (primeiro capítulo), disse que os homens não reconhecem Seus atributos nas coisas que foram criadas e, por isso, preferem adorar a criatura. Portanto, nada de novo no quartel de Abrantes. Quase todos falam de Deus e professam crer n'Ele (há também os saramagos e outros cínicos). Mas será que todos falam do mesmo Deus? Ou pensam ser Ele apenas um conceito subjetivo (cada qual faz um deus à sua própria imagem)?Será Deus aquela energia poderosa, impessoal que taoístas e outros querem mostrar?Será Ele dividido em fragmentos de tal maneira que tudo que existe é um pedaço d'Ele como crê o panteísmo?Será Ele o ditador universal, à espreita dos pequenos e grandes infratores que o desagradem?Será Ele uma espécie de ser mais evoluído?Será Ele um senil velhinho de longas barbas brancas, com disposição ingênua de atender a tudo que lhe é pedido e de recompensar atos de caridade?O Criador não pode ser o que cada um pensa a respeito d'Ele. É Alguém definido, concreto. Se falamos de perfeição, é Ele absulatamente Perfeito; se falamos de justiça, é Ele absolutamente Justo; se falamos de santidade, é Ele absolutamente Santo.O salmista, do Criador Onipotente, poeticamente, diz:"SENHOR, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me sento e quando me levanto; de longe percebes os meus pensamentos. Sabes muito bem quando trabalho e quando descanso; todos os meus caminhos são bem conhecidos por Ti.Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, Tu já a conheces inteiramente, SENHOR.Tu me cercas, por trás e pela frente e pões a Tua mão sobre mim.Tal conhecimento é maravilhoso demais e está além do meu alcance; é tão elevado que não o posso atingir.Para onde eu poderia escapar do Teu Espírito?Para onde eu poderia fugir da Tua presença?Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura, também lá estás.Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do mar, mesmo ali a Tua mão direita me guiará e me susterá.Mesmo que eu diga que as trevas me encobrirão, e que a luz se tornará noite ao meu redor, verei que nem as trevas são escuras para Ti. A noite brilhará como o dia, pois para Ti as trevas são luz.Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção.Meus ossos não estavam escondidos de Ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra.Os Teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no Teu livro antes de qualquer deles existir.Como são preciosos para mim os Teus pensamentos, ó Deus! Como é grande a soma deles!Se eu os contasse, seriam mais do que os grãos de areia. Contaria, contaria, sem jamais chegar ao fim".
Jarmeel
Afinal, eu só queria contar uma história...E contei-a.Cada um tem a sua maneira de fazer salmos mas sabemos, todos, que falarmos entre nós , e para além de nós, é tudo o que nos humaniza e tudo o que nos torna melhores.Para isso nem é preciso olharmos os outros nas suas imperfeições mas basta olharmo-nos a nós na nossa capacidade de acolhimento e no pressentimento que creio que em todos nós habita ,de sermos um pedaço de mistério por desvendar .Dizemos bem haja e é bom que saibamos que dizer isso é mais que agradecer o que nos fizerem , é celebrar o facto de quem nos fez o que fez ter nascido...
Há salmos e salmos.Há escritores de salmos e escritores de salmos.Há o que o homem cria e há o que Deus cria.Há pretensões humanas e há a afirmação divina.Há especulações humanas e há a revelação divina.Há imperfeições humanas (das quais todos compartilhamos) e há a perfeição divina (compartilhada conosco na Pessoa de Cristo).Há Juiz competente para aquilo que dizemos, se o que dizemos Lhe agrada ou não. Os torquemadas já se foram, mas deixaram rasto: ainda há quem, se pudesse, poria a arder qualquer que se lhe oponha. Isso não é conosco, amigo. Então, bem haja! Falemos mais d'Esse a quem tanto devemos.
Jarmeel
estais bem!! continuai, que levais jeito!
ag da silva
os andaimes de um povo
« em: Julho 08, 2005, 01:00:00 »
"É triste ser-se andaime , porque é ele que sustenta a construção , mas é sempre retirado no momento da festa".Entre o que resta da memória e o que sobra da imaginação, revejo o que aqui se tem escrito e dito e a maneira como cada um desses mateiriais vai trazendo do adormecimento a forma de um edificio que ainda não ruiu.Aqui foi a lembrança de umas casase do seu serviço comunitário...Ali foi a surpresa de uma expressão redescoberta...Mais além foi o encontro com a expressão do tempo a devolver-nos um tempo que já não temos.Tudo andaimes.
E se ser barraco ou catedral , o segredo da obra está sempre nas mãos do construtor, quando se adivinha que o edificio pode ser reerguido , em função do futuro, mas usando as pedras do passado, é forçoso que a nossa atenção se mova para dentro, na direcção do lugar onde o sonho e o compromisso são feitos do mesmo tecido, apenas vontade.Depois da demanda das pedras , outrora erguidas , depois baldadas e agora ressurgidas ; depois do património druidico das vacas( sim que ninguem me convence que as vacas daí não são a forma que escolheram os ultimos druidas para descansarem em paz) , talvez pudessemos acrescentar mais um andaime a esta obra e fazer a recolha daquilo que ainda resta das orações e litanias da gente que fomos e somos.
Eu que sou um degredado, porque nasci numa terra que não é a minha ( a minha é essa e outra não tenho) também fui embalado pelos mesmos responsos, pelas mesmas histórias e as mesmas orações que , seja qual seja o tamanho da nossa fé, revelam sempre a dimensão danossa voz.E se fizessemos um esforço por nos lembrar delas?!Se eu me reconhecesse nas que ouvi e entretanto esqueci, ficar-vos-ia grato, e isso seria um poderoso andaime , também na minha construção.Um andaime que eu não tiraria, nem sequer no momento da festa.
O sossego e o pasmo
« em: Julho 04, 2005, 01:00:00 »
Não se admirem.Este silêncio não é a inércia dos ociosos nem o desinteresse dos que se fartam depressa daquilo que os deslumbrou.Este comedimento é a pontuação dos passos, o intervalo que fica entre um povoado e outro e o rocegar dos pés na poeira dos caminhos.Se ao menos estivermos atentos ouviremos, ao pôr do sol, o bater das trindades e o badalo das vacas, a inclinarem o cachaço para beberem a àgua das ribeiras, o som da noite acender-se de grilos e de rãs e a estrada de Santiago a pavimentar-se no céu num destino sem portagem.Não se admirem com este sossego e pensem apenas no calor consentido dos barrocos, que na frescura da tarde desprendem de dentro de si a quentume dum ninho de moiras encantadas.Não se admirem e deixem -se ficar; não desistam de aqui vir e aprenderão também a leveza do silêncio a poisar sobre uma memória agradecida.
: ) ...estava a ver que não .... : )
tsel
Bem... umas semanas como tivemos recentemente... com mais de mil visitas... não sei se voltaremos a ter... mas com a poesia (mesmo em prosa, escreves poesia) do Mimganço... continua, pois nós cá.. estamos na disposição de as passar a não tão efémeras e publicar alguns dos melhores textos deste fórum.Para quem cá não viveu a tempo inteiro, conseguiste captar os momentos essenciais deste respirar..... viver e sonhar das gentes de cá.Mais uma vez o nosso bem haja... se passares por mi: venha com Deus! (e eu interrogava-me sobre o que quereria dizer a ti Maria Rosária, que no seu caminhar corcovado, se levantava - o olhar - para dizer: Venha com Deus, menino! chegava a casa e perguntava à minha mâe como se devia dizer depois....)
ag da silva
deve dizer: " vá com DEUS"
ESTA SAUDAÇÃO É A MAIS NOBRE DE TODAS AS SAÚDAÇÕES QUE NO SEU TEMPO ERAM USADAS, NORMALMENTE ERAM USADAS PARA AS FAMÍLIAS DE STATUS SOCIALMENTE RECONHECIDO E A PESSOAS QUE LHE ERA RECONHECIDO O DEVIDO "RESPEITO"...
apm
Barzanganas tanto rir...
« em: Junho 24, 2005, 01:00:00 »
"Barzanganas tanto rir...Satanás tal gente..."Era com esta expressão, e alguma surdez, que a Tisabel castigava os acessos de riso da garotada que se disparava quando a viam surgir na quelha, com o lenço negro enterrado até ás rugas da testa , ao jeito de um destino que se enterrasse, assim, no presente, não o deixando soltar-se para lá da lembrança do pretérito.Curvada para o chão, num rito de obediência invisível, dela nunca se sabia de onde vinha, porque sempre fora vista a andar, desprovinda da casa ou a abalar dela e talvez por isso, embalsamávamos a nossa ignorância com o riso, fazendo deste um azimute sempre exacto por onde ela podia aventurar-se.É bom termos na infância alguem que se entretem a percorrer os carreiros do noso riso sem se afastar deles e de quem apenas sabemos, ser esse habitante pendular e enigmático que em determinado momento nos desaparece da existência, mais em função do nosso crescimento que da sua morte.Ontem, exactamente ontem, no centro de uma praça de Lisboa, dois garotos , talvez irmãos , talvez netos do mesmo avô (que nós, como disse alguém somos sempre netos e filhos e cada vez mais netos e filhos quanto os nossos pais foram filhos e avós), pois esses garotos chegaram-se ao pé de mim e desataram-se a rir.Nada sabiam de mim mas eu deles fiquei saber,porque se riram, que um dia crescerão e deixarão de de rir daquilo que lhes aparece pela fente como pretexto de caminho.Entretanto agradeço-lhes , pela alvura do riso, a memória que me trouxeram da Tisabel e, com ela, mais uma memória iluminada.
Barzanganas e barziagas.. usava o meu bisavô.. disse o meu pai.. ele usava para as pernas.. barziagas as pernas que não me deixam andar...Gostei.. e mais pque é uma expressão muito antiga e que recuperaste!!parabéns.!!
ag da silva
Obrigado Agostinho por não me deixares mentir.Talvez com um pouco de sorte um dia possamos fazer um pequeno léxico de expressões e lenga lengas...A propósito destas últimas recordo que a Ti Maria de Jesus , vizinha de porta, dizia quando me queixava da da barriga:
"Ai meu menino, doi-te a barriga?São coices de égua parida; sete para o pai, sete para a mãe, sete para a filha e sete para essa maldita barriga"E se mais me queixava, ela repetia aquela litania que tinha o poder enorme , se não de me curar, pelo menos de me fazer conter, só para não ter de a ouvir lamuriar aquele responso...
quem sabe.. mas encravou a tecla.. e saíram três...
ag da silva
Permita-me "são coices d'égua parida"
de jarmelista
são rosas senhores... são rosas....( o que leva no regaço)
ag da silva
O Album
« em: Junho 17, 2005, 01:00:00 »
Mestre Agostinho, permite que te chame assim, vamos ao álbum...É que isto de fazer das palavras imagens e andar a divulgar um território (sim que o Jarmelo mais que uma terra, que não é , é um território, que é...) , mas divulgação desprovida de retratos, é correr o risco de passar por menos verdadeiro e isso é coisa que ambos sabemos, Mestre Agostinho, que um jarmelista não é.Não raro já me têm dito que o Jarmelo não existe; que é fruto da generosidade da minha imaginação; que é impossivel existir um espaço assim, de uma intocabilidade inviolável e com gente que tem apenas o orgulho de ser pessoa, desprovido da vaidade de ter o que quer que seja.Os retratos começam a ser essenciais porque as imagens , todas elas, que daí se colherem trazem sempre aquela "linha de água" que antes traziam as notas mais valiosas com que se compravam bezerros nas feiras e com que se justavam as horas de trabalho das "malhadeiras".Lá na fímbria de qualquer representação que daí venha existirá sempre esse tesouro indizível, esse mínimo nulo que acrescenta mesmo quem não é daí.Há cada vez mais gente interessada em nós e decerto, se lhes mostrarmos os montes e as pedras, também eles perceberão que poderão ser de cá, deste lado da festa, onde a linguagem silenciosa dos murmúrios não tem eco de intriga mas a vitalidade da paz.
Mestre Agostino, vamos ao álbum, que por cada retrato novo que revelarmos,hei-de por força vir aqui legendá-lo da única maneira que sei e a que me atrevo, sublinhando-o da voz que o habita e fazendo do pedaço de chão que nos coube em sorte , o umbigo do mundo, e de onde todos os que nos visitarem se sentirão capazes de nascer de novo.N.B. assino Mimganço com "m" porque das investigações que fiz o meu lugar de mãe de mingança vem do nome do senhor que ali foi dono, Mem Martim Gares, tendo-se encarregado a história de outros homens de desviar o nome pela semelhança da fonética para realidades mais evidentes. Mesmo na mingança somos sempre ricos se tivermos mãe...Um abraço.
Minganço ( aliás, mimganço) já vários dias temos pensado nisso do album, até eventual na possibilidade de ser mesmo um de recordações do fundo do baú.. quem sabe arranjamos uma forma de qualquer um poder enviar fotos para o administrador e depois vamos lá ver se devem ou não entrar em on.continua que gostamos da tua poesia e da tua prosa em verso.
ag da silva
Enquanto não engendramos uma forma de o administrador nos dar a atenção que merecemos, e porque os administradores tardam e a gente não é de pedinchices mas antes de arguir evidências , daqueles que envergonahm quem nos não dá ouvidos, enquanto tal, vou pegando com bostik, na ponta sup+erior direita do ecran uma imagem do reconcâvo do carreiro onde está a "pedra de montar".E á custa de tanto a exibir não é que já tive de roçar o mato do caminho que nela aprece, 3 vezes?!Que outro chão pode ser mais fértil que aquele que até nas imagens tem vida?!Agora estou a pensar em pegar numa foto de um lameiro e em meter lá dentro umas vacas a pastar.Mas umas vacas lindas e amareladas e não daquelas focinhudas e barrosãs. Umas vacas daquelas que o Criadro fez originalmente, antes de todas as outras, e que por isso tendem a desaparecer da mesma forma que toda a criação , por vontade do homem, tende a fugir, quando não a negarm o criador
Caráspito, safurdanas! Como diria o Ti Pedro que era mudo ...Do que me lembrei.E se se escrevesse uma história curta e desenxovalhada sobre a vaca jarmelista para as crianças e se depois se ilustrasse?E se isso desse algum apoio à causa seria bem melhor.Uma história compostinha e humorada que poderia começar com o criador a fazer um par de cada espécie de animais e a por cda um desses pares num lugar determinado segundo as caracteristicas da terra e por aí adiante...Sinto-me obrigado afazer qualquer coisa , mais que divulgar o que conheço e fazer com que outros venham aqui.E logo eu que pertenço a São Miguel (é na parede da minha casa que estão as pedras divisórias das freguesias) e tu que pertences a São Pedro.Um pergunta , ainda há T Shirts para venda?
Caráspito, safurdanas! Como diria o Ti Pedro que era mudo ...Do que me lembrei.E se se escrevesse uma história curta e desenxovalhada sobre a vaca jarmelista para as crianças e se depois se ilustrasse?E se isso desse algum apoio à causa seria bem melhor.Uma história compostinha e humorada que poderia começar com o criador a fazer um par de cada espécie de animais e a por cda um desses pares num lugar determinado segundo as caracteristicas da terra e por aí adiante...Sinto-me obrigado afazer qualquer coisa , mais que divulgar o que conheço e fazer com que outros venham aqui.E logo eu que pertenço a São Miguel (é na parede da minha casa que estão as pedras divisórias das freguesias) e tu que pertences a São Pedro.Um pergunta , ainda há T Shirts para venda?
Se na parede se sua casa estão os simais que socialmente foram instituídos para marcar um espaço geográfico, aceite isso como um valor relevante, social e político. Quem diz como fazer são os políticos ( polìs, Grécia), mas quem é produtor de cultura e de relações com interacção é o homem enquanto animal social. Aceite que esse "sinal" que diz ter em sua casa é um simbolo socialmente aceite e que socializou gerações e regularizou comportamentos e acções daí que o aceite como uma mais valia que pertence a um passado, está no presente com probabilidade de prosseguir. Mas as vivencias do Jarmelo foram e são únicas. Prova disso é a Festa realizada en Honra e Louvor de Santa Eufêmia, que por sinal é espaço de São Miguel ( Quinta do Silva), salvo uma melhor opinião, e a marca geográfica não existe socialmente, sendo esta realizada por igual representação, assim é instituída socialmente e não administrativamente. Entenda-se este exemplo como um valor social instituído e aceite socialmente pela comunidade, sem que haja um código que positive tais valores. O jarmelo é muito mais...
de jarmelista
Tamos em contacto com uma editora para partindo dos 650 da morte de Inês de Castro.. fazer alguma história juvenil onde além de abordar o tema Inês e Pedro, possa abordar em jeito de aventura a vaca perdiada e o buraco das feiticeiras, a pedra de montar e a igreja de Santa Maria que foi levada pedra a pedra... na altura da desanexação do concelho do Jarmelo.
ag da silva
Se me contarem essa história da igreja de Santa Maria talvez me atreva a meter tudo numa historieta..
Veio-me à memória de que as pedras com que foi construída a fonte de mergulho de S. Miguel, junto às "casas da Vila", frente à igreja de S. Miguel, teram sido de uma outra igreja da Vila, que me parecem ser do Púlpito... será?... Mas não de S. Maria.
...Jarmelista.....
sim.. diz-se que era de um púlpito, mas mesmo da igreja de S. Miguel, que ao ser restaurada, lhe retiraram essas peças. O povo como lhe parece assim lhe chama... agora que se fez o parque, nota-se uma outra pedra solta dessa composição.As pedras da igreja de S. Maria, teriam sido levadas, outras vendidas....
ag da silva
Seria de uma uma igreja da "Imaculada Conceição" ?... ou da Misericordia?... provavelmente no centro da vila?...
...de jarmelista
Imaculada Conceição é a padroeira da Castanheira.. talvez tenha aí uma raíz... mas do que percebi teria sido de S. Miguel...No entanto aparecem documentos que situam uma quarta paróquia com esse nome.Na Ima, que diz-se ter sido uma sede de paróquia, aí sim embora se faça a festa de Stº António, a padroeira é Imaculada Conceição.
ag da silva
Da penumbra
« em: Junho 20, 2005, 01:00:00 »
Querer adivinhar quem somos é meio caminho para nos conhecermos.Para teu conforto e minha paz, mestre Agostinho, a gente conhece-se.A coisa passou-se no Inverno, precisamente em 1 de Janeiro de há menos meia dúzia de anos.Eu tinha ido à aldeia levando da cidade para uma quarentena de autenticidade, mais de uma dúzia de gente, todos na casa dos vintes, sendo que eu dobrava a casa... Depois de umas valentes caminhadas que começaram a pé na estação e foram até à Mãe de Mingança passando antes pelo pinoco, depois de aboberarem um dia no sossego do povoado, no dia de ano bom fomos à missa S.Pedro .À saída, já dentro do carro, veio-me um sujeito de ar limpo mas como se tivesse saído da bíblia por ter tanto ar de profeta como de penitente, e entregou-me sem mais aquelas e sem qualquer prosa uns cartões que pareciam de ser visita mas que apenas tinham uns bois em carga , num desenho em tons de ocre vermelho escuro, talvez vermelho e até amarelo, dizendo apenas, jarmelo.Eu para meter conversa referi apenas que também era do Jarmelo, mas aquela alma de Deus só teve o desplante de me dizer "Então venha cá mais vezes e interesse-se por isto..."Eu vim-me embora, guardei os cartões que por serem vários distribui pela cachopada, alguns dos quais por serem escuteiros nesse de início de ano faziam questão de ir em traje de conformidade e até hoje guardo a lembrança desse presente inusitado.Só para que conste quem me deu os cartões foste tu, já que reconheci outro dia numa foto o mesmo ar , já não de fugitivo da biblia mas de alguem que já encontrou a terra prometida e tem a sorte de viver nela em permanência .
arrepias-me com essa exposição... todos caminhamos para a eternidade, uns para a conseguir outros para que nos eternizem.... eu, como tu, somos netos ou filhos de fulano de tal... somos mais netos ou filhos consoante os nossos antepassados foram pais e avós.Como deves perceber, passam muitos visitantes, como a todos tento receber dessa mesma forma... não fixo quase ninguém, a não ser quando os volto a ver.... digamos que para um Designer ( ligadoà imagem e comunicação) e candidato a deputado pela vaca ( e toda a raça jarmelista), é uma falha enorme.Um abraço, e quando voltares, diz qquer coisa!
ag da silva
A falha.Chamas falha enorme à invisibilidade dos primeiros encontros, talvez porque descoberto no que contei uma descrição punitiva e um ressentimento de menor afabilidade , mas não era esse o objectivo.Pretendia tão só sublinhar que nesses idos de Janeiro de me tinha cruzado com alguém que gostava tanto do Jarmelo como eu mas, mais do que eu, estava a caminho de fazer alguma coisa por ele; que o cartão que me foi entregue acabou, anos mais tarde, por ser uma convocatória para a visibilidade de uma causa comum e por último, que não se edifica um sonho de reconstrução com "caganeirices" de gabinete, de mão estendida, mas sim estando ao frio à porta de uma igreja, num dia de ano bom, recordando a quem diz ser de um lugar que é grande a responsabilidade de dizer que a ele se pertence.Também a cortesia do Jarmelo é dar, sem pedir nada em troca, de uma maneira sóbria e desprovida de atavios, para que o que se deu aumente de tamanho nas mãos de quem o recebeu.E já agora, amigo Agostinho, se precisares de alguém para distribuir cartões que digam Jarmelo, quando e onde quer que seja, podes contar comigo, apenas com uma exigência … Os cartões devem graficamente fazer justiça às vacas do Jarmelo com maior exactidão que aqueles que recebi porque, isso sim, uma vaca do Jarmelo parecer apenas uma vaca e não um dom do Criador é uma falha grave e imperdoável , sobretudo num designer gráfico ligado à imagem e à comunicação. NB . Valha-nos que graficamente a T Shirt das vacas é de uma fidelidade sem reparo...
já tens uma T´Shirt?merchandising é o que não nos falta.... somos os loucos do Jarmelo que nos fazem duvidar.. se aterra gira ao contrário e os rios correm para o mar... (esses são os de Lisboa... heheheheh)tava a brincar...a causa espalha-se sempre que possível ainda que pareça meio patética a nossa atitude, o que vale é pontuar... Vamos ver se um destes dias pomos no ar todo o material que temos em venda.
ag da silva
De novo aí
« em: Junho 12, 2005, 01:00:00 »
Sou eu aquele que me sintoquando daí me apartoA secura da giestaa intangibilidade do piornoo calor do barrocodevolvido ao fim da tardea vermilhão do céu na penumbra azul do póo contorno dos montes como fronteira do improvávelMas depois regresso e sou outra vezapenas este pedaço andante de uma vontade de voltar sabedor que seique aí me guardareis sempre um lugar e não deixareis,nunca,que os caminhos esqueçam os meus passos.
Aguardando que um dia possas guiar os meus por esses caminhos com as caracteristicas tão "sui generis" que nos tens vindo a dar a conhecer, deixo aqui um pequenino reparo a todos vós, que tal dar "vida" ao album deste site?
tsel
tem razão.. manifesta falta de tempo em alguns momentos e perguiça noutros.. mas vamos lá... ao album
ag da silva
Barrocos
« em: Março 25, 2005, 01:00:00 »
Nenhuma pedra tem a durezada distâncianem a altura do sonhoque faz dela catedralMas a evidência do soproque torna o eco em vozfaz dos montes um lugaronde qualquer palavra pousae onde cada instante tem saborde eternidade.Na lentidão das folhasa frescura do granito é uma precee a memória dos homenso seu improvável nascimento.
Aquilo que hoje é lurafoi ontem fonteAquilo que hoje é chão foi ontem pátriaaquilo que hoje é históriafoi ontem tempoE em cada lugar se fez o Homemque fez a terraque pôs o nomeE em cada diferençao futuro põe o alicercepara que seja casaonde o fogo ardaaquecendo a pedratransformada em fonte.
...
quem és tu romeiro? (Frei Luis de Sousa...)ele respondeu: ninguém!Minganço.. se um dia vieres por cá... aparece.. quem sabe poderíamos marcar um recital de poesia no salão da JF de S. Pedro do Jarmelo.
ag da silva
Sem assunto
« em: Março 11, 2005, 01:00:00 »
De quando em vez abre-se uma porta e a surpresa de vermos para lá dela o que sempre soubemos lá existir deixa-nos menos sós.Assim foi saber que existe este lugar e que por ele se pode refundar uma terra qie é sobretudo memória .E nenhuma terra é mais fértil que a memória.Aqui hei-de voltar e dizer-me sem pressas mas por agora fica o rendido espanto que sempre me traz o ver escrito esta palavra Jarmelo, terra de onde me sinto cidadão embora me tenham feito nascer em lisboa ...
fizeste bem Minganço (da Mãe de Mingança?) em visitar este espaço.. resta penitenciar-me de muito pouco se fazer pela vossa terra... como sois de duas freguesias.. quase pareceis de ninguém... mas como as outras quatro anexas de S. pedro.. esáis sem água e saneamento.. diz-se pelas entidades que super-entendem isto... que não vale a pena por poucos...o interior aqui está cada vez mais profundo...Alegra-te que um dia destes a TVI vai popr no ar iuma grande reportagem sobre a Vaca Jarmelista!!!Quem sabe poderemos provoacr outras coisas... o Jorn Notícias e o DN vão tbém publicar algo sobre a desertificação das nossas terras, deixa-nos o teu mail.. que depois avisamos!! um abraço!!!
ag da silva
O Restelo aqui tão perto
« em: Setembro 06, 2006, 01:00:00 »
O vento levou-me , como me leva todos os verões, surpreendendo e decidindo a minha hesitação quando chega o momento de saber o que hei-de fazer quando os deveres me largam e eu fico devoluto de vontades e de tempo.Então deixo-me ir julgando que as coisas que me custam a decisão são antes imprevistos de acontecer não anunciado a que chamo férias.Depois, acabam, e eu volto amim e ver-me no exacto lugar de onde parti , cumprindo a viagem e retomando as vestes.Também aqui regresso, satisfeito o interregno e o último ritual que é o de todas as férias acabarem no meio das pedras do Jarmelo, num silêncio que se prolonga até à frescura da noite, deixando a luz das estrelas bater nas folhas da cferejiera fronteiriça, e sem cuidar que em vez de escrever aquele momento é ele que me escreve a mim.E nessa luz e aragem são as vozes dos que foram meus que me visitam , é com elas que comunico e é dessa presença que me alimento, por
Copiado à pressa de escrito de mimganço
« em: Maio 20, 2006, 01:00:00 »
" No fundo de toda a aparênciaexiste a luz de uma evidência inviolávela cintilancia mínima que em nenhum momentose revele por inteiroA sombra do recobro do gestovinda do cansaço que deixouo corpo inerteo grito inaudívelporque se fez protesto sossegadopor dentro da tensão de se expandirem nada do que foi ou do que é.A revelação secreta revelada no intimodo que se calaE assim se nasce sem nunca ter nascidona residual obscuridadeem que todo o corpo é imagemOu a farsa de uma narrativaque ficou por se contarperdida na angústia de se ver exposta"
Sem assunto
« em: Março 29, 2006, 01:00:00 »
O garoto de tão assarapantado com tudo aquilo a que assistira nem deu conta que atrás de si a moira entretanto desadormecida contempava tudo em redor e quando deu por ela com ar muto entendido perguntou-lhe se já escolhera o seu caminho.Ela porém respondeu que por gostar tanto de todos aqueles que dali via acabara de descobrir não estava no ponto de partida mas no de chegada e , adormecendo de novo foi-se transformando numa pedra branca e enorme, do tamanho de um tronco largo e alto, um marco de todas as partidas e chegadas, um sinal revelador de todas as riquezas que se escondem debaixo da terra mas que à luz do dia só os olhos veêm e o desejo de alcançar as alcança.Desceu então o rapaz do cimo do monte na direcção que para si tomara vendo que agora tanta gente seguia caminho inverso, subindo por veredas e atalhos que por debaixo do pedrume haviam aparecido.Cá em baixo a águia, conformada em ser o que era definitivamente mas por poder enfim voar todas as alturas, perguntou ao garoto que caminho levava, e porque ele lhe referia um lugar inalcançável apressou-se a dizer-lhe que escolhera o impossível e que melhor seria tomar um rumo mais curto e mais certo, quem sabe o destino de um prado onde as paredes fossem de pão doce e os arames das portaleiras foseem de ouro fino.Respondeu-lhe então o catraio que não se importava e que nenhum caminho é mais curto que o tamanho do olhar que vê, da mesmissima forma que nenhum buraco é mais fundo que o tamanho da força que dele se quer libertar.
Sem assunto
« em: Março 29, 2006, 01:00:00 »
Consentido o desejo do pardal se ele antes contasse todas essas novas, ficou então o garoto a saber que em todasas montanhas e montes foi colocado no príncipio do mundo um pedaço de brilhantes e pedras preciosas mas , do mesmo jeito, a impossibilidade de alguém, quer bichos quer gente, lhes subir sem se transformarem os bichos em gente e as gentes em bicho por se agradarem mais das riquezas do alto que das belezas do longe, fazendo cair , uns e outros no mesmo buraco.Perguntando ao pardal como é que ele, o moço, ainda não se tinha transformado e a razão pela qual lá no fundo uma moira encantada dormia obteve então a resposta de que a não transformação se devia a ele ainda não ter escolhido se havia de ficar com os brilhantes se havia de escolher lá do cimo um horizonte que fosse só seu e que a moira era apenas a pedra mais preciosa que existia no monte e que por isso não era posta à vista de ninguém, o rapaz, não havendo mais nada que saber libertou o pardal que não era outro que não a águia e que por sua desdita para poder subir até ali perdia a possibilidade de de lá tirar o que desejava.O dia estava limpo e o garoto olhando mais uma vez os brilhantes por debaixo dos seus pés deixou que os olhos lhe luzissem até à lonjura de uma distância superior à capacidade das suas pernas.Resolvido a dar temo a tudo aquilo começou a deitar os brilhantes e as pedras preciosas para dentro do buraco ouvindo lá em baixo relinchos que se iam convertendo em vozes agradecidas, á medida que a fundura daquela cova ia sendo tapada.Quando estava completa a tapagem foram surgindo doze homens que não não eram gente nem viam luz desde que eram garotos e que olhando para longe e apenas para longe foram descendo o monte e seguindo diferentes caminhos.
Sem assunto
« em: Março 29, 2006, 01:00:00 »
Confuso por tanta revelação e temeroso por adivinhar naquelas palavras o seu destino o garoto perguntou então como sabia a montanha que ele lhes batia ou não e conhecedor de que era pelo som das pancadas , começou a bater no chão , com quanta força tinha, com a varola de freixo destinada aquele trabalho pedindo aos cavalos que a cada pancada eles relinchassem de rijo como se estivessem a ser sovados, e assim se livrou da maldição de se tornar ele num sacrifício de despertar alheio à custa do seu próprio sono.Reconhecidos com o modo como os poupara a eles de uma malha grossa e a ele de uma maldição certa resolveram os cavalos constar-lhe o segredo de que aquele monte não podia ser voado por aves cobiçosas e que apenas quando por ali chegasse algum pardal milharuco se podia saber o modo de tudo voltar ao seu lugar e cada um voltar a ser o que era no sítio onde o tinha sido.Com saudades de uma terra que não tinha começou o catraio a subir à superficie do buraco, todas as manhãs, que é a hora dos pássaros, pelo mesmo caminho que ali tinha levado, para ver se arranjava maneira de se livrar de todos os sarilhos que em vez de passarem pareciam ter aumentado.Pois certo dia estando ele acobertado de uma giesta a observar a chegada de algum pardal, reparou que numa poça de água no côncavo de uma pedra um deles se banhava e rápido com um raio deitou-lhe a mão perante os protesto da ave que prometia revelar tudo o que sabia se ele o libertasse.
Sem assunto
« em: Março 29, 2006, 01:00:00 »
Subiu sem mais reservas até ao cimo do monte e uma vez lá em cima ficou-se a olhar em volta a espantar o cansaço mas quando olhou as pedras o pasmo foi maior que a obediência pois reparou que elas eram brilhantes grossos que nem troncos de árvore e quando a águia cá em baixo, parecendo uma formiga, lhe gritou que lhe atirasse as pedras o catraio pensou que se lhas mandasse o mais certo seria ficar naquele ermo do mundo, sem rasto de caminho de regresso ao prado da fartura e rwolveu fazer ouvidos de mercador e pensar maneira de se safar daqueles sarilhos sózinho.Deteve-se na observação do cimo da montanha , enquanto a águia cá em baixo, sem tentar o voo, deseperava numa fúria de penas, e descobriu que uma laje bamba escondia um buraco escuro por onde ele se atrreveu até se encontrar num palácio de moura encantada onde a dita dormia numa cama de dossel, no meio de uma sala enorme como um lameiro, rodeada de doze cavalos brancos.Um dos cavalos disse-lhe então que teria de os bordoar doze vezes a cada um para que a moura acordasse e para que ele não ficasse tão encantado e adormecido como ela mas, ao mesmo tempo suplicava que lhes não batesse pois também eles eram gente que se haviam transformado em animais por até ali terem descido para se libertarem da pobreza e terem feito um trato,que não haviam cumprido, com uma águia que por razões que desconheciam não podia voar até ao cimo da montanha e os havia forçado a treparem eles e a atirarem de lá do cimo pedras que eram brilhantes.
De volta ás pedras
« em: Dezembro 29, 2005, 01:00:00 »
Quando um sapo engole um trevo E a sua sorte não o deixa ser um homem,quando a noite se torna capaz de desenharo cheiro das dálias,então o verbo delirae ouve-se a pulsação das pedraso crescimento do musgo no desejo de serem olhadas de azul.Porque carregar as palavraslá do lugar onde moram para mais perto daquié iluminar o opacoe fazer do silêncio uma casa.É ver na mão que constróia longitude de um gritoa transformar-se em poemae a voar fora da asa.
Posnatus
« em: Dezembro 29, 2005, 01:00:00 »
Estranho mundo.Um Deus que nasce e tanta gente a deixar cair os braços.Mesmo com anjos ,com reis magos ou pastoresuma criança não convence um coração empedernido,mesmo que esse coração se obstine,a procurar noutro caminho um Deus crescido.Mas um garoto ...A brincar na manjedoura ...Ainda sem falar e desdentado ...Que cresça,de preferência noutro lado,e depois que apareçajá adulto, a anunciarsó aquilo que possa serdo nosso agrado.Estranho mundo...Se hoje não se acolheum Deus nascido,como se pode crer nele, amanhã...quando tiver ressuscitado ?!
A mulher
« em: Dezembro 22, 2005, 01:00:00 »
Num tempo em que ainda era menina guardava ovelhas, sabia de cor o nome das pedras e cada hora do dia tinha a luz de um presságio.Sonhou-me devagar e desenhou-me no som do vento a bater nas giestas que é aquele que mais se assemelha à voz dos anjos.E foi a sonhar-me assim que se fez mulher.Quando me coube o tempo de nascer deu-me as palavras que digo e o andar que tenho, mas não me impôs um caminho mantendo apenas um lume aceso para me aquecer em cada regresso.Agora, vai perdendo aos poucos as palavras, vai esquecendo em cada dia os sonhos que cumpriu , mas sempre que me vê chama-me pelo meu nome, pega-me no colo e eu , nesse instante desmesurado , apenas sou um menino recém nascido, a saber que o mundo inteiro me pertence porque me foi dado pela minha mãe.
Cada homem que nasce
« em: Dezembro 05, 2005, 01:00:00 »
Cada homem que nasceé o primeiro homem,habitando o primeiro tempo,respirando a primeira hora,trazendo no esquecimento esta ausência luz de uma memória de dentro feita de silêncio tecido com as cores dos dias sem cor. E este harpejo do vento acorda as delícias do tacto na sofreguidão dos sentidos que o desespanto das horas anima de um frio agreste. Perde-se então o olhar no infindável afago de um esquecimento sereno, lançado sobre a memória , vencendo a resistência do medo, abrindo as portas de um tempo sossegado e desnascido.
Natal de novo
« em: Novembro 22, 2005, 01:00:00 »
Este ano o meu presépio será apenas musgo de um verde colorido e penetrante como se fosse a cama de um gigante que nasce pequenino e deslumbrado. Porei depois o feno para dar cor como um lençol de linho já usado com as marcas de quem nele se deitou mas ainda de um aroma imaculado. A quem estranhar esta pobreza sem imagens que lembrem uma história convidarei que ponham sobre a mesa aquelas que ainda tiverem na memória. Então o verdume aceitará mais de mil figuras de um menino centenas de burricos e de ovelhas e dezenas de reis magos solidários que em vez de incenso , mirra e oiro, transportando, em suas mãos trarão as cores dos astros. De pijamas de luz, se vestirá a criançada como estrelas novas brilhando de repente. e o verde do meu musgo será céu e eu não precisarei de ser mais nada...
Sem assunto
« em: Setembro 19, 2005, 12:00:00 »
No dia seguinte todo o povo enloqueceu e veio para a rua dizer que o rei e o seu ordenança haviam endoidecido e que o reino estava à beira da ruína por ser governado por um doido que era ajudado por um tolo.Percebendo a revolta , o rei angustiou-se e preparava-se para partir quando o seu vice , deitando fora a água desinquinada que guardara aprestou-se a encher as tulhas com a da fonte e do ribeiro , aprestando-se a servi-la ao seu dono e a banhar-se , também ele, num banho demorado e completo.Então, saindo de novo a rua , o povo aclamou o seu soberano e quem o vicejava, alegrando-se de aqueles ambos terem recobrado o juízo e a paz ter regressado aquele lugar onde, a partir daquele momento, asa aves deixaram de fazer ninhos por estranharem o sabor das águas e os frutos se terem recusado a nascer para não cairem nas bocas de tal gente...
Temos mais de mil anos
« em: Agosto 11, 2005, 12:00:00 »
Viemos aqui.Lembrámos quem está e quem já foi.Pelos nomes e pelos gestosos lembramose em cada memória lembrada somos nós a nósque nos somamos,de tantos e tão poucos,daqueles a quem a voz doeue que de tanto dizeremdeles disseram apenas que eram loucos.E dos outros que em tantosilêncio se vestiram, e em tanta mágoa do tempo se lavaram.Mas agora todos esses somos nós,habitados de um eco tão profundo,e amando esta terra como amamos,que sustemos nas mãos essa outra voz,fazendo a nossa ter bem maisde dois mil anos.
Sem assunto
« em: Julho 08, 2005, 01:00:00 »
Aquele lugar, que mais tarde poderia bem ser indicado para Judas perder as botas era , no entanto naquele momento um espaço de eleição para que Ele se despresumisse dos bolimentos laborais e se abandonasse a um sono retemperador.O sossego agreste dos pedredos , o assobio do vento nas giestas, a alvar azulitude de um céu tão alto como alta deve estar a perfeição para que permaneça a cobro da tentação de lhe querer tocar, tudo ali tinha tanto a exactidão da paz, que Deus gostou.E gostou tão tranquilamente que adormeceu ainda antes sequer de poder ter dito "com Deus me deito", estirado no lameiro fofo e fresco naquele fim de tarde de Outono espantadiço
Os andaimes de um povo
« em: Julho 08, 2005, 12:00:00 »
"É triste ser-se andaime , porque é ele que sustenta a construção , mas é sempre retirado no momento da festa".Entre o que resta da memória e o que sobra da imaginação, revejo o que aqui se tem escrito e dito e a maneira como cada um desses mateiriais vai trazendo do adormecimento a forma de um edificio que ainda não ruiu.Aqui foi a lembrança de umas casase do seu serviço comunitário...Ali foi a surpresa de uma expressão redescoberta...Mais além foi o encontro com a expressão do tempo a devolver-nos um tempo que já não temos.Tudo andaimes.
Há dias
« em: Junho 16, 2005, 01:00:00 »
Há dias que se vestem de improvávele que me deixam ser tudo aquilo a que me afoiteser pífaro ainda dentro da canapor cortarser chuva no interior da nuvemna véspera de choverser voz mesmo sem qualquer palavra articuladasentir no esboçotoda a evidência do que é beloPorque em dias assimquando acontecemsou apenas a intuiçãode que me vistonuma irrisória distânciade que me afastosou tão sómente euum pedaço de pó e ventodo jarmelo
Sem assunto
« em: Março 25, 2005, 01:00:00 »
Regresso do Jarmelo, e da pequena parte que dele me coube em sorte, e trago comigo a nostalgia dos regressos incompletos porque sempre insiste em lá ficar um bocado de mim.A voz dos barrocos permanece no silêncio da minha memória e dilui-me de tudo aquilo que em cada um de nós existe de provisório.Quase reduzido a nada embalo-me na sobriedade de um tempo que se sabe de passagem mas teimo em querer sempre ficar da margem de lá, onde eu sou apenas eu , sem mais ademanes nem outra identidade que não aquela que me dá o ar que respiro...